Editorial: O Papa e os prefeitos


Cidade do Vaticano (RV) – O mundo inteiro esteve reunido nesta semana ao redor do Papa Francisco representado pelos prefeitos de mais de 60 grandes cidades de todos os continentes que foram convidados a participar, no Vaticano, de um evento inédito: um simpósio para compartilhar as melhores práticas de contraste às mudanças climáticas e à escravidão moderna. Do Brasil, foram convidados prefeitos de sete cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador e Goiânia. O prefeito do Rio não esteve presente por impedimentos de última hora.

A ideia de um evento como esse nasceu de modo muito singular. Na coletiva de imprensa no Vaticano durante a apresentação do encontro o Chanceler da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, Dom Marcelo Sánchez Sorondo, promotor da iniciativa, explicou que a ideia nasceu dois anos atrás. Naquela ocasião, o Papa e o Cardeal Vicent Nichols (Arcebispo de Westminster – Inglaterra) criaram o grupo de “Santa Marta”, que reúne os chefes de polícia e membros da Igreja para favorecer uma maior conscientização sobre os problemas que afligem os mais pobres. “Todavia, os próprios policiais fizeram notar que seus superiores não são os bispos, mas os governantes e, em muitos casos, justamente os prefeitos”. Seguindo o conselho deles, “tentamos reunir os prefeitos para encontrar juntos as melhores práticas a favor da contenção das mudanças climáticas e da eliminação das novas formas de escravidão”, afirmou o Chanceler. Dom Sorondo acrescentou que há uma clara ligação entre essas duas emergências: a crise do clima e a crise social, ambas de origem antrópica, como ressalta a Encíclica Laudato si. Embora os pobres e os excluídos incidam minimamente nas alterações climáticas e vivam muitas vezes nas periferias das cidades, são os mais expostos às consequências dessas alterações.

A intenção do encontro, acompanhado de perto pelo Papa que também deu a sua contribuição, é que os prefeitos se empenhem em favorecer a emancipação dos pobres e dos que vivem em condições de vulnerabilidade, que se empenhem em acabar com os abusos, a exploração, o tráfico de pessoas e toda forma de escravidão moderna.

Os trabalhos se concluíram na quarta-feira (22), mas já na tarde de terça-feira (21), no primeiro dia do encontro, contou com a presença do Papa Francisco, que improvisou um discurso falando em espanhol.

O Santo Padre foi direto à questão, envolvendo os prefeitos de todo o mundo: serão as cidades, pequenas e grandes, a promover o respeito do meio ambiento em todo o mundo, que é antes de tudo respeito pela ecologia humana porque no centro está sempre o homem que sofre se o meio ambiente no qual ele vive é maltratado.

O Papa Francisco e os prefeitos assinaram ainda na terça-feira uma Declaração conjunta na qual se menciona de modo especial a Conferência sobre o Clima de Paris (COP21), que vai se realizar no final deste ano, como a última efetiva possibilidade de negociar acordos que possam reduzir o aquecimento global provocado pelo homem.

“Os líderes políticos de todos os Estados-membros das Nações Unidas têm uma responsabilidade especial em concordar na COP21 um ambicioso acordo sobre o clima, que limite o aquecimento global a um nível seguro para toda a humanidade, protegendo os pobres e os vulneráveis do perigo mortal constituído pelas mudanças climáticas em andamento. Os países de alta renda deveriam contribuir para financiar as despesas com a finalidade de atenuar as mudanças climáticas nos países de baixa renda, como prometeram fazer.”

Outro compromisso assumido pelos prefeitos é o de lutar pelo fim dos abusos, da exploração, do tráfico de pessoas e de órgãos, da prostituição e da servidão doméstica.

Voltando à questão da Cúpula de Paris, há muita esperança nesta reunião de que se obtenha um acordo fundamental de base. É necessário, disse Francisco, tomar consciência do problema da destruição do planeta que nós mesmos estamos realizando ao não termos uma consciência ecológica. Ai surge o pedido aos prefeitos, aos primeiros cidadãos de cada cidade, para serem motores dessa consciência. A Santa Sé ou esse ou aquele país poderá fazer um bonito discurso às Nações Unidas, “mas se o trabalho não parte das periferias em direção do centro, não terá efeito”.

Cuidar do meio ambiente não significa somente adotar um comportamento “verde”, disse o Papa, é muito mais, significa um comportamento de “ecologia humana”. Dessa maneira Francisco, como na sua Encíclica Laudato sì explica que não se pode separar o homem do resto, que existem repercussões sobre o homem quando o meio ambiente é maltratado. E novamente a sua afirmação: “não é uma encíclica verde”, é “uma encíclica social”.

Quando o meio ambiente não é cuidado, as cidades crescem sem medida e com elas os bolsões de pobreza e de miséria, também em consequência das migrações das áreas rurais que não oferecem mais oportunidades ao homem.

Neste encontro com homens responsáveis por grandes metrópoles do mundo Francisco denunciou ainda, como já o fez na sua encíclica, a “idolatria da tecnocracia” que rouba o trabalho: sim, o Papa exprime sua preocupação pelo alto percentual de desemprego dos jovens, principalmente em alguns países europeus onde se toca os 40% de desempregados. E o que resta a essa juventude, se não as dependências, o suicídio ou a busca de novos horizontes como as guerrilhas.

Nesta semana Francisco pôde mais uma vez falar ao mundo sobre suas expectativas sobre o meio ambiente e o homem.

Os prefeitos são pessoas que estão muito próximas das pessoas e representam o poder público, por isso podem dar uma grande contribuição para a questão urgente do meio ambiente. Francisco com a sua sensibilidade para com os pobres e também pela criação, nos faz ver, nos mostra como pobreza e meio ambiente caminham juntos: a questão social é também uma questão ética e não somente técnica e representa a nossa responsabilidade pelo futuro, para com o próximo, para com os pobres.

Como escreve o Papa na Encíclica “Laudato si”, não é tarde demais. É necessário diálogo e ação, “entre gerações”. Agora toca aos prefeitos, com sabedoria ajudar a mudar o mundo a partir da própria casa em prol da “casa comum”. (Silvonei José)

 

Errata: no editorial da semana passada afirmamos que o Padre Espinal teria sido vítima do regime comunista na Bolívia. Padre Espinal foi vítima do regime militar de direita.








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