Noite de alegria verdadeira


Rio de Janeiro (RV) - A Vigília Pascal nos faz celebrar o centro da nossa fé católica: Jesus ressuscitou verdadeiramente, aleluia, aleluia! Basta citar os textos da liturgia e de alguns escritores que, abundantemente, temos uma bela reflexão pascal. A estrutura teológica da Vigília Pascal vai sendo desenvolvida no decorrer da celebração: memória-presença-expectativa não muda, mas se enriquece com a “realidade”, que é Cristo, o Crucificado-Ressuscitado: “ele é a Páscoa da nossa salvação”. A Vigília Pascal celebra toda a economia salvífica, numa visão unitária e contínua desde a criação até a parusia. A celebração da Vigília mostra a expressão concreta mais emblemática da fé da Igreja na unidade dos dois Testamentos e na relação intrínseca entre palavra que anuncia e sacramento que atua a obra da salvação.

A memória-presença do mistério de Cristo, que vence a morte com a própria ressurreição, torna-se, conforme a exortação evangélica, expectativa: “estejam com os rins cingidos e lâmpadas acesas. Sejam como homens que estão esperando o seu Senhor voltar da festa de casamento: tão logo ele chega e bate, eles imediatamente vão abrir a porta” (Lc 12,35-36). Este retorno do esposo está previsto para acontecer no coração da noite (Mt 25,6).

Desde o século II, o conteúdo litúrgico e teológico da Páscoa é de caráter comemorativo. Isto é, “nela a comunidade faz memória e revive o evento salvífico da morte-ressurreição de Cristo, e o faz em clima de expectativa, de tensão escatológica. É exatamente a Vigília Pascal, com o seu intrínseco significado simbólico, que garante, de certa maneira, a manutenção desse equilíbrio entre comemoração e expectativa”.
    
Num admirável sermão para a noite de Páscoa, Santo Agostinho resumiu toda a antiga tradição bíblica e patrística sobre a Vigília memória-expectativa: “irmãos caríssimos, velando nesta noite em recordação da sepultura do Senhor, nós velamos no tempo em que Ele, por assim dizer, adormeceu. De fato, anunciando muito antes, por meio do profeta, a sua paixão, ele disse: ‘Eu adormeci e despertei, porque o Senhor me acolheu’. Ele chama o seu Pai de Senhor. Portanto, na noite em que Ele adormeceu, nós velamos a fim de que, pela morte que sofreu, nós vivamos. No tempo do seu momentâneo adormecer, nós celebramos uma vigília, a fim de que, velando Ele por nós, possamos, na ressurreição, preservar incansavelmente numa vigília eterna. Contudo, nesta noite, Ele também ressuscitou, e é na expectativa desta ressurreição que nós velamos”. (Santo Agostinho, Tract. In Joaan. 55, 1 PL35,1784).
    
Desta realidade viva e atual brota a alegria pascal: “quanta alegria, irmãos! Alegria em encontrar-vos reunidos; alegria na esperança da vida futura. Se a esperança dá tanta alegria, como será a posse? Nestes dias, ao ouvir o ecoar do Aleluia, o nosso espírito como que se transfigura. Não nos parece saborear um não sei que daquela cidade suprema”?
    
Portanto, o sentido mais verdadeiro da Vigília é este: nós já estamos vivendo a Páscoa que celebramos no rito: celebramo-la para que se realize sempre mais profundamente em nós, na expectativa da Páscoa eterna. “Cristo é a nossa Páscoa” (1Cor 5,7), “a noite vai avançada, e o dia está próximo. Deixemos, portanto, as obras das trevas e vistamos as armas da luz. Vistam-se do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,12-14).
     
“Vede: hoje, nesta Noite, quando tudo era trevas, Deus disse: “Faça-se a luz”! e a luz se fez (cf. Gn 1,3)! Hoje, quando Isaac estava para entrar na noite da morte, pois nosso Pai Abraão tinha decidido sacrificá-lo a Deus, a luz brilhou e o Senhor disse: “Abraão, não estendas a mão contra o teu filho”! E Isaac viu a luz da vida (cf. Gn 22,12)! Ainda hoje, nesta Noite, Deus, com braço estendido, fez o seu povo atravessar o Mar Vermelho e deixar a escravidão de Faraó, no Egito (cf. Ex 14,1-31). Foi também hoje, nesta noite bendita – nesta mesma Noite! –, que o Pai derramou seu Espírito Santo sobre o nosso Jesus que estava morto e O arrancou das trevas da morte, fazendo-O passar para a luz da plenitude da vida. Finalmente, numa noite como esta, num hoje como hoje, no meio da noite deste mundo, em plena escuridão da história, o Pai enviará o Cristo ressuscitado, pleno de glória, e brilhará, no meio da noite deste mundo, o Dia eterno, da glória eterna, na plenitude do Reino! E já não haverá mais noite e o Cordeiro imolado e ressuscitado será nosso sol, nosso dia eterno (cf. Ap 22,5)!
    
“Esta Noite é santa! Toda lágrima, nela, é enxugada; todo pecado, nela, é perdoado; toda morte, nela, é vencida! Nosso Jesus ressuscitou, nosso Jesus foi constituído Senhor, nosso Jesus abriu-nos um caminho novo; nosso Jesus deu-nos um novo rumo na vida, uma nova esperança, uma invencível certeza! Nesta Noite, a Morte perdeu a guerra, nesta Noite, o Filho de Deus, na sua humanidade igual à nossa, venceu a Morte, arrombou o pântano infernal e abriu-nos o caminho para o Pai! Esta é a Noite mais feliz da história humana: é a Noite da Páscoa; Páscoa de Cristo, nossa Páscoa”! “Eis agora a Páscoa, nossa festa, em que o real Cordeiro se imolou: marcando nossas portas, nossas almas, com seu divino sangue nos salvou! Ó Noite de alegria verdadeira, que prostra o Faraó e ergue os hebreus, que une de novo ao céu a terra inteira, pondo na treva humana a luz de Deus”.

Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ








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