"Decisão corajosa" do Papa ir à Suécia, diz Secretário da FLM


Cidade do Vaticano (RV) – A decisão do Papa Francisco de ir a Lund “para celebrar junto conosco o aniversário da Reforma” foi uma escolha “corajosa”. Disto está convencido o Secretário Geral da Federação Luterana Mundial Martin Junge, que nesta entrevista concedida a Antonio Carneiro, do L’Osservatore Romano, fala das expectativas ecumênicas da viagem do Papa à Suécia, a ser realizada de 31 de outubro a 1º de novembro.

P: O que tem para ser celebrado neste 500 anos após a Reforma?

“Ela deu frutos para a Igreja no seu conjunto: a sua ênfase em Cristo como salvador, a tradução da Bíblia nas línguas faladas, a fé como dom. Além disto, gostaria de recordar os cinquenta anos do diálogo entre católicos e luteranos a nível global, que celebraremos em 2017. O diálogo, iniciado após o Concílio Vaticano II, ofereceu um significativo impulso na busca da unidade entre as comunidades do mundo cristão. Não podemos celebrar, pelo contrário, as divisões: como povo que lê a Bíblia, sabemos o quanto Jesus rezou pela unidade entre os seus discípulos. Mas a Reforma, mesmo não querendo, trouxe divisões. Devemos reconhecer também a violência e as guerras de religiões que se seguiram à Reforma, quando as disputas teológicas eram alinhadas com os conflitos políticos e econômicos da época. Não existe maneira de banalizar tal violência ou de justificá-la. Podemos somente arrepender-nos por tudo isto”.

P: Atualmente, como são as relações entre a Igreja Luterana e a Igreja Católica na Suécia?

“Existem muitas conexões em diversos níveis diferentes: a cooperação entre as paróquias, plataformas e processos de diálogo também a nível nacional, com a participação das duas realidades no Conselho sueco de Igrejas.  Somos gratos à Igreja Luterana da Suécia e à Diocese Católica de Estocolmo pela sua vontade de acolher-nos”.

P: Quais foram os progressos mais importantes do diálogo entre luteranos e católicos durante os Pontificados de Bento XVI e Francisco?

“Houve um diálogo intenso, que também viveu grandes discussões, nunca degeneradas em confrontos. É uma troca construtiva em busca da verdade, enquanto se busca compreender-se um ao outro. Eis porque hoje a comemoração comum é possível. Já antes destes dois Pontificados, a “Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação” foi assinada quer por católicos como por luteranos em 1999, no tempo de João Paulo II. Mais tarde, em 2013, durante o papado de Bento XVI, teve o Documento “Do Conflito à Comunhão”. E agora Francisco tomou a corajosa decisão de ir à Lund para celebrar junto conosco o aniversário da Reforma. Esta viagem e os objetivos estabelecidos deixam claro: a celebração comum não vem do nada. É construída com base em um sólido processo ecumênico que nos levou a estar muito mais próximos”.

P: O que significa para os luteranos receber uma visita papal?

“Diversos Pontífices visitaram comunidades luteranas nos últimos decênios. Esta vez, no entanto, o Papa não fará somente uma visita, mas irá compartilhar a celebração comum com o Presidente da Federação Luterana Mundial, o Bispo Munib Younan, e também comigo, como Secretário Geral da mesma. E isto tem um grande significado. O fato de que o Papa compartilhe a comemoração comum transmitirá uma forte mensagem sobre o importante processo ecumênico ocorrido nestes últimos decênios e sobre o decidido empenho em seguir em frente juntos. Enquanto recordamos o passado, queremos olhar em frente, para um futuro comum, naquilo que Deus continua a pedir à Igreja”.

P: A que tipo de reconciliação se deseja chegar?

“Com a Declaração de 1999 chegamos à conclusão de que as condenações, formuladas segundo as disputas teológicas nascidas no século XVI, não têm mais razão de existir. Com o Documento “Do Conflito à Comunhão” conseguimos oferecer uma narrativa comum sobre os acontecimentos da Reforma, sobre questões teológicas em jogo e sobre como estas problemáticas evoluíram ulteriormente. Algumas destas problemáticas nos guiaram para alcançarmos uma comum compreensão. Outras, em particular a compreensão da Igreja, o ministério e a Eucaristia, requerem um maior esforço. Com base nesta fundamental convergência e no contexto de um mundo que sofre por conflitos, fragmentações e falta de comunicação, não posso que não pensar em um tempo melhor para os luteranos e os católicos, que juntos, declaram publicamente a sua determinação de separar-se de um passado tão fortemente marcado pelo conflito e lançar-se em um futuro que, acreditamos, será comum. Este importante passo deve ser ainda seguido por outros, que no final deveriam guiar-nos em receber de forma comum a presença reconciliadora de Cristo por meio do pão e do vinho ao redor da ceia à qual somos convidados. Acredito firmemente que a celebração comum será um grande encorajamento para buscar, de modo ainda mais convicto, como deixar de lado os obstáculos remanescentes que nos impedem de receber os dons de Deus na mesma ceia. Enquanto trabalhamos para tal meta, desejo que a nossa reconciliação nos torne livres para testemunhar já agora, com maior alegria, a beleza e a profundidade da fé comum no Deus Trinitário e de servir, com maior compaixão e amor, aqueles que hoje têm uma desesperada necessidade da Igreja – os pobres, os refugiados – e uma criação que geme sob o peso de uma exploração inexorável”.

P: Se Lutero fosse vivo hoje, qual seria a sua reflexão sobre a Igreja Católica?

“Um famoso quadro de Lucas Cranach mostra Martinho Lutero que prega do púlpito de uma igreja de Wittenberg. O representa enquanto indica Jesus Cristo que proclama a palavra de Deus. Cristo é o nosso Alfa e Ômega. Isto é verdade quer para católicos como para luteranos. Acredito que mesmo permanecendo fieis às tradições e ensinamentos, os luteranos e os católicos querem antes de tudo ser conscientes das suas raízes comuns no Batismo e desejam oferecer aquele testemunho ao qual Cristo nos convida hoje. Se Lutero fosse vivo, esperaria de vê-lo alegre pelo fato de que, devido às nossas comuns raízes em Cristo, as memórias derivadas da uma dolorosa história entre católicos e protestantes continuam a cicatrizar”.

(JE)








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