2017-09-29 19:40:00

Dói-nos muito ver os nossos jovens partir - P. Wede, da Eritreia


O Papa Francisco inaugurou na manhã do dia 27 de Setembro, durante a audiência geral, a campanha “Share de Journey”  (Partilhemos a viagem) promovida pela Cáritas Internacional para favorecer a cultura do encontro seja nas comunidades de origem dos migrantes, seja nas de trânsito, seja onde decidem permanecer definitivamente.

O Papa lançou, na audiência geral, um premente apelo, sublinhando que o próprio Cristo nos pede para acolhermos os nossos irmãos e irmãs migrantes e refugiados.

No recente encontro da Cáritas-Africa realizado em Dakar de 18 a 20 deste mês sobre o papel dos bispos na organização do serviço caritativo no continente africano, falou-se dessa campanha. E Jacques Dinan, ex-secretário geral da Cáritas-África e um dos representantes da África nessa Campanha,  ilustrou à Rádio Vaticano em que consiste e como surgir a ideia esta campanha:

“Na Cáritas Internacional vimos que é importante ter regularmente uma campanha e, depois de debater a questão chegamos à conclusão de que as migrações são um problema enorme – pessoas que vão de um país para outro, de um continente para outro e mesmo de uma província para outra dentro do mesmo país… Infelizmente, muitas vezes, o migrante é etiquetado negativamente; é visto como alguém indesejado; há, por vezes, recusa em recebê-lo. É por isso que o tema da campanha é “Encontrar”, encontrar o migrante. O próprio Papa quando vinha da Colômbia disse que é preciso ver o migrante não como um fardo, mas sim como uma oportunidade. E o que fazemos para ir ao encontro!?: o diálogo. Quando vejo uma pessoa e que tenho “a priores”  em relação a ela, e geralmente são “a priores” negativos, então dialogar, compreender porque é está lá, que dificuldades teve no seu país, por que razões quis atravessar oceanos, desertos para ir para um outro país…  Portanto, a campanha tem, antes de mais, o objectivo de “encontrar”, encontrar o outro, encontrar esse migrante que é meu próximo, conhecê-lo, apreciá-lo e, a partir disso, ver juntos se há soluções e como fazer para o ajudar e mesmo preveni-lo porque um migrante bem informado talvez nem iria para um outro país, pois há também migrantes que partem sem saber o que lhes espera do outro lado. Portanto, nesta campanha vamos procurar pôr todos esses aspectos em cima da mesa, fazer advocacia se pudermos, mas antes de mais, compreender, informar, ouvir, encontrar.

Esta campanha vai durar dois anos e desejamos que todos os países da África, Ásia, Europa, América participem, porque as migrações são hoje um fenómeno global. Há migrantes por todo o lado e, geralmente, não se fala muito dos migrantes que têm sucesso. Tende-se a falar só dos que se afogam no oceano, que desaparecem… mas trata-se de um ser humano como todos nós.

Nesta campanha queremos lançar um olhar diferente sobre o migrante, compreendê-lo, ouvi-lo e não julgá-lo, porque muitas vezes está-se pronto a julgar rapidamente, de forma negativa, a apontar o dedo, mas o que se pretende é compreender, escutar, reencontrar”.

- Por quem é que a África está representada no Comité de organização desta Campanha?

Somos três a representar a África: há uma senhora da Nigéria, a Cecília; há também o Padre Alfonse Seck, do Senegal, e eu próprio das Ilhas Maurícias, os três representamos a África no Comité de Organização desta campanha.”

- Neste 2º encontro da Cáritas-África no Senegal, ao falar da Campanha, insistiu para que a África esteja plenamente inserida nela. Como é que isto se vai concretizar?

A Cáritas Internacional é uma confederação de 165 membros, 46 dos quais são da África, e é importante que quando a Confederação organiza alguma coisa a África esteja presente. E é por isso que insisti para que todos sejam parte activa nesta campanha. Temos um papel a desempenhar, sobretudo porque a África está a braços com a questão da emigração”.

- Vai-se, portanto, insistir muito, como disse na informação, na comunicação com o migrante e sobre o migrante. Mas quando diz que o objectivo da Campanha é encontrar o outro… como é que isto se vai dar na prática exactamente? Significa que devo receber o migrante em minha casa, ir tomar um café com ele? De que forma se concretiza exactamente este encontro com o outro nessa campanha?

Não necessariamente convidar à sua casa, tomar um café, pode fazê-lo, mas também criar espaços de encontro a nível das Dioceses, das paróquias, será que as pessoas se dão ao trabalho de encontrar o migrante, conhecê-lo!? O símbolo da campanha é “mãos abertas”, acolher, acolher, encontrar, conhecer, apreciar e, creio que podemos criar espaços de encontros nos vários países… ver se nas paróquias há pessoas que vêm doutros partes, ajudá-los, conhecê-los a compreendê-los, independentemente da religião, porque embora sejamos uma organização católica, devemos estar abertos… trata-se de seres humanos como nós, compreende-los, aprender deles… Tende-se geralmente a pensar que devemos ensinar, mas podemos também aprender. É preciso ter essa cultura de dizer “sim posso aprender do migrante, tem coisas a partilhar”. É preciso ter uma atitude de abertura, o que não é sempre fácil, não é óbvio. Há, portanto, muito caminho a percorrer. É preciso mudança de mentalidade, mas creio que se pode fazer e é isto que se pretende. Esperemos que a campanha seja positiva e desemboque nisto”.

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No encontro da Cáritas-África em Dakar esteve também P. Wede Marian Zera Johannes Kiflu – Coordenador do sector da Igreja na Eritreia para a Educação e Saúde e como tal membro da Cáritas nacional do país. Ele considera que a Eritreia é um país jovem, independente da Etiópia desde 1991, mas que continua à procura das vias para concretizar a esperança numa vida melhor criada com a independência. Para os jovens isto tem sido uma desilusão e, por isso, tendem a abandonar o país correndo grandes riscos com a emigração. Muitas das pessoas que morrem no mar Mediterrâneo são, de facto, de origem eritreia. O P. Wede Mariam não concorda com essa emigração dos jovens, mas considera que a esperança criada pela independência da Eritreia foi uma desilusão para os jovens:

Eu diria que foi uma desilusão para os nossos jovens e eis então que procuram o bem-estar noutras paragens e a Igreja, assim como o Estado, deveria criar aquela atmosfera de confiança e esperança no próprio país para fazer com que os jovens não partam para metas desconhecidas. É penoso para todos! Não há pais que não chorem, assim como não há crianças que não fiquem sós com a mãe. O pai foi-se embora. Será melhor!? Ninguém sabe!, para alguns correu bem, para outros não, morrem no Mediterrâneo. Isto dói-nos muito, perdem-se no deserto, são comercializados, há comercio de órgãos humanos no Sinai…, mas nós não conseguimos ainda bloquear os nossos jovens para não abandonarem o país. A Igreja fala, mas há a liberdade e independência dos jovens. Nisto temos ainda de percorrer um longo caminho de amadurecimento e autodeterminação de cada pessoa…. Dói-nos ver tantos jovens…. São energias perdidas, estamos cientes disto, mas não temos a força de bloquear, porque como dizia, o homem foi criado livre e esta liberdade leva os jovens a enfrentar todo e qualquer perigo para atingir aquilo que se considera ser melhor. Enquanto que para muitos de nós as coisas não são assim. Temos de mudar no seio do país; o melhor se faz estando no país, não abandonando a própria terra. Dói-nos imensamente e agradecemos a Itália e muitos outros países que os acolhem, mas deveriam ajudar-nos a criar condições para que as coisas mudem para melhor dentro do país. Ver os jovens partir para ir procurar condições melhores lá fora é penoso. Podemos ter respostas, razões, mas neste momento temos que ser cautos para não influenciar negativamente os jovens. Este é o esforço que a Igreja faz”.

- Portanto, neste momento a Eritreia é um país que emite, digamos assim, emigrantes. De que modo a Igreja na Eritreia vai envolver-se nesta Campanha da Cáritas sobre a emigração?

Procuramos convencer os jovens a permanecer na Pátria porque lá fora… doentes não os podemos ajudar, mortos não os podemos sepultar, então que sentido tem abandonar o próprio país e ir à procura de aventuras. Para mim, como para muitas outras pessoas partir assim de improviso sem um ideal claro, confiando-se à sorte, não é bom. Estamos a procurar criar melhores condições dentro do país, mas se os jovens que são a esperança do amanhã abandonam, o país irá de mal para pior”.

- Vão então durante a campanha reforçar o que já estão a fazer no sentido de os desencorajar a partir?

Sim, sem dúvida, fazemos o possível porque a própria terra é sempre o melhor. Noutros lugares podes ter, sim, possibilidades, mas não estás na tua terra e devemos convencer os nossos jovens a procurar embelezar a nossa casa em vez de ir para a terra dos outros sem dar nenhum contributo. Este é o ponto central que queremos inculcar nos nossos jovens”.

-E como é que fazeis isto?

Através de organizações juvenis, da catequese, de colóquios, procurando identificar os nossos problemas, procurando compreender porque é que os nossos jovens têm essa psicose de ir para fora do país, em vez de permanecer para ver o melhoramento interno… e fazemo-lo dando conselhos. Este é o esforço que a Igreja faz e continuará a fazer. A resposta deixámo-la nas mãos de Deus.”

- Muitos dizem que se os jovens permanecerem na Eritreia, estão condenados a fazer o trabalho militar forçado toda a vida!

Este é um outro ponto crucial. Isto é, o governo tem a sua política e o indivíduo tem a sua. Por isso, a esperança da Igreja é a de chegar a um compromisso que seja bem para o Estado e para a Igreja mas tendo em conta o bem-estar da população. Tanto para o Estado como para a Igreja, o objectivo é criar uma Eritreia digna que tenha o necessário para os seus filhos e que possa competir com o mundo actual. Esta é a realidade que nós gostaríamos de inculcar nos nossos jovens. É preciso colaboração estatal e eclesial. É assim que vejo as coisas. Mas não chegamos ainda a esta sintonia. Esperamos um dia chegar lá, por forma a chegar aos nosso jovens com uma voz.”

- Há dialogo entre a Igreja e o Estado nesta matéria?

Sim e não, a nível baixo, digamos assim, a nível individual há. A nível oficial, não diria. O governo tem o seu programa, a Igreja participa naquilo que pode, mas há certos princípios sobre os quais a Igreja não pode comprometer-se. Há boa vontade, mas não chegamos ainda àquela sintonia de ideias e convicções. Eis porque falava da Cáritas, no sentido de que Deus deve ser o ponto central para se encontrar a via justa do ponto de vista político e religioso”.

(DA) 








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