2016-04-08 17:27:00

Cardeal Schoenborn sobre: "Amoris Laetitia"


O cardeal arcebispo de Viena Christoph Schoenborn, durante a apresentação da Exortação apostólica do Papa Francisco “Amoris Laetitia” na Sala de imprensa, debruçou-se sobre as palavras-chave do documento: amor, acompanhamento e discernimento.  

R.  A palavra-chave é amor: Amoris Laetitia.  É significativo que o Papa não fale da  caridade, mas do amor.  Toda a plenitude dos sentimentos, das atitudes no casal e na família,  de facto toda esta riqueza  encontra-se no centro. Eu diria que  este documento é, antes de mais,  um grande hino  ao amor familiar e no centro do texto, geograficamente no centro,  mas também espiritualmente  no centro encontra-se o IV capítulo. Sei que todos vão ler  o VIII capítulo onde  são tratadas as questões difíceis, controversas, mas o IV capítulo  é, verdadeiramente,  o coração do texto, porque é uma longa  meditação sobre o Hino de São Paulo,  no XIII capítulo da  Primeira CARTA aos Coríntios, sobre a caridade e sobre  o amor.  E isto é o núcleo. São João diz: “ acreditámos  no amor”. O Papa Francisco crê no amor, na força atraente do amor, e por isso pode ser bastante desconfiado , crítico, relativamente à atitude de quem quer  regular tudo com normas,  de quem pensa que  basta  ficar amarrados à norma. Não, diz o Papa:  “isso não atrai; o que atrai é o amor”. E  é isso, para mim, enquanto dominicano, é a posição clássica de São Tomás de Aquino. Eu espero que, depois da publicação do documento,  se faça um estudo  para mostrar  quanto é que este documento  seja  em linha com o grande São Tomás de Aquino. É  o autor mais citado em todo o documento  entre os teólogos, os mestres, os Padres  da Igreja.  E a profunda convicção de São Tomás é que somente o bem nos atrai. A orientação através da atracção do bem, da felicidade. E este ideal da família cristã no agir humano  faz-se através da atracção do bem, da felicidade. E este ideal da família cristã, do casal, não é um ideal abstracto, é o profundo desejo do homem. Mas esta meta, esta finalidade,  consegue-se passo por passo, aos poucos. E por isso a outra palavra chave do documento é “acompanhamento”:  o acompanhamento que fazem os pais com os seus filhos, que fazem os pastores com os fiéis, que faz o Papa com a Igreja. Acompanhamento  numa estrada em que estão todos. E eu, que venho de  uma  família muito ferida, de uma dita “patchwork family”,  sofri, quando jovem,  desta quase separação que se faz muitas vezes na Igreja:  aqui estão aqueles  “em ordem”, que se comportam bem, e aqui estão os outros que são irregulares: os bons, aqueles em rega, e os outros que são um problema. O Papa Francisco,  na linha de Jesus, da Bíblia e do Novo Testamento,  mostra-nos  que todos nós estamos em caminho, todos sem excepção. Também aqueles  que  têm a sorte  de viver numa situação  de paz familiar, serena, na fé e que caminham bem, também eles têm necessidade de se converter, também eles têm necessidade de misericórdia e, portanto, acompanhar é a palavra chave para os pastores, para as comunidades cristãs. É importante, porque o papa convida  as comunidades a esse acompanhamento. E ainda a terceira e última palavra-chave, depois do amor e do acompanhamento, é o discernimento. “Discernimento” é muito inaciano. O Papa  é Jesuita e formado pelos exercícios de Santo Inácio.  O discernimento é  aquilo que cada um de nós deve fazer:  o que Deus quer de mim na vida quotidiana, nas grandes escolhas  da vida, etc.   Discernimento  também nas situações difíceis. E aqui há um ponto que se deve fortemente sublinhar: isto está em continuidade  com São João Paulo II,  porque este documento baseia-se, em grande parte,  na “Familiaris Consortio”. Devemos mostrar,  em detalhe,  tudo o que  esteja na linha da “Familiaris Consortio”.  São João Paulo II dizia: os pastores,  por amor da verdade, são obrigados a discernir  as situações. E depois enumera três diversas situações de ruptura do matrimónio, mas são muito diversas.  O que é que isso quer dizer? O Papa Francisco  mostra-nos que esse discernimento necessita também de um acompanhamento diverso: não faz uma casuística  do acompanhamento, mas, antes, uma escola da atitude do pastor e da comunidade, que acompanham com um olhar atento à realidade – o Papa  di-lo várias vezes  no documento – as situações como são, as famílias como são: um acompanhamento variegado.  E  numa pequena nota acrescenta que  essa ajuda da Igreja pode ser, em certos casos, também com os sacramentos; não diz mais do que isso.  Talvez alguns dirão: “Não basta”. Ele diz: “Fazei um bom discernimento”.

D. Este documento tem na sua opinião, também uma nova linguagem?

R.  Eu diria que  este documento  é um “evento de língua”,   como já o foi  a “Evangelii Gaudium”.  É um “evento”, uma frescura, uma imediação de linguagem, que interpela, porque às vezes devemos admitir – humildemente! – que os nossos documentos eclesiásticos não são tão  legíveis… Sente-se que o Papa é um homem que  ensinou a literatura, que ama os poetas,  os escritores. Há uma linguagem  com um sabor de vida, de frescura, de imagens. E fala das realidades da vida com uma vizinhança à gente,  que se sente: sente-se que é um homem  que esteve muito perto da gente.  Mas não se deve esquecer, também aqui, a continuidade: lendo todo o quarto e o quinto capítulo, penso nas catequeses de São João Paulo II sobre a teologia do corpo, mas é muito mais  amplo: antes de mais, a vida do casal. O papa Francisco  está, a meu ver, em forte continuidade com  esta abordagem muito concreta,  viva, da realidade quotidiana. Talvez ele inclui  um pouco  mais daquilo que ele chama de  “família alargada”; fala dos avôs dos tios, dos primos: de toda esta riqueza do ambiente familiar que talvez, um pouco faltou nos documentos eclesiásticos sobre a família. 








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