Pe Lombardi: para o Papa, o Ano da Misericórdia começou na África


Cidade do Vaticano (RV) – Uma viagem memorável que levou coragem e esperança ao continente africano. Um dia após o retorno do Papa Francisco ao Vaticano, a Rádio Vaticano pediu ao seu Diretor, Padre Federico Lombardi, para fazer um balanço da visita Do Pontífice ao Quênia, Uganda e República Centro Africana.

RV: Pela primeira vez o Papa Francisco visitou a África. Na realidade, pela primeira vez Jorge Mario Bergoglio visitou a África. Quando se olha para as imagens da visita, percebe-se como o Santo Padre estivava à vontade em todas as situações. Quais as suas impressões, ao acompanhar a visita?

“É verdade, o Papa estava perfeitamente à vontade e eu diria que os africanos também estavam perfeitamente à vontade ao encontrar e receber o Papa. Havia o desejo muito grande de ambas as partes que se encontrarem. O Papa fala sempre do encontro. Foi um belo encontro entre o Papa e a África! Naturalmente a África, para todos nós e para a realidade do mundo de hoje, é um pouco uma periferia do ponto de vista do poder no mundo de hoje, e portanto o Papa considerava de modo todo particular ir à África e também em um país como a República Centro Africana, que está entre os mais conflituosos da África de hoje, para demonstrar a sua atenção a todo este continente e ao países que sofrem por diversos aspectos da pobreza, da doença, da marginalização, das dificuldades em encontrar o seu caminho para o futuro, na plena dignidade da pessoa”.

RV: Nos três países visitados, o Papa seguidamente deixava de lado o texto preparado e falava de improviso, até o ponto de dialogar com os presentes, sobretudo os jovens. A resposta das pessoas foi excepcional....

“Sim, isto já havíamos entendido desde o início do pontificado que este é o seu modo de comunicar. Ele ama muito este modo espontâneo, este modo dialógico, este modo envolvente, fazendo também responder e falar às pessoas presentes, de modo tal que elas sintam que são parte ativa de um processo de diálogo e de compromisso. Isto já havia acontecido também na Ásia. Eu havia ficado muito tocado pelo fato de que precisamente na primeira viagem à Ásia, em que o Papa estava, portanto, em uma cultura extremamente diferente e com dificuldades no uso da língua dos presentes, e portanto com a necessidade de um tradutor, porém este modo de comunicar havia funcionado perfeitamente. Portanto, se vê que o carisma de comunicação espontânea, de gesto e de expressão total que o Papa tem, consegue superar também as diferenças linguísticas. Isto, se funcionou na Ásia, funcionou também, e perfeitamente, na África, onde, evidentemente, víamos também na disponibilidade dos jovens, no seu entusiasmo em serem envolvidos. As ocasiões clássicas em que o Papa prefere o caminho do diálogo são nos encontros com os jovens e também nos encontros com o clero e os religiosos, ou seja, quando se encontra diante de um público com o qual se sente mais espontaneamente levado a estar em diálogo”.

RV: Havia uma grande expectativa pela abertura da Porta Santa da Catedral de Bangui. Este gesto permanecerá entre as pedras militares do Pontificado do Papa Francisco....

“É verdade. Aqui eu acredito que todos fizemos uma reflexão e nos perguntamos que significado poderia ter esta abertura antecipada em relação àquela anunciada há tanto tempo, em 8 de dezembro, que é a oficial abertura do Ano da Misericórdia no mundo inteiro. E portanto, havíamos pensado um pouco: eis que é uma exceção pelas pessoas particularmente em dificuldade, que depois têm tanta dificuldade em deslocarem-se ou em participarem de tantos eventos mundiais, portanto um ato de atenção local. Mas depois o Papa, antes da abertura da Porta Santa disse: “Esta é a capital espiritual do mundo, nesta tarde”, portanto ele mesmo deu a este gesto um significado bem mais amplo do que simplesmente local, mas realmente universal. Em certo sentido, acredito que devemos dizer: o Ano da Misericórdia, para quem acompanhou esta viagem, entendemos muito bem que para o Papa estava sendo aberto alí. Assim, o Papa que vai às periferias, que diz que a atenção deve estar na periferia da Igreja, nos pobres, nas pessoas que sofrem e assim por diante, quis abrir o Ano da Misericórdia em uma situação “de periferia”, para dar-lhe realmente o seu significado de amor de Deus que se manifesta também com uma atenção privilegiada pelos pobres e por quem sofre. Isto não tira em nada a importância da cerimônia do 8 de dezembro e das aberturas em todas as partes do mundo, que estão evidentemente na perspectiva deste Ano da Misericórdia que é universal, que está difundida em todo o mundo, por que? Porque a misericórdia de Deus pode ser encontrada em todos os lugares. Porém, no início, a primeira maneira com que o Papa quis dar este anúncio, foi ali. E gostaria de acrescentar uma outra coisa. Após a abertura da Porta e o início da Vigília, o Papa confessou cinco jovens. Esta era uma Vigília difícil, porque na noite em Bangui, com todos os problemas que existem, não é que fosse muito fácil para os jovens ir até lá e participar! Portanto, para quem olhava de fora, parecia uma Vigília às vezes também não de grandes massas... Porém, mais tarde, de manhã, eu falava com o bispo e com outros sacerdotes e estavam todos entusiasmados e muito contentes porque diziam que as confissões dos jovens foram numerosíssimas, durante toda a Vigília e de noite, depois que o Papa havia começado. Isto quer dizer que entenderam perfeitamente de que coisa se trata. Portanto, o Ano da Misericórdia é ir encontrar a Misericórdia de Deus também por meio do Sacramento da Confissão, e isto os centro-africanos, os jovens, entenderam muito bem. Me parece que existe uma mensagem que devemos receber também nós. O Papa não somente abriu simbolicamente uma porta, mas também celebrou o Sacramento da Reconciliação. Deveríamos aprender dos centro-africanos o que é o Jubileu, pensando em todas as discussões que estamos fazendo também aqui em Roma, do ponto de vista logístico, econômico, de segurança, etc, e dizer: Ah, entendemos: é a Misericórdia de Deus que se manifesta e devemos ir recebê-la nos Sacramentos e espiritualmente”.

RV: Permaneçamos neste ponto. Antes da viagem não faltou quem desaconselhasse o Papa a ir até a República Centro Africana por motivos de segurança. Com a visita, Francisco deu um grande testemunho de coragem que dará também esperança, coragem à população centro-africana, certo?

“Certíssimo. Acredito que todos aqueles que se manifestaram, a partir da Presidente de transição, expressaram a sua gratidão ao Papa por ter ido “mesmo assim”, mesmo sabendo muito bem que houve tantíssimas tentativas, mesmo muito fortes, para demovê-lo de ir até lá, por parte de forças autorizadas do mundo de hoje. E o Papa foi mesmo assim, demonstrando uma total determinação, não deixando-se nunca colocar na incerteza sobre isto, e esta foi a mensagem – uma parte essencial da mensagem – que o Papa levou: “Eu vou, vou e quero ir até vocês justamente porque estão em dificuldades, e estou convosco para encorajar-vos a encontrar o caminho para o futuro”. Este aspecto, portanto, também de coragem em relação à temática da segurança, é um aspecto evidente desta presença na República Centro Africana. Me permito de fazer presente de que nisto, o Papa Francisco colocou-se em continuidade com uma tradição também de seus predecessores, porque quem tem um pouco de memória, recorda bem que também em diversos casos os seus predecessores tiveram que decidir ir, mesmo em situações difíceis, demonstrando uma notável coragem e resistindo às pressões contrárias. A última viagem de Bento XVI, que ainda está bastante próxima no tempo, aquela ao Líbano – para quem se recorda – realizou-se em uma situação de Oriente Médio pegando fogo, de atentados e conflitos no norte do Líbano. Portanto, era também uma situação em que a decisão do Papa de ir era apreciada como um grande ato de coragem e uma grande mensagem de paz. E quem tem uma memória ainda melhor e se lembra de João Paulo II, sabe que também João Paulo II não tinha necessidade que lhe ensinassem sobre a coragem, e também ele viajou em situações muito difíceis. Quem conhece, se recorda bem de Sarajevo, por exemplo. Havia sido encontrado explosivo sob uma ponte. Não se entendeu bem se era uma encenação ou se era para ser um verdadeiro atentado, porém, de fato, existiu. Assim, também a viagem a Sarajevo, para quem estava lá, se recorda que era bastante problemática do ponto de vista de segurança. E quem tem uma memória ainda mais longeva, me fala da Nicarágua de 1983, em que havia uma situação muito evidente de extrema tensão interna e externa no país, e que de fato se manifestou muito também durante a viagem; e quando foi ao Peru, no tempo que que agia o Sendero Luminoso, houve também atentados pelo país. Portanto, o fato de que os Papas viagem, viagem para onde existe necessidade, onde existe expectativa, onde existe também um certo risco, mas justamente porque a mensagem leva consigo a necessidade de um compromisso, de uma coragem, de outra forma a mensagem..... não se vai para fazer turismo, se vai porque existe a necessidade e isto também tem um preço”.

RV: Hoje é o Dia Mundial de Luta contra a Aids. Também este foi um tema fortemente presente na viagem do Papa Francisco, em particular em Uganda...

“Sim. Uganda é um país que tem muito a ver com a Aids. O primeiro caso documentado de Aids foi registrado em Uganda em 1982; depois a difusão da epidemia foi muito grande e houve mais tarde um grande empenho por parte, quer das autoridades locais, quer também da Igreja em Uganda, em combater a epidemia, também com notáveis resultados, devemos dizer – por sorte! – de contenção e de redução na propagação da epidemia. O tema estava evidentemente presente. Ouvimos a jovem no testemunho do Encontro dos Jovens e o que significa viver com a Aids. Um testemunho realmente muito impressionante. O Papa também encontrou os responsáveis por estas atividades, por exemplo, pelas crianças doentes de Aids do “projeto Dream”; falou do problema da Aids na visita também à Casa de Caridade de Nalukolongo. Portanto, estava bem consciente disto. Na coletiva de imprensa da viagem de volta houve esta pergunta sobre isto e que alguém interpretou mal, como se o Papa tivesse subestimado a questão. O Papa quis, pelo contrário, inseri-la em um contexto muito mais amplo e geral de todas as responsabilidades que a humanidade e os povos tem em criar justiça, desenvolvimento e, evidentemente, também em enfrentar aquelas que são as condições de pobreza e de falta de saúde existentes. Considerou que a pergunta, dirigida especificamente somente sobre o uso do profilático, fosse muito restritiva e portanto, levasse a equivocar a problemática. Mas nós podemos dizer e é bom recordar – como disse bem – neste Dia Mundial de Luta contra a Aids a nível mundial, que a Igreja está  na linha de frente, em Uganda em particular, mas também em outros países da África, com uma quantidade de iniciativas que é muito ampla: combater a Aids quer dizer naturalmente realizar uma atividade de prevenção e todos os especialistas sabem que na atividade de prevenção, o fato de reduzir as atividades de relações sexuais promíscuas ou múltiplas e irresponsáveis, é o aspecto principal e mais eficaz: “abstinência” e “be faithfull” são as primeiras palavras importantes para se combater eficazmente a Aids e é exatamente todo este aspecto educativo que a igreja faz neste sentido, que é de primordial importância. Depois tem todo o aspecto da cura, porque uma coisa é dizer: “Bem, use a camisinha e não pegas Aids”... Mas depois, quando todos estes a têm, e são muitos, quem cuida deles? Existe toda a atividade de curar com o uso dos fármacos antirretrovirais, de acompanhar realmente os doentes e estar próximo a eles; ocupar-se das mães e das crianças, das mães que ficaram viúvas.... É todo um campo em que a presença da Igreja – em Uganda em particular, mas depois por tudo – é extremamente importante. Portanto creio que seja justo recordar o compromisso da Igreja neste campo e entender que não é necessário ter uma visão muito restrita de um problema, sobre o qual depois o Papa também manifestou a atenção a uma avaliação específica de casos que podem existir, quando falou da problemática do quinto e do sexto Mandamento. A atenção ao problema em si e o compromisso da Igreja na África no campo da Aids é vastíssimo, é enorme, mas – como dizia, gostaria de retornar a isto – o aspecto educativo do convite à insistência sobre o comportamento responsável na vida matrimonial e na vida de casal e no evitar o uso irresponsável ilimitado da sexualidade é absolutamente o ponto importante, também para a prevenção. Entre outros, recordando este dia, hoje é também para os africanos em particular o dia da Festa da Beata Anuarite Nengapeta: uma irmã que foi morta em 1964 justamente por ter resistido aos pedidos de relações sexuais dos líderes rebeldes do Congo. Portanto, é uma mártir da fidelidade à castidade, do seu compromisso, e muitos na África a consideram como a protetora do compromisso dos cristãos e da Igreja na luta contra a Aids. Uma pessoa que viveu para o serviço e que morreu precisamente pela fidelidade ao seu compromisso neste campo, que é tão dramático também pela problemática da Aids”.

RV: Para finalizar, buscando ligar as visitas nos três países - Quênia, Uganda, República centro Africana – qual é, na sua opinião, a mensagem mais forte que Francisco deixou para a Igreja, mas obviamente para todo o continente africano e não somente para os três países visitados?

“Eu serei muito sintético em responder a esta pergunta. O que nos tocou a todos, girando pela África, é a juventude. A grande maioria de todos aqueles que estavam presentes, também ao aclamar o Papa, mesmo ao longo dos caminhos em particular, eram crianças ou jovens. A grande maioria da população é muito jovem e portanto entendemos porque também os demógrafos dizem que no giro de relativamente poucos decênios, a população da África terá se desenvolvido em milhares de pessoas e será portanto um continente com uma importância enorme na população mundial. O Papa está presente, a Igreja está presente; está presente para estas crianças; está presente para estes jovens, está presente pelo futuro deste povo, está presente pela cordialidade. A Igreja existe e acompanha e é um sinal de referência, de esperança, de confiança por um futuro melhor de um continente que tem um desenvolvimento incrível: queiramos ou não, bem ou mal, é isto que se deverá ver, o que se deverá construir na responsabilidade.... Vendo os episcopados que se encontravam com o Papa, eu ficava tocado pelo fato de que alguns dos mais anciãos são os bispos missionários europeus, enquanto a grande maioria, a quase totalidade dos mais jovens são bispos africanos, do lugar. Portanto a Igreja cresceu na África, fixou raízes, está presente, é também responsável pelo desenvolvimento destes povos. A Igreja é africana com os africanos e acompanha este continente nos seus problemas e nas suas esperanças. A República Centro Africana foi num certo sentido a situação mais dramática que se viveu, motivo pelo qual o Papa se empenhou mais em levar a esperança e orientações positivas em relação ao futuro. Outros países já são – digamos – um pouco mais avançados, um pouco mais organizados, como o Quênia e Uganda, mas a Igreja existe para todos! Caminha com todos e é uma Igreja africana, com um Papa universal, que se sente africano com os africanos e que conseguiu de fato dialogar e ser ouvido como um pai de todos os cristãos e de todos os homens de boa vontade que se encontravam ali. Todos! Para concluir com uma imagem que me tocou muito: o Papa que passava com o papamóvel junto com o Imame foi uma mensagem muito forte. O Papa que encontrou e reencontrou a plataforma para o diálogo inter-religioso, formada pelo Arcebispo, pelo Presidente das Comunidades Evangélicas e pelo Imame, é uma mensagem fortíssima. Eis, portanto, o futuro da África. A Igreja dá a sua contribuição, e não pensa, certamente, em fazê-lo sozinha. O faz com os outros, para o diálogo, para a paz, com a ajuda de todas as pessoas de boa vontade e em particular dos fieis”. (JE)








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