Editorial: Fome, fenômeno político


Cidade do Vaticano (RV) - Imagens da fome, de pessoas que fogem da fome, de situações dramáticas como guerras, violências e explorações; imagens de barcos no Mediterrâneo cheios de migrantes em busca de um novo horizonte, de uma nova terra, de uma nova vida. São imagens que sacodem a nossa consciência e que continuam girando o mundo, trazendo às nossas casas um drama de milhões de pessoas que sobrevivem, dia após dia, com a ajuda humanitária, quando essa chega.

Temos também o drama da seca que afeta os países do chifre da África onde milhões de pessoas vivem à espera da solidariedade do mundo opulento.

O drama da fome que vivemos é vergonhoso. A situação a que chegamos numa chamada “Civilização Moderna”, evidencia de modo gritante os muitos abismos que a mesma construiu.

Entretanto, esse mesmo “mundo civilizado” apresenta outra face da medalha onde a obesidade, por erros e excessos, deforma toda uma geração de crianças e jovens. É um mundo de contrastes entre luxo e lixo, riqueza material e miséria moral.

Mas por que a fome não acaba? Pergunta legítima. Talvez a resposta seja simples, mas ao mesmo tempo complicada. Aparentemente, a fome não existe por carência na produção de alimentos e sim pela má distribuição de riquezas, principalmente nos países pouco desenvolvidos, em que o capital é concentrado nas mãos da minoria e em detrimento à maioria. A ganância de alguns pisoteia o desejo de muitos de ter uma vida digna. No mundo quase um bilhão de pessoas dorme com fome toda noite.

Como isso não pode sacudir a nossa consciência todas as vezes que colocamos a cabeça no travesseiro para dormir? Segundo informações de agências de notícias internacionais, é irônico o fato de que, no mundo, é usado mais dinheiro em campanhas contra a obesidade, do que contra a epidemia ''FOME''.

A fome deriva da pobreza. A segurança alimentar das pessoas depende essencialmente do seu poder de compra, e não da disponibilidade física de alimentos. A fome existe em todos os países: voltou inclusive a aparecer nos países europeus, tanto do Oeste como do Leste. Contudo, a história do século XX ensina que a pobreza econômica não é uma fatalidade. Verifica-se que muitos países progrediram economicamente e continuam a fazê-lo; outros, pelo contrário, sofrem uma regressão, vítimas de políticas - nacionais ou internacionais - assentes em falsas premissas.

A fome pode resultar ao mesmo tempo de políticas econômicas inadequadas e de estruturas e costumes pouco eficazes e que contribuem para destruir a riqueza dos países. Deriva também de comportamentos lamentáveis em nível moral: busca egoísta do dinheiro, do poder e da imagem pública; a perda do sentido de serviço à comunidade; sem esquecer o importante grau de corrupção, sob as mais diversas formas.

Os dados falam claramente: quase 1 bilhão de pessoas desnutridas no mundo; 11 mil crianças morrem de fome a cada dia; Um terço das crianças dos países em desenvolvimento apresentam atraso no crescimento físico e intelectual. Uma pessoa a cada seis padece fome no mundo.

Um dos grandes brasileiros da nossa história, o sociólogo Josué de Castro nos seus trabalhos de pesquisa e denúncia já dizia em meados do século passado que o “que divide os homens não são as coisas, são as idéias de que eles têm das coisas, e as ideias dos ricos são bem diferentes das ideias dos pobres. A fome não é um fenômeno natural, mas sim político”.

É necessário o empenho de todos para mudar a situação de milhões de pessoas que padecem a fome. Os países ricos, os potentes da terra podem e devem dar a sua contribuição. Quem sabe, assim, as populações africana, asiática, latino-americana possam ter melhores condições de vida. A situação atual precisa ser enfrentada, pois uma pessoa faminta não é uma pessoa livre. (Silvonei José)








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