Editorial: Um mundo sem armas nucleares é possível


Cidade do Vaticano (RV) - Organizações da sociedade civil de várias matizes e do panorama religioso em geral expressaram grande satisfação nestes dias pelo Tratado antinuclear assinado na sexta-feira, 7 de julho, nas Nações Unidas, proibindo a utilização de armas nucleares e impondo sua progressiva eliminação.

Trata-se de um texto juridicamente vinculante, um documento oficial significativo pela alta adesão recebida, aprovado por 122 países membros da Onu. Trata-se também de um passo importante para a paz, considerando que as armas nucleares eram até então as únicas de destruição em massa sem um documento próprio que as proibisse.

O Tratado reconhece as consequências catastróficas das armas nucleares e que estas transcendem os confins nacionais. O documento pede aos Estados que produzem ou fazem experimentações nucleares que assegurem a devida assistência às vítimas de tais experimentos e que adotem medidas a fim de recuperar os ambientes contaminados pelas radiações.

Ademais, se reconhece o sofrimento, muitas vezes não cônscio, daqueles que são atingidos pelas radiações consequência de experimentos ou da construção de tais armas.

A proibição da utilização de armas nucleares as coloca na mesma categoria de outras armas indiscriminadas e desumanas como as armas químicas e biológicas, as minas antipessoais ou as bombas de fragmentação – as quais são expressamente proibidas pela Convenção internacional – dando fim a uma perigosa e peculiar exceção.

A esse ponto, é preciso dizer que os nove países com armas nucleares não participaram da votação: EUA, Rússia, Inglaterra, França, China (cinco países membros permanentes da Onu), Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel – este último jamais confirmou nem desmentiu possuí-las.

O documento reconhece no preâmbulo a importância do papel das religiões que favorecem “uma tomada de consciência pública baseada nos princípios de humanidade”.

A esse propósito, o secretário delegado do Dicastério vaticano para o serviço do desenvolvimento humano integral, Dom Silvano Maria Tomasi – que durante 13 anos foi observador permanente da Santa Sé no escritório da Onu em Genebra, na Suíça –, após ressaltar que esta votação muito importante é um passo por parte de alguns Estados, incluindo a Santa Sé, para se chegar a banir não somente o uso, mas também a posse das armas nucleares, recorda que este caminho partiu de modo particular do encontro de Viena realizado em dezembro de 2014, quando com uma mensagem do Papa Francisco se insistiu que “não é mais aceitável do ponto de vista racional fazer com que a segurança dependa da posse de armas nucleares; é verdadeiramente inaceitável adquirir e possuir armas nucleares ou dispositivos explosivos nucleares!” E com esse Tratado não se pode mais fazê-lo, frisou o arcebispo.

Uma rápida revisitação ao texto do Papa Francisco, com breves pinceladas, permite-nos lançar um olhar sobre algumas assertivas contundentes do Santo Padre dando-nos, na linha de seus predecessores no que tange à Doutrina social da Igreja, aquele alto magistério de consciência crítica da humanidade.

Francisco afirma que as armas nucleares constituem um problema global tendo impacto sobre as gerações vindouras, bem como sobre o planeta – que é nossa casa comum. Evidencia a necessidade de uma ética global se quisermos diminuir a ameaça nuclear e trabalhar para o desarmamento nuclear. Evocando a encíclica Sollicitudo rei socialis, n. 38, de João Paulo II, reitera que agora, mais do que nunca, a independência tecnológica, social e política exige urgentemente uma ética de solidariedade.

Ao lembrar que as consequências humanitárias das armas nucleares são previsíveis e planetárias, com potencialidade de destruir nós e a civilização, adverte que em vez de nos concentrarmos muitas vezes sobre a potencialidade das armas nucleares para os massacres em massa, deveríamos prestar mais atenção aos “sofrimentos desnecessários” causados pelo seu uso.

Outro ponto importante de grande atualidade destacado por Francisco é o de que a dissuasão nuclear e a ameaça da destruição recíproca assegurada não podem ser a base de uma ética de fraternidade e de coexistência pacífica entre povos e Estados. “Agora é o tempo de contrastar a lógica do medo com a ética da responsabilidade, de forma a promover um clima de confiança e de diálogo sincero”, exorta o Pontífice.

Francisco chama a atenção para o fato que gastar em armas nucleares dilapida a riqueza das nações e que quando estes recursos são desperdiçados, os pobres e os mais frágeis que vivem às margens da sociedade pagam o preço.

A paz não “é ausência de guerra; nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta de uma dominação despótica”, lembra ainda o Pontífice citando uma passagem solene do documento conciliar Gaudium et spes, 78.

Devemos estar profundamente comprometidos em fortalecer a confiança recíproca, pois só mediante esta confiança é possível estabelecer uma paz verdadeira e duradoura entre as Nações: é a exortação do Pontífice fazendo eco às palavras do Papa João XXIII na histórica encíclica Pacem in terris, n. 113, de1963, toda ela dedicada à urgente questão da paz diante da tensão pelo risco de um conflito atômico num contexto de intensificação da guerra fria.

Voltando à aprovação do Tratado antinuclear, os nove países com armas nucleares – os quais, recordamos, não participaram da votação – definiram os objetivos ingênuos e inalcançáveis.

Nesse sentido, o magistério da Igreja particularmente em sua doutrina social busca levar à consciência crítica da humanidade que a segurança de um pais e de todos os países não está no ter a bomba atômica, mas que nenhum país a tenha.

Um mundo livre das armas nucleares é certamente um sonho para a humanidade, mas é preciso sonhar! Em nossas vidas precisamos dos sonhos e das utopias, não utopia como ou (não) + tópos (lugar), mas como sonho realizável e projeto exequível. Definitivamente, um mundo sem armas nucleares é possível!

(Raimundo Lima)








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