Encontro entre o Papa e Imame foi positivo, mas Al-Azhar deve fazer mais, avalia estudioso


Cidade do Vaticano (RV) –  “O abraço entre o Papa Francisco e o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Muhammad Al-Tayyeb, máximo expoente do Islã sunita, foi de vital importância, sobretudo após o mal-entendido de 2011. Naquela ocasião, o Papa Bento XVI havia pedido ao Governo egípcio uma maior proteção aos cristãos, após o terrível atentado contra uma igreja copta de Alexandria do Egito, e foi o próprio Imame a romper relações com o Vaticano e o Cardeal Tauran, sem dar maiores explicações. A reação muito positiva que teve agora o Reitor de Al-Azhar, confirmada por suas palavras, significa realmente que deseja retomar a amizade e começar um caminho novo”.  Esta é a avaliação do Docente de Estudos Islâmicos em Beirute e no Pontifício Instituto Oriental, Padre Samir Khalil Samir sj, uma semana após o histórico encontro entre o Papa Francisco e o Imame Al-Tayyeb, no Vaticano. Em entrevista à Rádio Vaticano, o sacerdote comenta e contextualiza esta nova etapa no diálogo entre cristãos e muçulmanos.

Um encontro abençoado

“É verdade que já há um ano na Universidade sunita do Cairo surgiram algumas novidades; foram feitos encontros para reagir juntos ao terrorismo de matriz islâmica do Estado Islâmico, envolvendo os cristãos coptas, e para melhorar o diálogo islâmico-cristão no Egito e no mundo”. “Por isto acredito precisamente que o encontro entre Francisco e Al-Tayyeb tenha sido um encontro abençoado e as palavras pronunciadas pelo Grão Imame de Al-Azhar, também à mídia vaticana, foram realmente bonitas e sinceras, não simplesmente formais, mas correspondiam a uma intenção profunda”.

Violência e não-violência estão no Alcorão

Padre Samir, no entanto, discorda de algumas afirmações do Reitor de Al-Azhar. “A sua afirmação de que o Islã não tem nada a ver com o terrorismo e os textos islâmicos são interpretados pelos terroristas, não são totalmente corretas. Al-Tayyeb havia expresso conceitos semelhantes no Parlamento alemão, fundamentando a afirmação de que no Alcorão não existe nenhuma violência, pelo fato de que a palavra “espada” nunca ser encontrada”. “Mas não me parece uma argumentação plausível”, comenta p sacerdote. “Se, de fato, pegarmos o texto do Alcorão tal e qual, ali encontramos violência, mas também não-violência”. “Há alguns anos – explica o estudioso  - escrevi um pequeno livro precisamente sobre este tema – “Violência e não-violência no Alcorão e no Islã” – no qual afirmava que existe tanto uma como a outra e que não podemos ou devemos escondê-la”. “No entanto – enfatiza Padre Samir – é certamente fora do normal que o Isis tenha escolhido o caminho da violência, é fora do normal, é puro terrorismo e ponto final. Mas o fato é que infelizmente fazem isto em nome do Islã. Assim, se deve reconhecer que existe esta possibilidade de leitura e que portanto o trabalho da Universidade de Al-Azhar consiste precisamente em explicar que, mesmo se no Alcorão se encontra a violência, o seu uso é limitado somente a um determinado período histórico e a determinadas circunstâncias. Não se trata de uma norma geral que qualquer um possa aplicar quando assim o desejar, e o autoproclamado Estado Islâmico não tem o direito de proclamar qualquer coisa sua em nome de todo o Islã, mas isto diz respeito somente às autoridades muçulmanas”.

Maior esforço de Al-Azhar

“O problema – explica ainda o docente de estudos islâmicos – é que os muçulmanos, diferentemente da Igreja Católica, não têm uma autoridade absoluta como é o caso do Papa, que é o guia de todos. Al-Azhar não é, de fato, uma instituição líder, é a autoridade principal, mas, na realidade, não tem uma autoridade concreta sobre ninguém. Além disto, um problema no mundo muçulmano, é que o mesmo ateneu sunita do Cairo deixou passar muito tempo sem dar uma indicação clara sobre como interpretar o Alcorão hoje. Foram criados cursos e textos para divulgar uma orientação mais construtiva, mas a verdadeira missão de Al-Azhar deveria ser a de fazer com que o ensinamento dos mais de mil Imames que passam por esta universidade sejam realmente inspirados na paz e na nova interpretação do Alcorão. Isto é o que pedem os muçulmanos iluminados, que são milhares em todo o mundo. Estou certo de que este dia chegará, mas demora um pouco”.

Colaborar com os muçulmanos é nossa vocação

O que é certo – avalia Padre Samir – é que a Igreja Católica e todo o Ocidente, se realmente desejam erradicar o terrorismo, devem apoiar o trabalho da Universidade de al-Azhar. “Qualquer colaboração com quem quer que seja – explica o sacerdote – é a nossa vocação de católicos e é de fato o que faz o Papa. Não entendo, de fato, as críticas contra o Papa Francisco que, segundo alguns, sobretudo pessoas de extrema direita, é muito brando em suas iniciativas para combater o terror e a violência. Não existe, de fato, outro modo e outro caminho evangélico para conquistar a amizade dos muçulmanos e como irmãos, crentes em Deus, ajudá-los. Oferecer a eles uma ajuda no plano humano”. “Por isto – conclui Padre Samir – o passo dado pelo Papa e o Reitor de Al-Azhar segue no rumo certo. Agora, porém, é necessário encorajar Al-Azhar a seguir no caminho correto para recuperar aquilo que já existia desde ao anos “50-60”, isto é, a interpretação aberta e humanista, adaptada ao século XXI, dos textos sagrados do século VII. Passaram-se quatorze séculos, portanto a interpretação deve mudar. Assim como nós católicos não podemos interpretar ao pé da letra alguns textos do Antigo Testamento, que falam de violência e de guerra em nome de Deus, mas em bem outro contexto. É isto que deve acontecer: um texto é entendido em seu contexto”. (JE/FC)








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