Padre Marcial Maçaneiro ilustra tema do encontro na PUC/PR


Curitiba (RV) – Realizar-se-á, de 11 a 13 próximos, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, no âmbito “Átrio dos Gentios”, um encontro sobre o tema: “Deus, Cosmos, Humanidade: um diálogo de fronteiras”.

Entre os vários conferencistas destaca-se a participação especial do Cardeal italiano, Dom Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho da Cultura, e do Professor Padre Marcial Maçaneiro, consultor Teológico do Instituto “Ciência e Fé”, promotor do evento.

Numa perspectiva de diálogo de saberes, valorizando a honestidade intelectual de crentes e não-crentes, este encontro quer aproximar três temas fronteiriços – Deus, Cosmos, Humanidade – pontuando distinções e convergências, em colóquio aberto. Este diálogo exercita o conhecimento interdisciplinar e se faz propositivo para um projeto de cultura respeitoso da diversidade e da dignidade humanas, num contexto de revisão da relação do ser humano com a natureza.

Em vista destes dois dias de encontro, o Padre Marcial Maçaneiro propõe aqui, a título de sugestão, algumas reflexões para ilustrar a temática do evento: “Deus, Cosmos, Humanidade: um diálogo de fronteiras”.

Deus

A questão de Deus, em sentido amplo, tem suscitado a reflexão não só teológica (desde a admissão de sua existência), mas filosófica e científica, desde séculos. Distinguem-se diferentes concepções da divindade, das expressões mais panteístas até o Deus pessoal da tradição abraâmica, representada pelo Judaísmo, Cristianismo e Islã. Abrem-se muitas interrogações sobre os modos de ser de Deus, sua ação no Cosmos e sua relação com a humanidade. Em sentido estrito, o Deus da Aliança proclamado por Jesus de Nazaré tem provocado muitas leituras e releituras das fontes clássicas do Judaísmo e do Cristianismo, como vemos na produção cultural do Ocidente. A própria comunidade crente, aplicando métodos histórico-críticos aos textos sacros e à revisão histórica, distingue o ser e o agir de Deus das expressões (cultuais, morais e conceituais) daqueles que O professam. Se de um lado o comportamento religioso tem resvalado em formas várias de particularismo e violência, por outro lado, o Deus da Aliança – reconhecido e proposto como Pai Misericordioso por Jesus – afirma-se como amor radical, a quem importam o mundo e os humanos. Os eventos dramáticos do êxodo, da aliança, da reivindicação da justiça e do zelo pelos pobres, órfãos e viúvas são retomados no Novo Testamento, compondo o patrimônio ético e social do pensamento cristão: voltar a tais fontes é criticar, desde dentro, a própria religião cristã, num esforço de fidelidade aos elementos originários do amor, da justiça e da paz propostos no Evangelho. Por tal viés aproximam-se crentes e não-crentes decididos a construir uma sociedade justa, inclusiva e solidária. Em campo ético e humanitário se encontram quem crê e quem não crê, na promoção conjunta da justiça, da paz e do cuidado ambiental. Isto, porém, não resolve o debate em nível de princípios (filosóficos ou ontológicos) sobre a existência de Deus e sua relevância para o cosmos e a humanidade. Seria Deus um mistério apenas vislumbrado pelas tradições religiosas, de fato existente, mas impossível de apreensão pela razão humana? Seria Deus um corolário ideal da própria evolução humana, que se projeta na livre e infinita divindade? Há quem reivindique um Deus liberto das linguagens e noções que o tentam expressar, afirmando-o como Mistério. O próprio cosmos seria um dizer-se dele, uma narrativa de seu ser inaferrável. Outros entendem que tanto ciência quanto religião seriam vias para acessá-Lo, cada qual com sua episteme. Isto tem suscitado diferentes reações, muitas vezes num quadro extremo, que vai do desprezo mútuo entre ciência e religião, até os ensaios de diálogo e colaboração entre as mesmas. Em muitos casos, cientistas se declaram crentes; enquanto crentes reconhecem a autonomia das realidades terrenas como a ciência, o direito e a arte. Neste caso, uns e outros opinam ser possível o diálogo e o compromisso conjunto da ciência e da religião pelo bem comum e a promoção da vida.

Cosmos

O Cosmos, em toda a sua complexidade, é um dado evidente, ainda que não inteiramente compreendido pela razão humana. Mesmo despido de ideologias e tematizações razoáveis, ele se mostra duradouro, imenso, dinâmico e envolvente. Encanta a crentes e não-crentes, em quem desperta admiração, temor e curiosidade, ora como mistério inatingível, ora como terreno a explorar. De modo semelhante, cientistas e teólogos reconhecem o quanto cosmos e humanidade se imbricam, mesmo nos níveis básicos da biologia e da corporeidade. A clássica interação entre microcosmos (humanidade) e macrocosmo (universo) reaparece em nuances novas, quando se fala de holística, epistemologia complexa e ecologia integral. De um lado, cientistas admitem o incógnito como possibilidade de novas descobertas; de outro, teólogos se aproximam de categorias cosmológicas para interpretar as narrativas bíblicas da Criação, repletas de símbolos e emblemas. Além da factualidade do universo em expansão, crentes e não-crentes indagam sobre seu sentido e seu propósito: duração da existência no espaço e no tempo, porque a vida é um fato e quer perdurar; manifestação de beleza que circunda o pequenino ser humano; horizonte de transcendência que aponta continuamente para o futuro; jogo complexo do tempo e do espaço, atravessado por invisíveis ondas… A reflexão de Galileu a Einstein ecoam nos ensaios de Teilhard de Chardin e de Alfred N. Whitehead. Muitos opinam que não será necessário abandonar a ciência para encartar-se com o mistério do cosmos; também não será necessário abandonar a fé para mergulhar na investigação astronômica. Uns e outros avançam em indagações e rascunhos de respostas, das teorias mais sólidas às teses ainda em construção (como a teoria das cordas, a proposta da matéria escura e a busca pelo bóson). Em atenção à Terra – casa de todos – essas teorias são urgidas pela crise ecológica que mata as espécies, fere o presente e destrói o futuro. Crentes e não-crentes se sentem premidos pela extinção das espécies, escassez de água potável, mudança climática, crise energética e ambiental. Do lado da ciência e da fé, vozes se elevam, se cruzam e se conectam para alertar, reciclar, educar, preservar, conservar e prospectar soluções ecológicas. Cientistas se aproximam da religião para ler seus desenhos de mundo e seus antigos saberes naturais; teólogos se iniciam em cosmologia, física, biologia e mecânica para amadurecer sua percepção e sua linguagem, na busca do sentido profundo dos textos sacros sobre a Criação. Uns e outros são guiados por honestidade intelectual, amor à vida, disposição em servir à humanidade e apelo moral em defender o planeta com seu conhecimento.

Humanidade

Sem desprezar a Deus, sumo e máximo Ser de adoração, a religião se preocupa com a humanidade: olha para o céu, para bem caminhar na terra; contempla as estrelas para navegar com segurança; segue o curso da lua para plantar e colher com gratidão. Sim, é do cenário da natureza que desponta o sagrado, como lampejo do Deus Escondido em todas as coisas. A noção judaica da pessoa humana como imagem e semelhança de Deus não esconde alguma pretensão desmedida (como se poderia pensar), mas é afirmação da dignidade própria do ser humano, conecto mas distinto dos demais seres. No centro desta ciranda de astros e estações está o ser humano, inteiro, ao mesmo tempo filho da terra e filho do céu. De modo semelhante, a mais alta teoria ou abstração conceitual da ciência se vê interpelada pelas urgências humanas: saúde, alimentação, ocupação do espaço, segurança, desenvolvimento. Deste modo, nem a religião nem a ciência pretendem-se progredir desvinculadas do ser humano, tanto individual quanto socialmente admitido. Uma e outra convergem na afirmação da vida humana, na busca de soluções, no compromisso com a justiça e o acesso aos bens. A diversidade de cosmovisões, de valorações morais e de perspectivas históricas verificadas na ciência e na religião (especialmente desde a Primeira Modernidade) pode causar polêmicas e disputas, mas é também oportunidade de se descobrir novas aproximações e convergências no serviço à vida humana. Neste sentido, perduram os desafios da saúde, da nutrição, do desenvolvimento das infâncias, da qualidade de vida em geral, ao lado de novas necessidades emergentes, sobretudo em campo social e ecológico. Como muitos têm advertido, tanto ciência quanto religião podem contribuir ao desenvolvimento integral do ser humano, enredado numa teia de relações com seus pares e as demais espécies. Na opção pelo humano convergem cientistas e teólogos, crentes e não-crentes. (MT-PUC/PR)








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