2016-04-12 10:05:00

P. Spadaro: “Amoris laetitia”, a doutrina é radicalmente pastoral


Na última edição da revista 'La Civiltà Cattolica', seu Diretor, o Padre Antonio Spadaro, ilustra o significado e a estrutura da Exortação Apostólica Amoris Laetitia do Papa Francisco, publicada na sexta-feira, 8, como fruto dos dois Sínodos sobre a família. O documento, segundo descrito, vai de encontro à experiência quotidiana e é capaz de superar visões abstratas da família. Eis o que disse a este respeito  o sacerdote jesuíta à Rádio Vaticano:

“Esta é uma Exortação que qualquer pessoa pode ler, não é reservada aos  entendidos no tema. Portanto, eu diria que o respiro é absolutamente amplo e permeado de experiência. Sobretudo é importante a insistência do Papa para se evitar toda forma de inútil abstração idealística, que muitas vezes permeou a linguagem teológica. Amoris Laetitia pretende reiterar com força não o ideal abstrato da família, mas a sua realidade rica e complexa. Existe uma abordagem absolutamente positiva em relação à realidade, acolhedora, cordial”.

RV: Podemos dizer, então, tratar-se de um documento que afirma como teologicamente não existam verdades abstratas....

“O Papa afirma que existe uma doutrina cristã, cujo significado deve ser radicalmente pastoral. No fundo, isto me parece o coração, o motor da Exortação Apostólica, ou seja, a doutrina é radicalmente pastoral, serve – como diz o Direito Canônico – para a salus animarum, isto é, a salvação das almas, das pessoas. Se não existe isto, a doutrina torna-se um conjunto de pedras inúteis”.

RV: Parece bastante claro que uma das palavras-chave deste documento seja o discernimento. Mas que significado assume no coração da Amoris Laetitia?

“O discernimento significa – na perspectiva inaciana – sobretudo buscar e encontrar Deus na própria vida. Portanto é claro que existe uma forte referência à doutrina evangélica, que porém, depois, se encarna na minha vida concreta, portanto, na minha liberdade, na minha consciência, nos meus limites. Portanto o Papa concentra a sua atenção sobre este diálogo entre o homem e Deus e sobre como a verdade evangélica pode ganhar forma dentro de uma vida humana”.

RV: Isto não significa que exista uma verdade, mas depois, na prática se pode fazer rasgos na regra?

“Uma vez o Papa disse, escandalizando um pouco, que a verdade é relativa. O que ele quis dizer? Não que a verdade não seja absoluta, mas que é relativa às pessoas, ou seja, se não existe o ser humano, a verdade evangélica permanece sozinha, isolada, inútil. Portanto, o discernimento consiste em compreender, como a verdade evangélica se encarna concretamente na minha existência, na minha pessoa”.

RV: Sobre a situação das famílias feridas, aquelas situações consideradas “irregulares”, como diz o Papa Francisco, o documento sublinha a importância de não colocar limites à integração....

“O Papa sempre insistiu sobre a necessidade de integrar também aqueles que não estão em grau de viver na plenitude da vida cristã. E a Igreja mãe, a Igreja misericordiosa, é exatamente isto: uma Igreja que acolhe os seus filhos. Isto significa que uma norma canônica não pode ser aplicada sempre, contudo, em todos os casos, em qualquer situação, precisamente porque existe a consciência. Portanto, às vezes se está em uma situação de pecado objetivo – diríamos - onde, porém, não existe uma consciência objetiva. Assim, um juízo objetivo sobre uma situação subjetiva, não implica um juízo sobre a consciência da pessoa envolvida. Esta é uma passagem muito importante porque salienta a consciência e porque não coloca mais um limite à integração, nem mesmo à sacramental”.

RV: Neste texto, o Papa repete uma afirmação central da Evangelii Gaudium: “O tempo é superior ao espaço”. No âmbito da pastoral familiar, o que significa?

“A vida familiar é um processo de amadurecimento que requer tempo e que se desenvolve no tempo. É muito bonita a imagem deste processo que tem início na liberdade. O Papa fala seguidamente de amadurecimento, fala de crescimento, de cultivo da autêntica autonomia. Portanto a Igreja não deve ser, como toda boa mãe, muito obsessiva em relação aos seus filhos, como se devesse ser espacialmente presente sempre e em todo lugar ao lado do filho. O importante é que exista uma intencionalidade e uma proximidade de coração, que exista uma sintonia que valorize: o crescimento e a liberdade das pessoas".

RV: A atenção da opinião pública, da imprensa, era particularmente dirigida em ver o que diria o Papa sobre a questão da possibilidade de acesso aos Sacramentos para os divorciados e recasados. Qual a resposta que este documento dá a esta questão?

“Provavelmente a pergunta se os divorciados e recasados podem ter acesso ou não aos Sacramentos, não faz mais sentido, porque faz referência à ideia de uma norma geral aplicável a todos os casos, portanto, positiva ou negativa. O Papa desmonta esta lógica e afirma a importância do discernimento diante de situações que são muito diferentes. Assim, antes de tudo, afirma com grande clareza que somos chamados a formar as consciências e não ter a pretensão de substituí-las. Portanto, dá grande valor à consciência que depois deve ser confrontada com os pastores. É na conversa com eles que se compreende qual é a situação efetiva que as pessoas estão vivendo, qual é o grau de responsabilidade e se pode entender assim se este acesso é possível ou não”.

RV: Com o texto, conclui-se o percurso sinodal sobre a família. Mas, abre-se algum outro?

“Eu não estaria assim tão seguro de que este texto conclua alguma coisa. Eu considero que os textos do Papa Francisco nunca fecham nada. Mesmo sendo uma etapa muito importante a nível magisterial, de alto perfil, dentro do percurso sinodal que foi aberto poucos meses após a eleição do Papa Francisco, mas que certamente continuará com o aprofundamento”.

(JE)








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