Editorial: Um povo sem porto


Cidade do Vaticano (RV) – Na última terça-feira durante a sua homilia na Casa Santa Marta o Papa Francisco, falando sobre as vítimas das perseguições e obrigadas a fugir de suas casas, citou o drama humanitário que se consuma no silêncio internacional: o do povo Rohingya. “Pensemos naqueles pobres de etnia Rohingya de Mianmar. No momento de deixar suas terras para fugir das perseguições, não sabiam o que lhes aconteceria. E há meses estão numa embarcação, ali… Chegam a uma cidade, onde lhes dão água e alimentos, e dizem: ‘vão embora daqui’. O Papa recordou-os falando das despedidas, aquelas momentâneas e aquela definitiva, o último adeus da morte. Pessoas cientes de que não poderão voltar mais para sua terra, porque foram expulsos de casa.

Mas o que ocorreu e está ocorrendo com o povo Rohingya? Milhares deles ficaram à deriva no mar das Andamane, a bordo de barcos improvisados, após a fuga de Mianmar, depois de serem abandonados pelos traficantes e serem rejeitados pela Malásia, Tailândia e Indonésia. Em Mianmar vivem cerca 1 milhão e 300 mil pessoas da etnia Rohingya, grupo étnico muito pobre de fé muçulmana, não reconhecido como minoria, sistematicamente discriminado, ao qual nunca foi concedida a cidadania. É dali que essas pessoas fogem, são cerca de 7 mil, abandonados no mar em busca de um porto, de uma vida nova, de uma acolhida. Acolhida que até agora não existiu.

Os Rohingyas são, segundo as Nações Unidas, uma das minorias mais discriminadas no mundo.

Nos últimos dias durante um encontro realizado em Kuala Lumpur, os ministros do Exterior da Malásia e da Indonésia comunicaram a decisão de dar assistência humanitária aos 7 mil deserdados. Um acordo que prevê oferecer a essas pessoas um refúgio provisório, por um período máximo de um ano, no final do qual deverão encontrar acolhida em outros países ou repatriar. A Tailândia contribuirá com as ajudas humanitárias, mas sem hospedar os refugiados em seu território, visto que dezenas de milhares de refugiados de Mianmar já estão presentes na nação.

Mas a ajuda temporária resolve só parcialmente a emergência, pois refere-se somente a barcos que chegam perto da costa: ninguém está procurando individuar aqueles que ainda estão em alto mar.

Um acordo, fruto de uma emergência humanitária do qual se fala pouquíssimo ou se desconhece totalmente em nível internacional. A voz do Papa Francisco, recordando essas pessoas à deriva não só no mar da existência, mas também no mar salgado, que faz arder a pele sob um sol que queima, chamou a atenção para um drama cujos holofotes da mídia internacional estiveram sempre apagados.

São dezenas de barcos bloqueados carregando a bordo uma humanidade desesperada. Durante semanas, como bolas de ping-pong, foram jogados de um lado para outro, de um mar territorial a outro, rejeitados como prófugos, são somente os “boat people”. No dia 29 de maio será realizada uma conferência sobre a questão.

Mianmar já advertiu que não participará da conferência se for utilizada a palavra “Rohingya”, porque o governo birmanês não reconhece esse povo. Para a Mianmar se trata de bengaleses emigrados em épocas recentes.

Como na Europa, que neste momento está vivendo outro drama de desesperados de guerras, violências e perseguições, que atravessam o Mar Mediterrâneo em busca de um novo horizonte, muitos países da área asiática não querem em seu território membros de uma comunidade marginalizada e pouco influente simplesmente porque é inaceitável o afluxo de milhares de pessoas completamente desenraizadas. Pessoas, que de fato, não tem nem mesmo em Mianmar, uma esperança de vida, de modo continuativo, nem podem retornar aos países de onde, em outras épocas, emigraram. São pessoas sem uma pátria, sem um destino, sem uma identidade.

Os países, que são hostis a acolher refugiados defendem a sua posição baseado no fato de que essas pessoas constituiriam um problema interno difícil de ser resolvido, pois essas nações não possuem infraestruturas ou uma riqueza econômica para acolher alguém que é simplesmente um peso.

Sim um peso, um número, um problema. Milhares de pessoas sem destino, sem um porto, sem uma terra. A Igreja Católica nestes países pede, solicita aos governos que acolham essas pessoas, e procurará ajudá-las a ter uma vida digna, jamais esquecendo que são filhos de Deus, criados à imagem e semelhança de Deus. O fato que são de outra religião – disse um sacerdote das Filipinas – não cria algum problema e não muda o estado das coisas. Como nos ensina o Evangelho, devemos estar sempre prontos a acolher o próximo necessitado. Pensemos e rezemos por aquelas pessoas. (Silvonei José)








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