2016-11-13 11:10:00

Papa: migrações, desigualdades, martírio dos cristãos


Não faço juízo sobre pessoas e sobre homens políticos, mas estou interessado em saber se o modo de agir deles provoca sofrimento aos pobres e aos excluídos”. Palavras do Papa Francisco ao ser interpelado pelo jornalista Eugenio Scalfari a respeito de Donald Trump.

Na entrevista realizada no dia 7 de novembro e publicada no Jornal italiano “La Repubblica” na sexta-feira, 11, Francisco fala também da luta contra a desigualdade e o martírio de cristãos. O Papa ressalta que devemos derrubar os muros que dividem e tentar fazer crescer o bem-estar, tornando-o mais acessível a todos, além de fazer crescer a liberdade e os direitos.

Ao falar das guerras, o Papa observa que o ódio pelo ódio somente intensifica a existência do ódio e do mal no universo. Os cristãos – afirmou – sempre foram mártires, “mesmo que a nossa fé tenha conquistado grande parte do mundo. Dois bilhões e meio. Foi necessário armas e guerras? Não. Mártires? Sim, muitos”.

Eis a entrevista na íntegra:

Nos abraçamos depois de tanto tempo.

"Vejo que o senhor está bem", disse-me ele.

O senhor também está muito bem, apesar das contínuas dificuldades da sua vida.

É o Senhor quem decide”.

E "a nossa irmã morte corporal".

Sim, corporal”.

Era a conversa que começava a se aprofundar.

Santidade – perguntei-lhe – o que o senhor pensa de Donald Trump?

Eu não faço juízos sobre as pessoas e sobre os homens políticos, quero somente entender quais são os sofrimentos que o seu modo de agir causa aos pobres e aos excluídos”.

Então, qual é, neste momento tão agitado, a sua principal preocupação?

A dos refugiados e dos imigrantes Em pequena parte cristãos, mas isso não muda a situação que nos diz respeito, o seu sofrimento e o seu desconforto; as causas são muitas e nós fazemos o possível para removê-las. Infelizmente, muitas vezes, são apenas procedimentos adversados por populações que temem perder o emprego e a redução dos salários. O dinheiro é contra os pobres, além de ser contra os imigrantes e os refugiados, mas existem também os pobres dos países ricos, que temem a acolhida dos seus semelhantes provenientes de países pobres. É um círculo perverso e que deve ser interrompido. Devemos derrubar os muros que dividem: tentar fazer ampliar o bem-estar e torná-lo mais difundido, mas para alcançar esse resultado devemos derrubar os muros e construir pontes que permitam fazer diminuir as desigualdades e aumentar a liberdade e os direitos. Maiores direitos e maiores liberdade”.

Perguntei ao Papa Francisco se as razões que obrigam as pessoas a emigrar vão acabar mais cedo ou mais tarde. É difícil entender porque o homem, uma família e comunidades e comunidades inteiras queiram abandonar a própria terra, os lugares onde nasceram, a sua língua.

O senhor, Santidade, por meio dessas pontes a serem construídas, favorecerá a reagregação destes desesperados, mas as desigualdades nasceram em países ricos. Existem leis que tendem a diminuir o seu fluxo, mas não têm muito efeito. Esse fenômeno nunca terá fim?

O senhor falou e escreveu várias vezes sobre esse problema. Um dos fenômenos que as desigualdades encorajam é o movimento de muitos povos de um país a outro, de um continente a outro. Depois de duas, três, quatro gerações, esses povos se integram, e a sua diversidade tende a desaparecer completamente”.

Eu chamo isso de uma mestiçagem universal, no sentido positivo da expressão.

Bravo, é a palavra correta. Eu não sei se será universal, mas será de qualquer maneira mais difundida do que hoje. O que nós queremos é a luta contra as desigualdades, esse é o mal maior que existe no mundo. É o dinheiro que as cria e é contra aquelas medidas que tendem a nivelar o bem-estar e favorecer assim a favorecer a igualdade”.

O senhor me disse há algum tempo que o preceito "Ama o teu próximo como a ti mesmo" deveria mudar, dados os tempos escuros que estamos atravessando, e tornar-se "mais do que a ti mesmo". O senhor, portanto, anseia por uma sociedade dominada pela igualdade. Esse, como o senhor sabe, é o programa do socialismo marxista e, depois, do comunismo. Portanto, o senhor pensa em uma sociedade de tipo marxista?

“Diversas vezes foi dito, e a minha resposta sempre foi que, quando muito, são os comunistas que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os fracos, os excluídos, são eles a decidir. Não os demagogos, não os barrabás, mas o povo, os pobres, quer tenham ou não fé no Deus transcendente, são eles que devemos ajudar para obter a igualdade e a liberdade”.

Santidade, eu sempre pensei e escrevi que o senhor é um revolucionário e também um profeta. Mas hoje eu entendo que o senhor deseja que o Movimento dos populares, e sobretudo o povo dos pobres, entrem diretamente na política propriamente dita.

“Sim, é isso. Não no chamado politiquês, as disputas pelo poder, o egoísmo, a demagogia, o dinheiro, mas a política alta, criativa, as grandes visões. Aquilo que Aristóteles escreveu na sua obra.

Eu vi que em seu discurso aos "movimentos populares" de sábado passado, o senhor citou a Ku Klux Klan como um movimento vergonhoso e, assim como o de sinal oposto mas análogo, o das Panteras Negras (ndr – Em seu discurso, o Pontífice não fez nenhuma menção à quer à Ku Klux Kan como aos Panteras Negras). Mas citou como admirável Martin Luther King. Também ele é um profeta, que dá sentido pelo que que dizia na América livre?

Sim, eu o citei porque o admiro. Eu li aquela citação; penso que também seja oportuno recordá-lo também para quem lê este nosso encontro «Quando te elevas ao nível do amor, da sua grande beleza e poder, a única coisa que procuras derrotar são os sistemas malignos. Amas as pessoas que caíram na armadilha daquele sistema, mas procuras derrotar aquele sistema [...] Ódio por ódio só intensifica a existência do ódio e do mal no universo. Se eu te firo e tu me feres, e restituo-te a pancada e tu restituis-me a pancada, e assim por diante, é evidente que se continua sem fim. Simplesmente nunca acaba. Nalguma parte, deve haver alguém que tem um pouco de bom senso, e aquela é a pessoa forte. A pessoa forte é aquela que é capaz de cortar a cadeia do ódio, a cadeia do mal».

E agora voltemos à política e ao seu desejo de que sejam os pobres e os excluídos a transformar a política em uma democrática vontade de realizar os ideais e a vontade dos movimentos populares. O senhor defendeu o interesse pela política porque é Cristo que a quer. "Os ricos deverão passar pelo buraco da agulha". Cristo a quer  não porque também é filho de Deus, mas sobretudo porque é filho do homem. Mas um confronto, no entanto, haverá, pois está em jogo o poder, e o poder, o senhor mesmo disse, comporta a guerra. Portanto, os movimentos populares deverão sustentar uma guerra, mesmo que política, sem armas e sem derramamento de sangue?

Eu nunca pensei em guerra e armas. O sangue sim, pode ser derramado, mas serão eventualmente os cristãos a serem martirizados, como está acontecendo em quase todo o mundo, por obra dos fundamentalistas e terroristas do Isis, os carnífices. Eles são horríveis e os cristãos são as suas vítimas”.

Mas o senhor, Santo Padre, bem sabe que muitos países reagem também com as armas para derrotar o Isis. Outrossim, as armas foram usadas também pelos judeus contra os árabes, mas até mesmo entre eles.

Bem, não é esse tipo de conflito que os movimentos populares cristãos levam em frente. Nós, cristãos sempre fomos mártires, mesmo que a nossa fé no decorrer dos séculos tenha conquistado grande parte do mundo. Claro, houve guerras apoiadas pela Igreja contra outras religiões, e houve até mesmo guerras dentro da nossa religião. A mais cruel foi o massacre de São Bartolomeu, e infelizmente, muitas outras análogas. Mas ocorriam quando as várias religiões e a nossa, às vezes mais do que as outras, antepunham o poder temporal à fé e à misericórdia”.

O senhor, porém, Santidade, exorta agora os movimentos populares a entrar na política. Quem entra na política se confronta, inevitavelmente, com os adversários. Guerra pacífica, mas no entanto, trata-se de conflito, e a história nos diz que nos conflitos está em jogo a conquista do poder. Sem o poder, não se vence.

“Ora, o senhor esquece que existe também o amor. Muitas vezes o amor convence, e portanto, vence também. Os católicos são um bilhão e meio, os protestantes das várias confissões 800 milhões, os ortodoxos são 300 mil, depois existem as outras confissões como os anglicanos, valdenses, coptas. Com todos eles somados, os cristãos chegam a dois bilhões e meio de fiéis, e talvez mais. São necessárias armas e guerras? Não. Mártires? Sim, e muitos”.

E assim vocês conquistaram o poder.

“Propagamos a fé, tomando o exemplo de Jesus Cristo. Ele foi o mártir dos mártires e lançou para a humanidade a semente da fé. Mas eu tomo cuidado para não pedir o martírio àqueles que se expõe em uma política orientada aos pobres, pela igualdade e a liberdade. Essa política é uma coisa diferente da fé e são muitos os pobres que não têm fé. Têm, porém, necessidades urgentes e vitais, e nós devemos apoiá-los, como apoiaremos todos os outros. Como pudermos e como soubermos”.

Enquanto eu o escuto, me convenço sempre mais sobre o que sinto pelo senhor:  de um Pontificado como o seu houve  poucos. Ademais, o senhor tem muitos adversários dentro da sua Igreja.

Eu não diria adversários. A fé nos unifica a todos. Naturalmente, cada um de nós indivíduos vê as mesmas coisas em um modo diferente; o quadro objetivamente é o mesmo, mas subjetivamente é diferente. Já dissemos isso várias vezes, o senhor e eu”.

(JE)








All the contents on this site are copyrighted ©.