LG: A origem da concepção da Igreja como Corpo de Cristo


Cidade do Vaticano (RV) - No nosso espaço Memória História, 50 anos do Concílio Vaticano II,  vamos continuar a tratar, na edição de hoje, da Constituição Dogmática Lumen Gentium.

Ao longo dos programas passados dedicados à Constituição dogmática Lumen Gentium, temos analisado as diversas imagens da Igreja propostas pelo documento, imagens estas, no entanto, que já vinham sendo construídas por diversos movimentos na fase que antecedeu a convocação do Concílio Vaticano II.

A Lumen Gentium, no entanto, é Constituição que vai dar o norte, a doutrina, construindo a concepção da Igreja como um corpo, o Corpo Místico de Cristo, onde todos os batizados são membros, ligados a Cristo que é a cabeça. Padre Gerson Schmidt, que tem nos acompanhado neste percurso, nos traz na edição de hoje a reflexão "A origem da concepção da Igreja como Corpo de Cristo". Ouçamos:

"As diversas imagens da Igreja descritas no Concilio Vaticano II foram sendo construídas, antes do concílio, nos movimentos teológico, litúrgico, ecumênico e pastoral que aconteceram antes da convocação do Concílio. A Lumen Gentium denota a consciência de que a Igreja existe a partir de Cristo e em Cristo. Essa perspectiva cristocêntrica é a culminância do movimento eclesiológico iniciado na Escola teológica de Tubinga, que se expande por meio dos teólogos da Escola Romana, no Concilio Vaticano I, e encontra expressão, por meio do magistério, na Mystici Corporis, do Papa Pio XII, em 1943. Essa visão eclesiológica cristocêntrica é, além disso, frisado por Paulo VI, no seu discurso de abertura da Segunda Sessão do Concilio Vaticano II, após a morte de João XXIII ¹. A concepção da Igreja como Corpo de Cristo teve uma participação da Escola Romana, com autores como J. Perrone, C. Passaglia, J. B. Franzelin, C. Schrader, que experimentam a influência de João Adão Möhler (1796-1838), teólogos renomados na época pré-conciliar.

Na visão da Escola Romana, a Igreja não é simplesmente uma sociedade religiosa dotada de uma autoridade recebida de Deus, mas um organismo não só humano-social, mas espiritual, com missão especial, fundamentalmente recebida da autoridade de Cristo e seu prolongamento no tempo, na história, e por ele indissoluvelmente visível e invisível, humana e divina. Nessa Escola Romana faz-se germinar grande influência dessa concepção da Igreja como Corpo de Cristo². Passaglia afirma, por exemplo, que “a Igreja é Corpo místico de Cristo em que Cristo se manifesta, expande sua vida, mediante a qual se tem visível entre os homens e por meio da qual continua oferecendo o fruto de sua economia salvífica”. Entenda o ouvinte essa palavra técnica “economia”. Na teologia é entendida como a pedagogia salvífica, a salvação gradativa de Deus na história, por diversas etapas no tempo e espaço, onde Deus se revela, atua e salva. Então, traduzindo em miúdos: A Igreja, como corpo visível de Cristo, manifesta e continua perpetuando a salvação contínua de Cristo, na história concreta dos homens, a cada tempo, para cada pessoa em sua época, chão e lugar. Deus opera e quer salva o homem concreto, situado no tempo e no espaço onde vive e habita.

A escola romana oferece uma visão da Igreja impregnada de um maior sentido histórico, personalista e concreto, situando a Igreja na história, como Povo de um Deus que intervêm na história da salvação. Todos os batizados se encontram unidos em um só corpo, do qual todos são responsáveis e protagonistas, também os leigos. Deste modo o visível e invisível, o exterior e o interior podem encontrar harmonia e reconciliação.

O Concílio Vaticano I não assumiu essas novas perspectivas. Negligenciou esse pensamento da Igreja como Corpo de Cristo, segundo o que haviam pretendido exponentes da Escola Romana ³. A maioria dos Padres não viam em tal expressão mais que uma metáfora, não uma definição da Igreja, uma nova perspectiva teológica e, consequentemente, pastoral.

No Concilio Vaticano I seguirá dominando o carácter corporativo, sobretudo hierárquico da Igreja. Será o Concílio Vaticano II que vai recuperar fortemente essa concepção da  Igreja como corpo Místico de Cristo, já expressada e construída pelos teólogos da época. Embora o Concílio eminentemente queira ser um concílio pastoral e de um agir pastoral, a Lumen Gentium é constituição que vai dar o norte, a doutrina, construindo a concepção da Igreja como um corpo, um corpo com diversos membros, não qualquer corpo, mas um Corpo Místico; mais: um Corpo Místico de Cristo, cabeça, onde todos os batizados são membros, enxertados, ligados a Cristo-cabeça". 

 

1 O. GONZÁLEZ HERNÁNDEZ, A nova consciência da Igreja e seus pressupostos histórico-teológicos. In G. BARAÚNA, A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 281s. 

2 C. PASSAGLIA, De Ecclesia Christi (Ratisbona 1853) 1,38. 

3 A. CHAVASSE, «L'ecclésiologie au Concile du Vatican, L'infaillibilité de l'Église», en M. NEDONCELLE, O.C, 233-234.








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