Pe. Lombardi: recordar sofrimentos para construir futuro de paz


Yerevan (RV) – "O Papa usou a palavra genocídio para recordar as feridas e curá-las, não para reabri-las, é uma memória para construir reconciliação e paz no futuro". Foi o que afirmou aos microfones da Rádio Vaticano o Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, ao comentar o acréscimo improvisado do Papa Francisco desta expressão durante o seu discurso por ocasião do encontro com as autoridades.

Padre Lombardi concentrou-se também nas boas relações entre Igreja Católica e a Igreja apostólica Armênia, definindo-as como um ecumenismo bem consolidado. Mas, ouçamos o que disse o Pe. Lombardi na noite de sexta-feira ao enviado do Programa italiano, Giancarlo La Vella:

“A Igreja Apostólica Armênia é uma Igreja muito antiga com a qual as relações ecumênicas são muito boas; do ponto de vista doutrinal, a bem da verdade, se pergunta quais sejam as diferenças, que parecem não existir. E portanto, os problemas são um pouco aqueles das divisões históricas que se criaram no decorrer do tempo; mas as relações são muito boas. A acolhida por parte do Catholicos de Etchmiadzin, que é a principal autoridade da Igreja Apostólica Armênia, foi realmente muito cordial. De resto, existe uma série de contatos de alto nível que remonta, em particular, já à Paulo VI e Vasken I, depois o Concílio Vaticano II e depois toda uma série de encontros entre o Papa e os Catholicos, entre os Papas e as várias autoridades da Igreja Armênio Apostólica. E também as relações entre a Igreja Armênia Apostólica e a Igreja Católica Armênia são por sorte substancialmente boas: é um ecumenismo já bem consolidado que se vive, portanto, também como uma festa. A cerimônia na grande Igreja central da cidade de Etchmiadzin foi uma liturgia muito bonita. O altar central que existe na Igreja sobre o qual, segundo a tradição, desceu o Unigênito em forma luminosa e indicou a São Gregório “o Iluminador” o lugar onde devia ser construída a Catedral, a oração diante deste altar foi um momento muito emocionante, certamente para o Papa, para o Catholicos, para mim e para todos os presentes. E também o encontro que houve ao final do dia, como encontro familiar entre o Papa e o Catholicos, presentes mais de 40 Bispos da Igreja Armênia Apostólica, que saudaram o Papa com grande cordialidade e com grande devoção, demonstrou que é um ecumenismo que está caminhando bem. E a esperança é de chegar, cedo ou tarde, com a bênção de Deus, também a uma unidade verdadeira, também da mesa eucarística”.

RV: Foi particularmente tocante a solidariedade, a partilha expressa pelo Papa Francisco ao povo armênio, um povo mártir já há 100 anos, talvez ainda antes. Porque estas palavras tocaram tanto?

“Digamos que o caso do povo armênio é bastante impressionante, se alguém o conhece, porque na sua história é um povo que passou por muitas dificuldades. É um povo grande, numeroso, culturalmente rico, rico de tradições, de fé que, porém, também pela sua localização geográfica, encontrou-se com muita frequência em meio a tensões, conflitos e teve sofrimentos terríveis; existe uma diáspora enorme do povo armênio no mundo, precisamente como consequência destes eventos, em particular dos acontecimentos do final do século XIX e depois no início do século XX, em que centenas de milhares de pessoas foram mortas e os que sobreviveram fugiram, foram obrigados a deixar suas casas e ir morar ou ser acolhidos como refugiados em vários outros países. Portanto é um povo que traz dentro de si sofrimentos profundos, mas que tem a fé cristã como própria identidade: de fato, é um povo que se considera cristão desde a medula, não consegue conceber-se como não-cristão – mesmo se depois, evidentemente, na prática é uma outra coisa: a secularização pode existir também entre os armênios... Mas a identidade nacional, a identidade do povo está muito ligada à fé. E certamente tantos destes sofrimentos foram vividos como sofrimentos na fé, como martírio. Isto toca muito profundamente, dá uma profundidade de admiração, também, para quem se aproxima deste povo e aos acontecimentos que o envolvem. Este fato do sofrimento deste povo está tão profundamente inserido em sua memória – e em particular o do acontecimento mais terrível, que é aquele de um século atrás – que a recordação deste genocídio, desta tragédia que eles chamam “Metz Yeghérn”, é um acontecimento particularmente importante”.

RV: Em 2015, por ocasião do centenário do massacre dos armênios, houve uma celebração na Basílica de São Pedro que reuniu o Papa Francisco com autoridades civis e religiosas...

“De fato, no ano passado o Papa presidiu uma celebração em São Pedro na qual participaram todas as mais altas autoridades religiosas e civis do povo e da Igreja Armênia: os dois Catholicos, os Patriarcas armênios apostólicos e o Patriarca Armênio Católico, e o Presidente da República. Portanto, a memória deste fato é parte essencial da história deste povo: amanhã de manhã estaremos no Memorial. É um pouco o que representa o Yad Vashem do povo judeu. Não se pode vir aqui, não se pode demonstrar atenção pelo povo armênio sem prestar homenagem à memória do povo sofredor, do que foi esta tragédia. Cada vez que esta tragédia é evocada, é evocada com participação, é evocada também com clareza, os armênios se sentem muito tocados e ficam muito agradecidos por isto. Neste sentido, o fato que hoje o Papa em seu discurso tenha falado a respeito disto de modo muito claro, e não só, mas tenha acrescentado esta palavra – genocídio – que no texto preparado não estava prevista, suscitou muita atenção. O que é importante, porém, é que se entenda que a memória, numa perspectiva de fé cristã, na perspectiva do Papa, é uma memória para curar as feridas, não para abri-las e para renová-las; mas recordando o mal, alguém toma as lições da história, se converte das atitudes erradas e vê tudo aquilo que deve fazer para construir reconciliação e paz no futuro. Assim, esta é a coisa mais importante e delicada, isto é, recordar, sim, as feridas do passado, mas recordá-las para curá-las e superá-las. O que o Papa João Paulo II chamava “a purificação da memória”, quando ele recordava as culpas e os erros do passado, é aquilo que também todos os povos deveriam viver. Caso se queira construir a paz, é necessário saber que a paz está a risco porque existiram erros e podemos cometê-los novamente. E o Papa Francisco recorda não somente a tragédia dos armênios, mas recorda que no século passado houve tantos outros: houve a violência do nazismo, houve a violência do regime soviético, houve Rwanda na África; houve a Bósnia nos Bálcãs....houve tantíssimos e continuam a existir! Assim, recordemos o sofrimento do passado para construir a paz para o futuro”.

(JE)








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