2016-05-30 11:23:00

Diáspora e Corpo Diplomático em Roma vêem a África de forma diferente


Quadros e técnicos da Diáspora africana em Roma realizaram, pelo segundo ano consecutivo, um encontro com o Corpo Diplomático para marcar ao Dia da África. Foi no passado dia 24 e o tema foi “Mulheres e Direitos Humanos”. Um encontro em que as partes mostraram ter visões diferentes sobre a evolução da África hoje, nomeadamente no que toca ao direito à saúde. Nós ouvimos alguns pareceres, nomeadamente da Conselheira da Embaixada de Angola, Dulce Gomes, da imigrada guineense-caboverdiana, Cecília Monteiro e da Médica somali, Kadidja Ali Mohamud. Saiba mais ouvindo e  lendo a rubrica "África. Vozes Femininas" 

O Dia da África que se celebrou no passado dia 25 ficou marcado em Roma por dois momentos importantes:

O primeiro teve lugar no dia 23 e consistiu numa homenagem solene do Corpo Diplomático Africano junto do Quirinal à Guarda Costeira italiana pela sua constante acção de salvamento de migrantes no Mar Mediterrâneo.

O segundo foi uma conferência que reuniu, no dia 24, membros da diáspora africana e do Corpo Diplomático em volta do tema “Mulheres e Direitos humanos”. É que a UA decidiu este ano focar as reflexões sobre os direitos humanos, de modo particular os direitos da mulher.

Para Merhet Tewolde, membro da Associação “Le Reseau” (A Rede) que organizou o evento, é antes de mais uma alegria que, pelo segundo ano consecutivo, o Corpo Diplomático Africano junto do Estado italiano, tenha honrado a Diáspora do continente, aceitando colaborar com ela num evento comemorativo do Dia da África.

Diversos diplomatas, a começar pelo Decano (o Embaixador da Rep. do Congo) estavam de facto na plateia, atentos a ouvir as comunicações de membros da Diáspora africana em Roma, entre os quais a Advogada Argelina, Sekkal Nawel, a médica ginecologista, Susanne Diku, natural da República Democrática do Congo e que trabalha na Medicina das Migrações, tendo estado a assistir  migrantes que chegam à ilha de Lampedusa; e Kadidja Ali Muhamud, originária da Somália, especialista em saúde pública.

Na sua intervenção, Susanne Diku pôs em realce as violências que as migrantes sofrem já nos países de origem e depois no percurso da emigração. Sublinhou também que, embora se tenham feito progressos em termos de escolarização em África, resta ainda muito por fazer não só no sentido da instrução, mas também da educação aos cuidados pessoais e exortou os políticos a investirem nestes aspectos e a não ficarem apenas pela assinatura de protocolos.

Por seu lado Kadidja Ali Mohamud, que trabalha em investigação e saúde pública e, neste âmbito, vai muitas vezes à África, pintou um quadro bastante cinzento do continente africano em termos de saúde pública e do primado da África subsaariana no que toca à mortalidade materna, dizendo que falta uma atenção metódica à construção da identidade civil das pessoas, o que não facilita a questão da saúde publica:

O problema da saúde pública é muito ligado à população. Se não há informações sobre a população ou se essas informações não são fiáveis, é difícil fazer prevenção em termos de saúde pública. Eu trabalho num centro de investigação sobre população, saúde e informação territorial e o que fazemos é procurar criar uma ligação entre tudo isto e o ambiente em que vivem as pessoas: a sua idade, o trabalho e todos os aspectos ligados à saúde. Portanto, a saúde não é só não ter doenças, é também o bem-estar do ambiente onde se vive. Se uma pessoa tem fome, não tem água, não tem uma casa decente, um lugar adequado para dar à luz, não tem saúde. Entã, há que criar instituições africanas legais para dar às pessoas a possibilidade de existir desde o nascimento, porque não se trata só de crianças não registadas que são muitas em África, mas há também muitos adultos que nunca foram registados. Ninguém sabe ao certo o número de pessoas que há em determinados países e que direitos podem ter. Mas para se fazer um programa sobre a pobreza, por exemplo, é preciso saber quem são, fisicamente, os pobres. Não se pode ficar por estimativas. É preciso ter um serviço de registo civil: nascimento, morte, matrimónio, mudança de endereço… tudo isto deve ser feito legalmente. É claro que há países em que isto funciona melhor e noutros nem por isso. Mas o problema é que não funciona em muitos países da África. Há que aprender daqueles que já resolveram estes problemas. E para isso, é necessário recursos, conhecimentos e, sobretudo, decisão politica.

Com o quadro bastante negro apresentado pela Drª Kadidja na sua comunicação não concordou a Embaixadora da Costa do Marfim, Janine Tagliante-Saracino. Médica de formação, ela indicou diversos âmbitos da saúde em que a África tem registado – disse -  algum progresso, como a diminuição da prevalência da SIDA, a debelação da oncocercose ou cegueira dos rios; meningite, etc. Ela considera, portanto, que se está a caminhar e que é preciso ver as coisas com um pouco mais de objectividade.

Instada a reagir, a Drª Kadidja disse não ver nisto uma contradição àquilo que ela tinha afirmado antes:

Acho que a Embaixadora não me contradisse. A questão é que, como sublinhei, os países são vários, a África é um continente, não é um país. Há países que já deram início a esse processo. Trata-se de um processo que deve ter continuidade ao longo dos tempos. O quadro gráfico que apresentei não fui eu que o fiz. Foi feito pela OMS, pelo UNICEF, pela Banca Mundial, pela sector de estatísticas da ONU e, confrontando dados de 1990 a 2013 sobre a mortalidade materna no mundo inteiro, indicam que 62% das mortes maternas dizem respeito à África subsaariana, isto significa alguma, não é?”

Cecília de Sena Monteiro, guineense-caboverdiana, desde há anos activa no movimento associativo em Roma, advertiu esta diferente visão das coisas entre o Corpo Diplomático e os membros da Diáspora como um dos principais frutos do encontro:

De entre os diplomatas presentes estava a Ministra Conselheira da Embaixada de Angola, Dulce Gomes. Para além de achar que é necessário criar uma ponte entre o Corpo Diplomático e a Diáspora, ela considera que o encontro sobre “Mulher e Direitos Humanos”  foi uma grande oportunidade para se ouvir a voz feminina:

Reforçar a vontade política para garantir uma vida melhor a homens e mulheres, porque a África não pode continuar a delegar aos outros aquilo que é seu dever, frisou a médica Kadidja Mohamud, citando o caso específico da mortalidade materna:

Não podemos continuar, nós africanos, a delegar aos outros a diminuição da mortalidade materna. Isto deve ser uma questão africana, uma questão de dignidade africana, de mulheres e de homens. Os homens devem proteger as suas esposas, as suas mães, as suas irmãs, filhas… Não é, portanto, uma questão feminina isto: é questão de que devemos começar a pensar: se eu quero diminuir a mortalidade materna de 500 mil para mil e quinhentos nos próximos cinco anos, o que devo fazer, de que é que preciso, quem pode fazer isto, por onde devo começar; que países da África são mais promissores nisso e que podem tomar as rédeas e ensinar aos outros o que fazer?” .

(DA) 

 

 








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