2016-08-28 16:48:00

Lucetta Scaraffia, historiadora e jornalista convertida


Na rubrica “África. Vozes Femininas” desta semana, abrimos uma janela para falar da italiana Lucetta Scaraffia, historiadora e jornalista, que muito tem escrito sobre religiosas e santas. Especializada em História Moderna e Contemporânea, ela foi professora na Universidade pública de Roma, “La Sapienza". Embora crescida num ambiente católico tradicionalista, vivia ainda na situação de não crente quando se imergiu em estudo históricos sobre Santa Teresa de Ávila e outras santas, apenas por interesse cultural e cientifico. Mas a um dado momento dá-se uma mudança na sua vida. Foi há 30 anos numa igreja de Roma. E a partir daí decidiu que todo o seu trabalho de investigadora, escritora e jornalista seria posto a serviço de Deus e da Igreja. É nesta senda que contribui para a criação há quatro anos do suplemento mensário do jornal do Vaticano l’Osservatore Romano, “Mulher, Igreja, Mundo” e se empenha em dar voz às mulheres do presente e do passado na Igreja. Em recente entrevista à irmã Catherine Aubin do Programa Francês da Rádio Vaticano, ela contou a história do seu percurso e deu a sua opinião sobre a mulher na Igreja… Vamos aqui ouvir algumas passagens dessa conversa..

A história que Lucetta Scaraffia nos conta começa por volta de 1968. Ela tinha cerca de 20 anos e tinha começado os estudos universitários havia pouco tempo…

Estava no coração da revolução dos estudantes, estava em Milão na Universidade pública. Havia, na altura, muitos movimentos e mesmo conflitos, entre os estudantes, entre estudantes e professores e até mesmo com a polícia. Vivi isso como que uma irrupção improvisa de coisas que não conhecia, pois vinha duma família tradicionalista, a minha mãe sobretudo, e tinha sido crescida como uma menina tradicional, tinha estudado num dos liceus mais duros e severos de Milão e, improvisamente, encontrei-me nesse ambiente totalmente diferente. Compreendi que não entendia nada daquelas ideologias, daquilo que acontecia, mas compreendi que se tratava dum vento da história, que havia algo que estava a mudar e queria estar lá. Então ia às manifestações, às assembleias para compreender o que se passava e, sobretudo, para sentir esse vento, para me sentir protagonista dessa mudança, uma mudança que de alguma forma  tinha sido excluída como mulher. As mulheres eram poucas nessa movimentação toda, eram apenas as mulheres dos chefes da revolução… e eu era muito tímida, nunca abria a boca para dar a minha opinião… Depois, o movimento das mulheres levou-me a interrogar sobre a minha vida e sobre a minha posição de mulher que se calava em relação a tudo e sobre o papel de mulher que me tinha sido transmitido na minha família. E foi no movimento das mulheres dos primeiros momentos que comecei a falar, a reflectir… Acho que esses movimentos femininos tiveram uma grande importância, fizeram com que mulheres da minha geração tivessem a coragem de entrar, de tomar a palavra na cena publica”.

Lucetta Scaraffia formou-se em História Moderna e Contemporânea e como gostava muito de estudar e de investigar, optou imediatamente pela nova corrente de pesquisa que era a história das mulheres. Foi então que descobriu que havia documentos sobre a mulher somente nos arquivos da Igreja, documentos sobre mulheres religiosas, sobre a santidade. Isto permitiu-lhe conhecer a história das mulheres do passado e de entre elas Santa Teresa de Ávila, por exemplo:

Havia Teresa de Ávila. Foi uma descoberta incrível. Comecei a ler a sua autobiografia espiritual e isto absorveu-me, marcou-me muito. Foi através dela que compreendi  que havia muito sobre a história das mulheres. Havia mesmo uma espiritualidade das mulheres e havia uma espiritualidade na religião católica de que nunca me tinha dado conta anteriormente.”

Na altura, Lucetta era não crente. Tinha sim, um interesse pelas santas e pelas religiosas do passado, lia muitas coisas, mas sempre numa óptica laica. Mas essa leitura de Teresa de Ávila abriu-lhe outras perspectivas. E, um dia, há 30 anos atrás, em Roma, entrou na Igreja de Santa Maria in Trastevere e algo de especial aconteceu:

Via muita gente e ia perguntar o que se estava a passar e disseram-me que estavam a trazer de volta à igreja um ícone de VI século, de Nossa Senhora, que tinha sido restaurado. E quando vi o ícone entrar na Igreja, havia um coro que cantava o hino Akathistos, o mais antigo hino à Virgem Maria, e tive uma experiência muito comovedora, uma sensação de calor e de luz muito forte e parecia-me que tinha passado muito tempo, mas na realidade tratava-se apenas de alguns instantes, mas nesse instante percebi que havia uma presença de Deus. Ele tinha-se manifestado a mim, me tinha comunicado a sua presença. E isso mudou toda a minha vida. Penso que se tratou de um pequeno milagre, de uma graça e estava um pouco preparada para isso pelas leituras de Teresa, das santas… mas essa mudança deu-se a partir de uma experiencia comovedora da minha vida”.

Lucetta Scaraffia, respondeu afirmativamente à pergunta se quando relê essa experiência, considera que as santas que tinha estudado – Santa Teresa de Ávila, Santa Rita d’Acascia …  - lhe tinham aberto o caminho. Acrescentou ainda que tinha entrado em relação com elas e que se tratava de uma relação de ajuda. Ela escreveu um livro sobre Rita d’Acascia e sobre Santa Francisca Cabrini e enquanto escrevia “pensava que essas santas a amavam, sentia o seu amor por uma mulher que se ocupava amorosamente delas”.

A partir desse momento Lucetta Scaraffia decidiu oferecer todo o seu trabalho como investigadora histórica à glória de Deus. Compreendeu que “era graças a esse seu trabalho sobre as santas que tinha tido essa revelação. E achou que devia dedicar o seu trabalho à Igreja”.

Hoje, além de ser historiadora, Lucetta Scaraffia é uma jornalista com colaborações em vários jornais católicos e não católicos  e considera que a “sua missão é a de dar a conhecer o papel das mulheres na Igreja do passado e do presente; fazer ouvir a voz das mulheres”

Acho que as mulheres são ignoradas na Igreja, têm muito a dizer, coisas interessantes. Acho que é preciso ouvi-las. É por isso que contribuiu para a criação do mensário “Mulher, Igreja, Mundo” que nos seus primeiros quatro anos de vida já deu voz a mulheres e dar a conhecer o que fizeram e o que pensavam na Igreja. Agora penso que podemos dar um passo ulterior em frente e propor pequenas mudanças para as mulheres na Igreja, mudanças que não comportam mudanças institucionais, mas sim mudanças de hábito. Há já muitas organizações femininas na Igreja que dão voz à mulher, e acho que elas – a UISG de modo particular, que é a União das Superioras Gerais – devem ser ouvidas em todos os momentos em que a Igreja reflecte sobre o seu futuro. Nisto a voz das mulheres é indispensável”

A Irmã Catherine Aubin perguntou ainda a Lucetta Scaraffia que revolução cultural e teológica é que o Papa Francisco pode realizar neste sentido. Lucetta respondeu que o Papa já fez “muitas revoluções sobre as mulheres: disse claramente que as mulheres têm um papel central na mudança na Igreja; disse que a Igreja é Mulher e isto é já em si uma reabilitação da imagem da mulher; e falou muito da importância da mulher na Igreja; e disse mesmo que é necessário uma nova Teologia da Mulher e ele próprio lançou as bases para uma nova Teologia da Mulher; abriu também pequenas portas para as mulheres na comissões e mesmo no Sínodo e isso foi muito importante”

E como explicar essa invisibilidade da mulher na Igreja ao longo dos tempos?

Para Lucetta Scaraffia trata-se duma questão de poder e de patriarcado. A Igreja, inicialmente era uma Igreja onde as mulheres desempenhavam um papel muito importante. Sabemos – afirma esta historiadora – que nos Evangelhos a presença da mulher é central; Jesus frequenta as mulheres e dá-lhes papeis de responsabilidade, tarefas importantes. Creio, portanto - continua Lucetta Scaraffia na entrevista com a irmã Catherine Aubin – que foi o Evangelho que lançou a semente da igualdade entre o homem e a mulher. Mas foi na sociedade laica que nos últimos dois séculos, essa semente deu frutos. Mas, na opinião de Lucetta, foi o Evangelho, pois essa semente frutificou somente nos países de matriz cultural cristã. Por isso, ela acha que é um presente que estas sociedades laicas estão agora a fazer à Igreja.

(DA)

 








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