Quênia: a visita do Papa foi um dom de Deus


Cidade do Vaticano (RV) – O Papa Francisco concluiu na tarde de sexta-feira (27/11), a primeira etapa da sua 11° Viagem Apostólica Internacional que o levou ao Quênia. Nesta segunda parte da viagem, Uganda recebe o sucessor de Pedro.

Já antes de deixar o Vaticano o Papa enviou uma vídeo mensagem aos três países, Quênia, Uganda e República Centro-Africana, que ele visitaria na qual recordava o motivo de sua viagem. “Venho como um ministro do Evangelho para proclamar o amor de Jesus Cristo e sua mensagem de reconciliação, perdão e paz. A minha visita tem como objetivo confirmar a comunidade católica na fé em Deus e no testemunho do Evangelho, que ensina a dignidade de cada homem e mulher, e nos recomenda a abrir os nossos corações aos outros, especialmente aos pobres e necessitados”, frisou ainda o Pontífice.

“Venho entre vocês como mensageiro de paz”.

Durante a sua permanência no Quênia o olhar de Francisco tocou todas as realidades de um país que sofre uma grande miséria, onde famílias – disse o Arcebispo de Nairóbi, Card. John Njue – “se dividem sob a forte pressão do materialismo e da perda dos valores africanos”.

Mas a alegria pela visita de Francisco ao país uniu a nação, habitada por 44 milhões de pessoas pertencentes a 42 etnias; 32% delas católicas.

Já na sua chegada, no primeiro discurso diante das autoridades e do Corpo Diplomático, evidenciou que essa nação é também “uma nação de jovens”. “A juventude é o recurso mais valioso de qualquer nação”. Pediu de modo particular uma autêntica preocupação para com as necessidades dos pobres, as aspirações dos jovens e uma distribuição justa dos recursos naturais e humanos com que o Criador abençoou  aquele país.

No dia seguinte, na quinta-feira de manhã, o primeiro encontro foi com líderes de várias comunidades cristãs e outras religiões presentes no Quênia. E o Papa sem meios termos denunciou os que usam o “nome de Deus” como justificação para o ódio ou atos de violência. “Nós procuramos servir um Deus de paz: o seu Santo Nome nunca deve ser usado para justificar o ódio e a violência”, disse.

Em um país que tem sido alvo de várias ações violentas da milícia islâmica Al-Shabaab, Francisco recordou os “bárbaros ataques” no Westgate Mall, na Universidade de Garissa e em Mandera, que provocaram centenas de mortos, nos últimos dois anos.

O Papa sublinhou que o diálogo ecumênico e inter-religioso “não é um luxo”, mas algo “essencial” num mundo “ferido por conflitos e divisões”.

Em seguida a Santa Missa no Campus da Universidade de Nairóbi. Na sua homilia o Papa deixou, um alerta contra a discriminação das mulheres na África. “Somos chamados a resistir às práticas que promovem a arrogância nos homens, que ferem ou desprezam as mulheres”, alertou. O Papa, que contou com ajuda de um tradutor para se dirigir à multidão, condenou ainda a falta de cuidado com os idosos e as ameaças “à vida dos inocentes que ainda não nasceram”, em alusão ao aborto.

Segundo o Papa, o mundo de hoje testemunha o “avanço de novos desertos”, criados por uma “cultura do egoísmo e da indiferença”.

No final da quinta-feira Francisco, em outro discurso, falou sobre a Conferência da ONU em Paris, dedicada ao clima e afirmou que um eventual fracasso da mesma seria “catastrófico” para a humanidade. “Seria triste e – atrevo-me a dizer – até catastrófico se os interesses particulares prevalecessem sobre o bem comum e chegassem a manipular as informações para proteger os seus projetos”. A 21.ª Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas (COP 21) vai se realizar entre dia 30 de novembro e 11 de dezembro em Paris, procurando alcançar na capital francesa um acordo mundial sobre metas vinculativas de redução de emissões de gases com efeito de estufa para substituir o Protocolo de Kyoto e limitar o aumento médio da temperatura global em 2º.

“Espero que a COP21 leve à conclusão dum acordo global e ‘transformador’, baseado nos princípios de solidariedade, justiça, equidade e participação”, pediu Francisco, para quem este grande encontro deve “promover a redução do impacto das alterações climáticas, a luta contra a pobreza e o respeito pela dignidade humana”.

Francisco citou várias passagens da sua encíclica ‘Laudato si’, dedicada às questões ecológicas, depois de, simbolicamente, ter sido convidado a plantar uma árvore no parque do Centro das Nações Unidas.

Ainda no final da tarde de quinta-feira o Papa Francisco se encontrou com membros do clero e de institutos de Vida Consagrada presentes no Quênia, aos quais falou do perigo de quem segue a vida religiosa “por interesse”. Num discurso improvisado, Francisco alertou os presentes para a “tentação de seguir Cristo pela ambição do dinheiro e do poder”. “Na vida do seguimento de Jesus, não há lugar para a própria ambição, para as riquezas, para ser uma pessoa importante no mundo”, sustentou.

“A Igreja não é uma empresa, não é uma ONG. A Igreja é um mistério, é o mistério do olhar de Jesus sobre cada um”, insistiu.

Na sexta-feira dois momentos importantes antes de deixar o país: o encontro com a comunidade pobre de Kangemi e o encontro com os jovens no estádio da cidade.

Kangemi é um bairro onde se encontra uma das favelas de Nairóbi com uma população multiétnica de mais de 100 mil pessoas. “Sinto-me em casa ao partilhar este momento com irmãos e irmãs que – não tenho vergonha de o dizer – ocupam um lugar especial na minha vida e nas minhas opções. Estou aqui, porque quero que saibam que suas alegrias e esperanças, angústias e sofrimentos não me são indiferentes. Sei das dificuldades que enfrentam, todos os dias! Como não denunciar as suas injustiças”?, questionou o Pontífice.

Desta forma, o Papa se deteve em um aspecto que os discursos de exclusão não conseguem reconhecer ou parecem ignorar: a sabedoria dos bairros populares. Citando a sua Encíclica “Laudato Si”, o Pontífice explicou que se trata de uma sabedoria que “brota da resistência obstinada do que é autêntico, dos valores evangélicos que a sociedade opulenta, entorpecida pelo consumo desenfreado, parece ter esquecido”.

Vocês acrescentou Francisco, são capazes de “tecer laços de pertença e de convivência que transformam a sua existência em uma experiência comunitária, onde são abatidos os muros e as barreiras do egoísmo”.

Francisco propôs retomar a ideia de uma respeitosa integração urbana, sem erradicação e paternalismo, sem indiferença e mero confinamento. A dívida social e ambiental para com os pobres das cidades pode ser paga com o direito sagrado dos três “T”: terra, teto e trabalho.

Talvez o momento mais emblemático da visita do Papa a Nairóbi, tenha sido o encontro com os jovens quenianos, no Estádio de Kasarani, na manhã da sexta-feira. Francisco pediu aos 70 mil jovens presentes para dar-se as mãos contra o tribalismo, que afasta e divide e formar uma grande corrente humana, que representa toda a nação queniana.

Aos milhares de jovens, Francisco exortou a rejeitar o “açúcar da corrupção” que dissipa a alegria e a paz interior; o excesso da corrupção leva nações e instituições a sofrer de diabetes. A corrupção é um capítulo dramático para a África, mas também para numerosos países, como o próprio Vaticano.

Este foi um dos aspectos que os jovens apresentaram ao Papa, além das grandes questões da sua terra, do tribalismo à chaga da corrupção, mas também os desafios das redes sociais, com sua influência nem sempre positiva, como também o drama das guerras, as crianças-soldado, as trágicas pressões internacionais que destroem a alma da África, as famílias, as sociedades, o ambiente.

A viagem do Papa Francisco é uma grande ocasião para um continente que está construindo o seu futuro e que, em meio a mil e uma dificuldades, está se tornando, indiscutivelmente, um dos protagonistas do cenário mundial.

Francisco escolheu visitar três países que vivem perspectivas de desenvolvimento e que buscam sair de uma situação de conflito e da ameaça do terrorismo, mas que olham com esperança para um futuro de crescimento, tanto social quanto econômico.

“A visita do Papa é um dom de Deus; Ele veio para reerguer a África na esperança e na fé, para encorajar e motivar o mundo porque nem tudo está perdido e para reforçar a nossa determinação em buscar fazer do Quênia a pérola da África”, disse o Arcebispo de Nairóbi, Cardeal John Njue.

Francisco nestes dias pede que se olhe o mundo a partir das periferias, e que elas sejam transformadas em centros de humanidade. Agora toca a Uganda. (Silvonei José) 








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