2015-04-23 16:46:00

"Uma tragédia que poderá repetir-se" - P. Mussie Zerai


“Uma tragédia que poderá repetir-se. Há muitos mais migrantes nas mãos do Isis”. É assim o P. Mussie Zerai, eritreu, comenta o assassinato de cerca de trintas cristãos etíopes e eritreus pelo chamado Isis, acto filmado e difundido a 19 deste mês pelo próprio Isis.

O P. Zerai, fundador e presidente da agência Habeshia, é conhecido pelo seu empenho em defesa dos que pedem asilo e dos migrantes que fogem de guerras, ditaduras, terrorismo e perseguição. Um empenho que lhe valeu, nos meses passados, a candidatura ao Prémio Nobel da Paz.

“As pessoas mortas pelos jihadistas esperavam poder iniciar uma vida nova e receber protecção na Europa” – disse, acrescentando que como eles muitos outros cristãos enfrentam longas viagens, também para fugir de situações de persecução. E no seu caminho encontram graves discriminações por causa da sua fé. “Nos campos de detenção na Líbia, os cristãos são sempre discriminados e maltratados” – explicou o P. Zerai à secção italiana da organização “Ajuda à Igreja que Sofre”. Nos dias passados – referiu – informaram-me que num centro em Misurata os cristãos são obrigados a rezar juntamente com muçulmanos e fazer o jejum no mês do Ramadão. Mas enquanto que ao pôr do sol os detidos muçulmanos recebem uma refeição, aos cristãos é negado mesmo esse direito”.

Relativamente ao trágico acontecimento dos doze cristãos lançados ao mar no Canal da Sicília no passado dia 14, o P. Zerai convida a olhar para isso com uma certa cautela, pois “as dinâmicas não foram ainda apuradas pela magistratura e é a primeira vez que chegam notícias de discriminações religiosas entre os migrantes nas naus que os transportam. Espero que não seja verdade, caso contrário seria mesmo terrível” – disse o sacerdote.

De entre os migrantes cristãos assassinados pelo Isis encontravam-se pelo menos três eritreus, identificados no vídeo difundido pelos jihadistas. O P. Zerai diz que a persecução vivida pelos fiéis no seu país, que passou a ser conhecido por “Coreia do Norte da África”. Segundo os dados do mais recente relatório sobre a liberdade religiosa elaborado pela organização “Ajuda à Igreja que Sofre”, na Eritreia são cerca de 1.200 os cristãos detidos em prisões por motivos religiosos. “Muitos líderes cristãos, sobretudo pentecostais, foram detidos e torturados e alguns deles perderam ali a vida. Mesmo o Patriarca ortodoxo eleito canonicamente encontra-se agora em prisão domiciliária e foi substituído por um Patriarca próximo do regime”. O férreo controlo governativo afecta também a Igreja católica no país, cujas publicações “Culpados” que denunciam injustiças e abusos – foram encerradas há já 10 anos. “Proibiram-nos de publicar a tradução da Doutrina Social da Igreja em língua tigrinha. Os censores dizem que contêm temas políticos”. O P. Zerai teme possíveis reivindicações na sequência da carta pastoral escrita pelos quatro bispos da Eritreia em Junho de 2014: uma clara denúncia das difíceis condições em que se encontra a Igreja no país. “O regime ainda não reagiu porque não quer dar a impressão de ser vingativo. Mas os bispos estão à espera duma reacção no futuro”.

Um pouco melhor é a situação dos cristãos na Etiópia, “onde, no entanto – declarou o P. Habtseilassie Haillemariam, sacerdote do Colégio Pontifício Etíope – se começa a sentir a pressão dos países fronteiriços de maioria islâmica, como o Sudão e a Somália”. Muito apreciado foi a mensagem que o Papa Francisco enviou ao patriarca da Igreja Ortodoxa, Abuna Matthias. “As palavras do Santo Padre terão um importante efeito também nas relações ecuménicas, que encontram assim um obstáculo na tendência a identificar a Igreja católica com o invasor italiano, amplamente difusa ainda hoje”

Recentemente o Papa Francisco convidou a Europa a empenhar-se mais a favor dos milhares de migrantes que procuram uma vida melhor no velho continente. “É importante agir, indo à raiz do problema e não limitar-se a dar respostas à emergência” – afirma o P. Mussie Zerai, recordando que todos os anos sucedem estas tragédias. Tragédias anunciadas. Para combater o tráfico e pôr fim à morte de tantos inocentes no deserto e no Mediterrâneo, deve-se dar-lhes uma alternativa legal e sobretudo procurar resolver nos seus países de origem, problemas como a ditadura, guerras, persecuções e contextos sócio-económicos nada dignos.”

(TC e DA) 








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