Reduções jesuíticas duraram 159 anos, "pouco tempo para tanta coisa construída"


Cidade do Vaticano (RV) - O século XVII viu florescer na América do Sul uma das mais belas e utópicas experiências da história: as Missões Jesuíticas que se espalharam pelo sul do Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia.

O incrível patrimônio cultural e material levantado durou  apenas 159 anos, sendo destruído pelos conflitos de interesse entre as Coroas espanhola e portuguesa.

O trabalho da Companhia de Jesus e dos indígenas, especialmente guaranis, viu surgir uma sociedade próspera, com lavouras, criação de gado, fundição. Mas não somente. As construções e a arte, especialmente com o fim de catequese, tiveram a participação de artistas e intelectuais europeus, como nos conta a Prof. Claudete Boff, Mestre em História Latino-americana e docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), de Santo Ângelo:

"Para as Reduções também vieram daqui da Itália, da Alemanha, enfim, de outros países, grandes intelectuais, que sabiam, entendiam da cultura, da escultura, da pintura, artistas. E esses jesuítas ou estes Irmãos jesuítas como Brasanelli, como João Batista Primoli, eles proporcionaram, trabalhando nas Reduções, ensinando nas oficinas, proporcionaram uma grande produção de imagens. Então elas eram muito ricas.

Segundo a pesquisadora Josefina Plá, do Paraguai, ela coloca que cada igreja tinha no mínimo cem imagens. E eram imagens também coloridas, as igrejas eram coloridas. Porque a gente tem que pensar o seguinte: os jesuítas saindo daqui, deste ambiente barroco que estava se vivendo aqui na Europa, e com todo o conhecimento deles, o que eles queriam? o que eles desejavam?

Eles desejavam fazer algo parecido na América. Então eles encontraram uma mão-de-obra disponível e toda esta questão visual também encantou o indígena e no caso assim, eu também entendo que, assim como o jesuíta persuadiu com a questão visual para conquistar estes indígenas para a fé cristã, o indígena se deixou persuadir, ele também se deixou levar por este encantamento da música, da poesia, do teatro, enfim, de todas as atividades que trabalharam muito a mente do indígena, para envolvê-lo nesta fé cristã e fazê-lo permanecer na Redução. Se bem que, pelos relatos históricos, a gente sabe que muitos indígenas saíam.

Não é que todos ficavam. Assim como alguns fugiam para a vida ancestral, outros aderiam à Redução. Então estes povoados eram fechados, só entravam os indígenas e os missionários. Os espanhóis  ou outros viajantes que passavam por ali, não tinham autorização para permanecer, a não ser três dias, de passagem, então era mais fácil fazer com que estes povoados florescessem, porque eles tinham uma unidade na administração, com a participação dos caciques indígenas, que também participavam da administração".

O trabalho dos jesuítas com os índios, imposição ou desenvolvimento?

"O que me encanta nesta história é o tipo de sociedade que foi instalada ali, que foi desenvolvida ali. Então tem muitos pensamentos, a favor e contra. Então quando então a gente ouve a crítica de dizer que foi um massacre, que impuseram uma cultura diferente aos índios, acho que sim, acho que houve  muita imposição. Mas por outro lado também, a gente tem que se situar na época, no pensamento da época, como era.

Os índios não tinham muita escolha entre estar ou não estar no povoado, porque eles também sofriam problema de escravização dos encomendeiros, de quem tinham lavouras e escravizavam sua mão-de-obra. Então o índio que estava dentro da Redução, a mão-de-obra dele não poderia ser usada, escravizado dentro de uma fazenda, de uma encomenda.

Mas eu vejo que nesta época não havia muita escolha, porque era uma época de colonização e eles não respeitavam. No caso dentro do povoado, houve esta mescla. Os jesuítas em muitas coisas fecharam os olhos para a cultura ancestral e permitiram assim, deixaram realmente. Assim como eles também aderiram a algumas coisas da cultura indígena, na questão da alimentação, enfim, eles trouxeram também novas tecnologias para o desenvolvimento das lavouras.

Então o que eu acho interessante ressaltar é como esta mescla de cultura, como esta mescla conviveu, como eles se entrosaram e conseguiram construir verdadeiros centros econômicos. Igrejas maravilhosas, as suas casas feitas de pedra. Enfim, quando a gente visita estes sítios arqueológicos e se vê estas igrejas, e se vê os museus, as imagens, isto devia ser belíssimo.

Então o que eu posso ressaltar, que me chama a atenção, é justamente a mescla que surgiu daí e estas grandes cidades. Cada cidade destas tinha 5 mil índios, mais ou menos, cinco mil pessoas, e igrejas enormes. Por exemplo, a Igreja de Santo Angelo Custódio, que através das escavações arqueológicas se descobriu, que foi feito um projeto de escavação arqueológica na Redução de Santo Ângelo Custódio, onde não tinha remanescentes arquitetônicos, mas se descobriu as fundações da igreja da Redução, ela tinha 26 metros de largura por 80 metros de comprimento. Então, igrejas grandes, onde cabia toda a população. Então isto que me encanta, saber a força que tiveram para construir tudo isto, e a tristeza que em pouco tempo foram destruídas. Na verdade elas duraram 159 anos, é muito pouco tempo para tanta coisa construída". (JE)








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