Editorial: Escravidões de ontem e de hoje interpelam nossas consciências


Cidade do Vaticano (RV) - Na última quarta-feira, 23 de agosto, foi celebrado o Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição. A data escolhida pela Onu para esta celebração refere-se à noite de 22 para 23 de agosto de 1791, em que escravos de São Domingos se revoltaram contra o sistema de escravidão, resultando na independência do Haiti. O ocorrido constituiu um ponto de virada na história da humanidade, exercendo um grande impacto no estabelecimento dos direitos humanos.

Para recordar a data, na quarta-feira o Papa Francisco lançou um tuíte em sua conta @Pontifex – “O Senhor se faz próximo daqueles que são vítimas de antigas e novas escravidões: trabalhos desumanos, tráficos ilícitos e exploração”.

O breve texto do Santo Padre recordou a data chamando a atenção para o fato de não tratar-se somente de uma data histórica, mas de uma realidade por demais atual, apontando algumas das novas formas de escravidão.

Antes de ater-me por um momento sobre estas, gostaria de ressaltar que a recordação do tráfico de escravos e da sua abolição é algo que deve ser premente para nós brasileiros, vez que a escravatura em nosso país durou mais de três séculos e meio (1530 – 1888), sendo o último do Ocidente a aboli-la.

Dos 12,5 milhões de escravos transportados da África para as Américas, 2,5 milhões morreram nas viagens e chegaram ao destino 10 milhões de escravos para todos os portos. Desse contingente, chegaram ao Brasil 5.800.000 escravos, quase 60% do total, fazendo hoje do Brasil o maior país africano fora da África.

Sabemos em quais condições se deu a famosa Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel – sob pressão inglesa – resultando na abolição da escravatura e em que condições os negros se encontraram a partir de então com uma abolição muito mais simbólica que concreta, cujas consequências bem as conhecemos (70% dos pobres no Brasil são negros, vale recordar).

A celebração do Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição deve ser também para nós uma ocasião de reflexão e de tomada de consciência da dívida histórica que o Brasil tem para com os negros que por três séculos e meio com seu trabalho forçado lançaram as bases da economia do nosso país trabalhando de modo particular nas lavouras de canas de açúcar, café e algodão – os produtos de ouro da época; e hoje, a dívida social do Brasil para com seus descendentes. A escravatura foi uma página triste na história, um crime contra a humanidade que muitas nações ainda hoje relutam reconhecer.

Igualmente triste é saber que as escravidões não são um fato do passado, apenas uma recordação histórica, mas um tema por demais atual. Antigas e novas formas de escravidões, tantas elas nos dias de hoje: trabalhos desumanos, tráficos ilícitos e exploração de todo tipo, realidades que bradam aos céus e interpelam nossas consciências tantas vezes adormentadas.

Um delas, certamente, a realidade dos refugiados e deslocados, um verdadeiro drama humanitário em várias partes do mundo, constituindo o maior movimento migratório desde a II Guerra Mundial.

A esse propósito foi divulgada na segunda feira, 21 de agosto, a mensagem do Papa para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado a ser celebrado em 14 de janeiro do próximo ano, com o tema “Acolher, proteger, promover e integrar os migrantes e os refugiados”.

Diante de situações dramáticas como as que se têm verificado e das quais temos conhecimento todos os dias através da imprensa, o Santo Padre ressalta, entre outras coisas, a necessidade de abrir corredores humanitários para os refugiados mais vulneráveis. Todos os migrantes devem ser colocados em condição de se realizar como pessoas, destaca o Pontífice. Francisco pede ainda que se favoreça a cultura do encontro e assegura que a Igreja está disponível a se comprometer “em primeira pessoa” neste campo.

Que as escravidões de ontem e de hoje não sejam apenas uma recordação ou data a ser celebrada, mas uma imperiosa ocasião de tomada de consciência, aquela consciência crítica da humanidade à qual a Igreja perenemente nos chama e à qual o Papa Francisco insiste a nos fazer.

(Raimundo Lima)








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