2015-07-03 16:46:00

“É um direito humano, a criança aprender na própria língua” – Alice Gomes de Matos


Cabo Verde comemora no dia 5 deste mês de Julho, 40 anos de independência. Uma importante efeméride que vem sendo enaltecido com diversos eventos ao longo deste ano tanto no país como nas diversas comunidades emigradas pelo mundo fora.

Em Itália, onde vive desde os anos 60 uma comunidade maioritariamente feminina, tudo começou em Janeiro, o mês que marca o desaparecimento físico do grande líder Amilcar Cabral . Prosseguiu-se depois com uma grande conferência em março, sobre o contributo do Papa Paulo VI às independências dos PALOP (encontro realizado em colaboração com guineenses, angolanos, moçambicanos, portugueses e outros); em Junho, verificou-se com sucesso, na Casa Tra-Noi, um encontro sobre a solidariedade de outros povos para as independências dos PALOP e a solidariedade hoje no seio da comunidade cabo-verdiana em Itália; e esta quinta-feira 2 de Julho, houve uma tarde de debate centrado especificamente nos 40 anos da independência de Cabo Verde organizada pelas associações de cabo-verdianos em Itália.

A convidada principal foi a Drª Alice Gomes Fernandes de Matos, vinda de Lisboa para falar do "Papel da Educação no Processo de Crescimento Sócio-cultural de Cabo Verde"  nestes anos. Mas participaram também dois estudiosos italianos dos PALOP (a prof. Maria Cristia Ercolessi, da Universidade de Nápoles  e o Prof. Francesco Morrocu, da Universidade de Cagliari). Mas o primeiro a intervir foi o P. José Botelho, de São Tomé e Principe, que centrou a sua comunicação num paralelismo do caminho percorrido por Cabo Verde e pelo seu país, neste anos:

Ele começou por evocar factores históricos da formação da sociedade e cultura santomenses, para explicar o facto de embora essas duas ilhas equatoriais terem mais recursos naturais do que C. Verde, este ter-se desenvolvido mais nestes 40 anos do que STP. A espoliação dos forros mestiços das terras e escravos que possuíam pelos portugueses no século XVI-XVII e o surgimento de foros pobres, deu origem a um profundo ressentimento social que desabrocha no massacre de Batepá, por porte dos colonos e mais tarde numa radicalização da elite pós-independência, levando a mudar tudo, mesmo o nome das roças. Isto não favoreceu o desenvolvimento humanos, como aconteceu em Cabo Verde:

As prestações de Cabo Verde, em termos de desenvolvimento humano, tornou-se visível e relativamente mais importante do que em São Tomé e Príncipe, como foi evidenciado pelas estatísticas  do Relatório anual de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas.”

A construção paulatina da sociedade e cultura santomenses por esses forros pobres economicamente e em valores sócio-culturais deram origem a alguns elementos negativos que marcam ainda hoje a sociedade santomenses e o impedem de ir para a frente - frisou ainda o P. José Botelho:

“Estando eles na estruturação cultural de São Tomé e Príncipe,  não deve surpreender valores como o clientelismo, tráfico de influencias, servilismo, intrigas, relações de dependência, corrupção, desprezo pelo trabalho… São estes mesmos valores que ainda hoje, infelizment, caracterizam a cultura do São Tomé e Príncipe pós-independência, valores que se unem também, digo eu, à mendicidade generalizadas, ao furto, ao individualismo (antes desconhecido), à inveja, à vingança, muitas vezes através da prática oculta do feitiço, vaidade em ter mais do que no ser e o espírito de fatalismo, no sentido de dizer que as condições de vida são assim por vontade divina e contra isso nada se pode fazer. Além disso há também o “leve, leve”…, Trata-se de uma ideologia que é totalmente oposta à de Cabo Verde, a qual favorece o progresso, a vontade de vencer em vez do fatalismo”.

Para o P. Botelho o problema em São Tomé e Príncipe  é cultural. Mas, não obstante isto, indicou como factores positivos desta caminhada pós independência, o facto de ter imperado entre a elite santomense um espírito de unidade nacional e de não ter havido conflitos de carácter étnico ou religioso. Contudo, esta convivência pacífica não deu ainda lugar a um verdadeiro desenvolvimento:

Mas esta convivência não levou até agora à formação duma própria identidade cultural e a uma afirmação colectiva em volta da qual o desenvolvimento sustentável possa ser visto como objectivo nacional, partilhado por todos, tal como acontece em Cabo Verde”.

A saída para isto parece estar no dialogo nacional, encetado, o ano passado, pelo actual Presidente do País, Manuel Pinto da Costa, um dialogo que demonstrou que ter objectivos comuns é possível e que o povo está sedento de participar na construção nacional – rematou o P. Botelho.

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São Tomé e Príncipe  no debate de quinta-feira 2 de Julho, na Sala Marconi da Rádio Vaticano  sobre os 40 anos de independência de Cabo Verde e das ex-colónias africanas de Portugal , de forma geral. Mas a grande atenção do público, essencialmente cabo-verdian, foi para a comunicação da Drª Alice de Matos, especialista em questões de Educação e que, com dados na mão, traçou um amplo quadro da evolução da Educação em Cabo Verde nestes 40 anos.

Quando o país acedeu à independência em 1975, 60% da população era analfabeta e o país tinha apenas dois liceus e uma Escola técnica. Mas as autoridades  estabeleceram logo, como prioridade, a educação. Na base estava a frase de A. Cabral de que a maior riqueza de Cabo Verde são os cabo-verdianos.Havia, portanto, que educá-lo, instruí-lo.  Então, com a ajuda externa,  investiram muito na educação, adequando, ao longo dos anos, a estratégia educativa às diversas fases de desenvolvimento do país. E é assim que há hoje em todos os cantos do país, escolas e liceus e, as Universidades já são nove, incluindo a UNI-CV que é a Universidade pública. Com esta generalização do ensino, resta agora o desafio da qualidade, frisou Alice de Matos  respondendo às perguntas do publico.

Instada também a dizer se nove universidades não são demasiadas para um país de apenas 4.033 km quadrados e uma população residente de menos de 500 mil habitantes, Alice Fernandes de Matos, respondeu que a demanda é, todavia, sempre muito. Resta, contudo, a questão de como garantir emprego àqueles que saiem formados da Universidade. 

Mas o ponto mais quente do debate foi a questão do ensino da língua cabo-verdiana nas escolas, ao lado do português, algo desejável, mas que continua a ser o calcanhar de Aquiles do seu país - sublinhou esta especialistano ensino do português como língua não materna. 

A Dra Alice de Matos, que está a fazer um Doutoramento em Portugal sobre Educação com enfoque em questões de bilinguismo, disse depois que não há dúvida de que Cabo Verde é um país bilingue, mas trata-se mais de um bilinguismo social, na medida em que os cabo-verdianos crescem a ouvir duas línguas, o crioulo e o português, mas contrariamente ao cidadão português, o cabo-verdiano não aprende a sua língua materna na escola. 

E à questão frequentemente levantada pelos cabo-verdianos quando se fala da oficialização do crioulo – qual será a variante a ser adoptada?, pensando muitos que será a de Santiago – pergunta feita também neste debate pelo artista musical Juary, vindo de Portugal para animar o evento destes dias - a Dra Alice recorreu-se da situação portuguesa  para esclarecer o assunto. 

No debate, quinta-feira 2 de Julho, em Roma sobre os 40 anos da independência de Cabo Verde e dos outros PALOP em geal intervieram também, como acima referido dois  estudiosos  italianos desses países. A Professora Maria Cristina Ercolessi disse que o pensamento de Cabral poderá ser útil para se compreender os pontos comuns e as diferenças de percurso desses países, facto que a seu ver está relacionado com evolução das suas elites depois da independência. A professora Ercolessi lançou também o desfaio de se reflectir mais e de dar uma resposta séria  sobre o que realmente representa e constitui o colante da CPLP: é apenas a língua? Tem sentido, é só algo que imita a francofonia, aliás em baixa, ou será necessário quebrar as barreiras coloniais, linguísticas e estabelecer relações de mais amplo respiro?

Oiça aqui a rubrica "África Global" com extractos das intervenções do P. José Botelho e da Drª Alice Gomes Fernandes de Matos. 

(DA) 

 

 

 

 








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