Cartuxos, homens que dão sua vida para a comunicação com o céu


Paris (RV) - Em 13 de outubro foi celebrada a Memória Litúrgica de todos os Santos e Beatos da Ordem dos Cartuxos, fundada por São Bruno em 15 de Agosto de1084. No contexto do Ano da Vida Consagrada, o blog de difusão da espiritalidade cartusiana nas redes sociais propôs uma entrevista concedida pelo Prior Geral da Grande Chartreuse, Dom Dysmas de Lassus, ao jornal católico francês "La Croix". Através de suas respostas simples e profundas,  Dom Dysmas procura fazer-nos compreender as razões e a natureza de uma opção de vida tão radical, explicando em uma linguagem compreensível a espiritualidade dos Cartuxos.

- Na diversidade de escolha da vida consagrada, como se poderia caracterizar os cartuxos?

"A maneira cartusiana de ser está enraizada no monaquismo dos Padres do Deserto. Nós somos monges, com uma parte enorme comum como os beneditinos e cistercienses. A nossa peculiaridade é uma maior ênfase na vida solitária. Não somos, todavia, eremitas, porque a parte da vida comum está longe de ser negligenciada".

- A vossa separação do mundo é particularmente radical...

"É verdade, a nossa clausura é rigorosa, não sempre fácil de aceitar. Nós nunca saímos do deserto, nem tão sequer – salvo em casos excepcionais –, como a morte de nossos pais. Em vez de explicar, eu prefiro fazer referência a Cristo, que se retirou por quarenta dias no deserto para rezar. Quando se fala de deserto, falamos disso. Mas dois dias por ano, recebemos nossas famílias na hospedaria".

- Porque que motivo a solidão não é mais sofrimento?

"A insistência sobre a solidão não deve nos fazer uma ilusão, porque para nós é somente uma condição exterior e um meio. O objetivo não é a solidão, mas sim o seu oposto, ou seja, a comunhão. Toda a nossa vida é construída sobre a relação. Tudo é pensado para promover o desenvolvimento do relacionamento com Deus, a comunhão de amor com ele. Se ele vive plenamente sua vocação, o cartuxo nunca está sozinho. Ele permanece vivo na solidão e também com essa comunhão com Deus, precisa ter algumas habilidades, uma forma de espírito que seja capaz de transportar. isso não é dado a todos. A austeridade da Cartuxa, e isto não é o comer, o levantar-se à noite, ou o frio, mesmo que estes aspectos são reais. A verdadeira austeridade, é a solidão. Nos primeiros anos, a intimidade com Deus ainda é frágil e o deserto, interior e exterior, às vezes pode ser sentido duramente. Mas eu tenho ouvido mais frequentemente monges que se queixam de não ter suficiente solidão que o contrário".

- No silêncio, como não ser ensurdecido por si mesmo?

"No início, eu necessariamente ocupei muito espaço para fazer muito barulho. Acalmar nossas forças interiores requer tempo. Mas desde o início, podemos já saborear um verdadeiro silêncio e há a presença da pessoa amada. E é isso que vai atrair o verdadeiro silêncio, porque essa comunhão é tão bonita que ofusca o som dos pensamentos. A domesticação é uma arte, quer se trate de um animal ou de nosso jardim zoológico interior. Não se trata de destruir ou rejeitar, mas de orientar, para corrigir, para ajudar as nossas forças interiores e uni-las na mesma direção".

- Vocês vivem fora do mundo, mas não em fuga. Como?

"Quando havia vigias nos faróis, também eles viviam separados do mundo, e mesmo assim prestavam um serviço àqueles que passaram por ali sem vê-los. Nós fazemos o que os outros deveriam fazer e não fazem: ouvir o seu coração para escutar a voz daquele que lhes deu a vida. Como se diz numa bonita passagem de nossos Estatutos: "Separados de todos, unimo-nos a todos, para em nome de todos permanecermos na presença do Deus vivo”. Nós somos os guardiões de uma estação de transmissão no topo de uma montanha. Aparentemente isolada, todavia, vemos passar milhões de comunicações e pessoas que se conectam entre elas ou com os satélites acima delas. Faltaria alguma coisa sobre a terra se não houvesse homens (todos os contemplativos, não somente nós) que deram suas vidas nesta comunicação com o céu, em nome de toda a humanidade".

- O que vocês percebem do mundo?

"Se você  me permite dar uma resposta maliciosa, eu diria: primeiramente, a nós mesmos. Quero dizer por isso que os homens são sempre homens em qualquer parte do mundo onde se encontrem, inclusive no interior da clausura de uma Cartuxa. Quer dizer, nós somos uma amostra perfeitamente típica e absolutamente normal do mundo, distante das imagens que circulam sobre nós. O humano – e isso é a essência do mundo –, está presente entre nós ao 100%.  Em relação ao que toca aos acontecimentos, recebemos o "La Croix" e algumas outras revistas. O Prior transmite aos monges as coisas importantes. Materialmente, tem bastante jornais e as notícias que circulam, os textos do Papa, do nosso Bispo, os boletins diocesanos etc. Não é necessário ter as notícias cada dia para que essa união seja mantida. O número delas, um pouco limitado ajuda ao contrário, com o objetivo de não sufocar as coisas mais importantes em uma infinidade de coisas secundárias. Nós seguimos muito bem, por exemplo, o drama dos cristãos no Oriente, o Sínodo sobre a família, o Ano da Vida Consagrada ou da Misericórdia, e todo o resto da vida da Igreja e do mundo".

- O que você diria a um jovem que tenta buscá-los? Qual é, de seu ponto de vista, o aspecto decisivo?

"Se você tem a tentação, venha e veja. A nossa vida não requer qualidades extraordinárias. Há pessoas entre nós com os níveis de estudos mais altos e outros que não tem sequer um diploma. Há pessoas fortes e frágeis. É equivocado acreditar que a Cartuxa é reservada para indivíduos excepcionais. É verdade, por outro lado, que somente um pequeno número de pessoas é capaz de ter uma vida solitária, porque não vai precisar de qualidades excepcionais, mas de uma qualidade muito específica. Na verdade, somente a experiência pode dizer se você se sente em harmonia com a vida de  uma cela ou não. Se não se tem exigências particulares, nem intelectuais, nem humanas, não podemos, portanto, ser que um refúgio enfrente dificuldades do mundo. Muitos percebem muito rapidamente que esta vida não é para eles. Mas para aqueles que tem recebido a graça, é um dom extraordinário. De acordo, há um preço a ser pago. Mas realmente eu não tenho nenhum arrependimento: somos privilegiados".

- Como persistiram na vida consagrada?

"Esta é a parte mais difícil hoje, porque a fidelidade não é mais um valor na cultura atual. Cada dia se basta a si mesmo, porque somente recebemos a graça para hoje. A certeza inabalável do amor de Deus, a confiança em nosso Pai Celestial, a adesão do coração a Jesus, a doçura discreta do Espírito Santo, a proteção da nossa Mãe Celeste, mas também o conhecimento de si mesmo, ao mesmo tempo, o apoio de um pai espiritual, a capacidade de ouvir e de se converter, bem consciente da imensidão do dom que foi feito por nós: a filiação divina. Tudo isso é que permite de continuar. O risco maior, depois de um tempo, é que o desejo se enfraqueça, e para de crescer. A gente se acomoda. Torna-se um velho rapaz na cela. O amor é uma vida que se alimenta. Como em um casamento, há dias difíceis e há dias maravilhosos. Mas aquele que compreendeu, mesmo que parcialmente, o que significa ser um filho de Deus, não tem medo das dificuldades do caminho".

- Como os cartuxos veem os seus desejos?

"Renunciamos a todos os desejos, menos um, o desejo de Deus. O risco, o que poderia fazer-nos levar ao desastre, seria o de procurar a renúncia do primeiro. Buscar somente destruir os próprios desejos, não daria lugar para amar a Deus. O cartuxo que gostaria de se tornar um campeão de ascetismo iria perder o ponto. Aqui, o sprint é inútil. Estamos como que em uma maratona. Nossos Estatutos dizem (§ 33,2): “Que ninguém, portanto, se fie no seu próprio juízo. Porque quem é negligente em abrir seu coração a um guia seguro, é de temer que, faltando-lhe a discrição, avance menos do que devia, ou se canse de correr, ou por se deter adormeça”.

Sabemos que precisamos anos para trabalhar nossa sensibilidade. Na solidão, podemos fazer um drama por nada. Um adágio clássico entre nós cartuxos diz: "Os noviços são santos. Os jovens monges não são santos, mas eles não sabem. Os monges maduros não são santos e eles sabem. Existem monges anciãos que são santos, mas não sabem" .

Tradução do original: Cartuxa N. Sra. Medianeira. Ivorá-RS.








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