2017-01-09 16:17:00

Papa: a paz é um dom, um desafio e um compromisso


 

Vaticano (RV) - O Papa Francisco recebeu na manhã desta segunda-feira, dia 9 de janeiro de 2017, em audiências, na Sala Regia, no Vaticano, o Corpo diplomático acreditado na Santa Sé, para a habitual cerimónia de augúrio do Novo Ano.  

No seu discurso, Francisco iniciou por dar as boas vindas e agradecer a todos, disse, “pela vossa presença tão numerosa e atenta neste encontro tradicional que nos permite trocar entre nós votos para que o ano, há pouco iniciado, seja um tempo de alegria, prosperidade e paz para todos”.  E o Santo Padre dirigiu à este respeito, uma suadação e um augúrio especial ao Decano do Corpo Diplomático, o Embaixador de Angola junto da Santa Sé, o Senhor, Armindo Fernandes do Espírito Santo:

Expresso, os meus augúrios ao Decano do Corpo Diplomático, Sua Excelência o Senhor Armindo Fernandes do Espírito Santo Vieira, Embaixador de Angola, com um sentimento de especial gratidão pelas deferentes palavras de saudação que me dirigiu em nome de todo o Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, que recentemente se viu ampliado na sequência do estabelecimento de relações diplomáticas com a República Islâmica da Mauritânia, ocorrido há um mês.

Ao longo do ano passado,  disse o Pontífice, as relações entre os diversos países acreditados no Vaticano e a Santa Sé puderam aprofundar-se ainda mais com as gratas visitas de numerosos chefes de Estado e de governo, muitas delas em concomitância com os vários eventos que constelaram o Jubileu extraordinário da Misericórdia, recentemente concluído. Vários foram também, recordou Francisco, os Acordos bilaterais assinados ou ratificados, quer de carácter geral, visando reconhecer o estatuto jurídico da Igreja, com a República Democrática do Congo, República da África Central, Benim e com Timor-Leste, quer de caráter mais específico como o Avenant assinado com a França, ou a Convenção em matéria fiscal com a República Italiana, que entrou recentemente em vigor, e ainda o Memorando de Acordo entre a Secretaria de Estado e o Governo dos Emiratos Árabes Unidos. Além disso, na perspetiva do empenho da Santa Sé por respeitar as obrigações assumidas pelos acordos subscritos, foi também dada plena implementação ao Comprehensive Agreement com o Estado da Palestina, que entrou em vigor há um ano.

Há um século, observou o Papa, encontrava-se o mundo no auge do primeiro conflito mundial; um massacre inútil,[1] no qual novas técnicas de combate semeavam morte e causavam sofrimentos enormes à população civil indefesa. Em 1917, o conflito mudou profundamente de aspeto, adquirindo uma fisionomia cada vez mais global, ao mesmo tempo que assomavam ao horizonte aqueles regimes totalitários que haveriam de ser, durante longo tempo, causa de dilacerantes divisões. Cem anos depois, pode-se dizer que muitas partes do mundo beneficiaram de longos períodos de paz, que propiciaram oportunidades de desenvolvimento económico e formas de bem-estar sem precedentes. Se, para muitos, a paz aparece hoje de certo modo como um bem indiscutido, quase um direito adquirido a que já não se presta grande atenção, entretanto para outros é apenas uma miragem distante. Milhões de pessoas vivem ainda no meio de conflitos insensatos. Neste sentido acrescentou Francisco, mesmo em lugares outrora considerados seguros, nota-se uma sensação geral de medo. Com frequência somos surpreendidos por imagens de morte, pela dor de inocentes que imploram ajuda e consolação, pelo luto de quem chora uma pessoa querida por causa do ódio e da violência, surpreendidos pelo drama dos deslocados que fogem da guerra ou dos migrantes que morrem tragicamente.

Por isso, gostaria de dedicar o encontro de hoje ao tema da segurança e da paz, pois considero que, no clima de apreensão geral pelo presente e de incerteza e angústia pelo futuro em que estamos mergulhados, é importante dirigir uma palavra de esperança, que indique também perspetivas de caminho. Apenas alguns dias atrás, celebramos o quinquagésimo Dia Mundial da Paz, instituído pelo meu Predecessor, o Beato Paulo VI, «como auspiciosa promessa – na abertura do calendário que mede e descreve o caminho da vida humana no tempo – de que seja a paz, com o seu justo e benéfico equilíbrio, a dominar o desenrolar da história futura».[2] Francisco recordou que para os cristãos, a paz é um dom do Senhor, aclamada e cantada pelos anjos no momento do nascimento de Cristo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado» (Lc 2, 14). A paz é um bem positivo, «fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana»[3] e «não [a mera] ausência de guerra».[4] Não «se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas»[5], mas exige o compromisso das pessoas de boa vontade «sempre anelantes por uma mais perfeita justiça».[6]

Nesta perspetiva, sublinhou o Pontífice, é minha viva convicção que cada expressão religiosa é chamada a promover a paz. Sabemos que não têm faltado violências por motivação religiosa, a começar precisamente pela Europa, onde históricas divisões entre os cristãos já perduram há demasiado tempo. Daí, acrescentou o Santo Padre, a imperiosa e urgente necessidade de procuar as viabiliddes do diálogo autêntico entre as diferentes confissões religiosas, para curar as feridas do passado, resolver os conflitos que há anos, prejudicam a concórdia e a paz entre os povos e caminhar juntos para objetivos comuns.

Mas, para o Papa, onde evitar o pessimismo, convém não esquecer as múltiplas obras, religiosamente inspiradas, que concorrem – por vezes mesmo com o sacrifício dos mártires – para a edificação do bem comum, através da educação e da assistência sanitária, especialmente nas regiões mais desfavorecidas e nos cenários de conflito. Tais obras contribuem para a paz e dão testemunho de como se pode, concretamente, viver e trabalhar juntos, mesmo pertencendo a povos, culturas e tradições diferentes, desde que se coloque, no centro das próprias atividades, a dignidade da pessoa humana.

Estamos cientes, porém, de que ainda hoje, infelizmente, a experiência religiosa, em vez de abrir aos outros, pode às vezes ser usada como pretexto de fechamentos, marginalizações e violências. Refiro-me particularmente ao terrorismo de matriz fundamentalista, que ceifou também no ano passado numerosas vítimas em todo o mundo (...).  Trata-se duma loucura homicida que, na tentativa de afirmar uma vontade de predomínio e poder, abusa do nome de Deus para semear morte. Por isso, faço apelo a todas as autoridades religiosas para que se mantenham unidas em reiterar vigorosamente que nunca se pode matar em nome de Deus. O terrorismo fundamentalista é fruto duma grave miséria espiritual, que muitas vezes aparece associada também com notável pobreza social. E isto poderá ser plenamente vencido apenas com a colaboração conjunta dos líderes religiosos e dos líderes políticos.

Aos líderes religiosos, sublinha Francisco, cabe a tarefa de transmitir aqueles valores religiosos que não admitem contraposição entre o temor de Deus e o amor ao próximo. Aos líderes políticos, compete, por sua vez, garantir, no espaço público, o direito à liberdade religiosa, reconhecendo a contribuição positiva e construtiva que a mesma exerce na edificação da sociedade civil, onde não podem ser sentidas como contraditórias a pertença social, sancionada pelo princípio de cidadania, e a dimensão espiritual da vida. Além disso compete a quem governa a responsabilidade de evitar a formação daquelas condições que se tornam num terreno fértil para a propagação dos fundamentalismos. Isto requer adequadas políticas sociais tendentes a combater a pobreza, políticas essas que para o Santo Padre, não podem, por sua vez, prescindir duma sincera valorização da família, como lugar privilegiado da maturação humana, e de investimentos conspícuos nos setores educativo e cultural.

Neste sentido,  disse Francisco, desejo expressar a convicção de que cada autoridade política não se deve limitar a garantir a segurança dos seus cidadãos – conceito que facilmente se pode identificar com um simples «viver tranquilos» – mas sinta-se chamada também a fazer-se verdadeira promotora e obreira de paz. A paz, lembrou o Pontífice,  é uma «virtude ativa», que requer o empenho e a cooperação de cada indivíduo e do corpo social no seu todo, com a plena consciência de que, como observa o Concílio Vaticano II, «a paz nunca se alcança duma vez por sempre, antes deve estar constantemente a ser edificada»,[7] tutelando o bem das pessoas e respeitando a sua dignidade. A sua edificação requer, antes de mais nada, que se renuncie à violência na reivindicação dos próprios direitos.[8]

Edificar a paz exige também, observou ainda o Papa, «eliminar as causas das discórdias entre os homens, que são as que alimentam as guerras»,[9] a começar pelas injustiças. Com efeito, disse,  existe uma ligação íntima entre justiça e paz.[10] «Mas – como observava São João Paulo II – como a justiça humana é sempre frágil e imperfeita, porque exposta como tal às limitações e aos egoísmos pessoais e de grupo, ela deve ser exercida e de certa maneira completada com o perdão que cura as feridas e restabelece em profundidade as relações humanas transtornadas. (...) O perdão não se opõe de modo algum à justiça, (…) mas visa sobretudo aquela plenitude de justiça, que gera a tranquilidade da ordem, a qual (...) consiste na cura em profundidade das feridas que sangram nos corações. Para tal cura, ambos, justiça e perdão, são essenciais».[11] Estas palavras do Papa João Paulo II, são, para Francisco,  mais atuais hoje do que nunca e estiveram no centro das iniciativas pastorais levadas a acbo durante o Jubileu da Misericórida.

Neste sentido, sublinhou o Papa, o Jubileu extraordinário da Misericórdia constituiu, para muitos, uma ocasião particularmente favorável para descobrirem também «a grande e positiva incidência da misericórdia como valor social».[12] Deste modo, cada um pode contribuir para dar vida a «uma cultura de misericórdia, com base na redescoberta do encontro com os outros: uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença, nem vire a cara quando vê o sofrimento dos irmãos».[13] Só assim será possível construir sociedades abertas e acolhedoras para com os estrangeiros e, ao mesmo tempo, seguras e em paz no seu interior. Isto, para Francisco,  é ainda mais necessário nos dias de hoje em que continuam, ininterruptos, enormes fluxos migratórios em diferentes partes do mundo.

No que diz respeito ao fenómeno migratório, o Papa adverte que uma abordagem prudente por parte das autoridades públicas não deve significar necessárimanete a implementação de políticas de fechamento aos migrantes, mas implica avaliar, com sabedoria e clarividência, até que ponto o seu país é capaz, sem lesar o bem comum dos cidadãos, de oferecer uma vida decente aos migrantes, especialmente àqueles que têm real necessidade de proteção. Sobretudo não se pode reduzir a dramática crise atual a uma simples contagem numérica. Os migrantes são pessoas com nomes, histórias, famílias, e não poderá jamais haver verdadeira paz enquanto existir um único ser humano que é violado na sua identidade pessoal e reduzido a mero número estatístico ou a um objeto de interesse económico.

 

O problema migratório é uma questão que não pode deixar indiferentes alguns países, enquanto outros suportam o peso humanitário, muitas vezes com esforços consideráveis e sérias dificuldades, para enfrentar uma emergência que parece não ter fim. Todos deveriam sentir-se construtores concorrendo para o bem comum internacional, inclusive através de gestos concretos de humanidade que constituem fatores essenciais daquela paz e daquele progresso que nações inteiras e milhões de pessoas estão ainda à espera. Por isso, agradeço a tantos países que acolhem generosamente aqueles que precisam, a começar por vários Estados europeus, especialmente Itália, Alemanha, Grécia e Suécia.

Inimiga da paz, lembrou Francisco é sobretudo, uma «visão redutora» do homem, que abre o caminho à difusão da iniquidade, das desigualdades sociais, da corrupção. Precisamente contra o fenómeno da corrupção, a Santa Sé assumiu, disseo Papa, novos compromissos, depositando formalmente, em 19 de setembro passado, o instrumento de adesão à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003.

Mas, a paz na visão de Francisco,  requer também que se trabalhe por erradicar o perverso comércio das armas e a insistência constante de se produzir e disseminar armamentos cada vez mais sofisticados.  Neste enstido observou o Santo Padre, permanecem muito atuais ainda hoje as palavras de São João XXIII, na Pacem in terris, quando afirma que «a reta razão e o sentido da dignidade humana terminantemente exigem que se pare com esta corrida ao poderio militar; que o material de guerra, instalado em várias nações, se vá reduzindo duma parte e doutra, simultaneamente; que sejam banidas as armas atómicas».[14]

Também no que diz respeito aos armamentos convencionais,  acrescentou o Pontífice, é preciso salientar que a facilidade com que, não raro, se pode aceder ao mercado das armas, mesmo de pequeno calibre, além de agravar a situação nas diferentes áreas de conflito, produz uma sensação generalizada de insegurança e medo, tanto mais perigosa por se atravessar tempos de incerteza social e mudanças epocais como o atual.

Finalmente para, Francisco, inimiga da paz é também a ideologia que se vale dos problemas sociais para fomentar o desprezo e o ódio e que vê o outro como um inimigo a aniquilar. Infelizmente assomam, de contínuo, no horizonte da humanidade novas formas ideológicas. Mascarando-se como portadoras de bem para o povo, o que realmente deixam atrás de si é, porém, pobreza, divisões, tensões sociais, sofrimento e, por vezes, também morte. Ao invés, a paz conquista-se com a solidariedade. A partir dela germina a vontade de diálogo e a colaboração, que encontra na diplomacia um instrumento fundamental. É na perspetiva da misericórdia e da solidariedade que se coloca o empenho convicto da Santa Sé e da Igreja Católica por afastar os conflitos ou acompanhar processos de paz, reconciliação e busca de soluções negociadas para os mesmos.

 

Mas edificar a paz significa também empenhar-se ativamente no cuidado da criação. O Acordo de Paris sobre o clima, que entrou recentemente em vigor, é um sinal importante do compromisso comum para deixar a quem vier depois de nós um mundo belo e habitável. Espero que o esforço empreendido nos últimos anos para enfrentar as alterações climáticas encontre uma cooperação cada vez mais ampla de todos, já que a Terra é a nossa casa comum e é preciso considerar que as opções de cada um têm repercussões na vida de todos.

A paz, concluiu Francisco,  é um dom, um desafio e um compromisso. Um dom porque brota do próprio coração de Deus; um desafio porque é um bem que nunca é um dado adquirido mas deve ser continuamente conquistado; um compromisso, porque requer, na sua busca e construção, o trabalho apaixonado de todas as pessoas de boa vontade. Por isso só há verdadeira paz a partir duma visão do homem que saiba promover o seu desenvolvimento integral, tendo em conta a sua dignidade transcendente, já que «o desenvolvimento – como recordava o Beato Paulo VI – é o novo nome da paz».[15] Assim, disse Francisco,  os meus votos para o ano há pouco iniciado são estes: que possam aumentar entre os nossos países e seus respetivos povos as ocasiões para trabalhar juntos e construir uma paz autêntica. Por seu lado a Santa Sé, particularmente a Secretaria de Estado, estará sempre disponível para colaborar com todos os que se esforçam por pôr termo aos conflitos em curso e para dar apoio e esperança às populações que sofrem.

 








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