2015-04-20 12:47:00

"Há milhões de meninas de Chibok" à espera de ser libertadas


Fez no passado dia 14 deste mês de Abril um ano que Boko Haram raptou na Nigéria 276 meninas duma escola de Chibok, no Nordeste do país. O aniversário voltou a reavivar a campanha internacional “Bring Back Our Girls” que mobilizou não só a sociedade civil nigeriana, especialmente mulheres, como também figuras de relevo internacional: desde Michelle Obama, a jovem Nobel da Paz, Malayala, etc.

O neo-eleito Presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, já prometeu fazer de tudo para encontrar as meninas e restituí-las vivas aos seus familiares, mas disse não garantir a 100% que o possa fazer.

A questão das alunas raptadas em Chibok foi recordada no dia 8 de Março no evento “Voices of Faith” que pelo segundo ano consecutivo foi organizado, por algumas fundações femininas, no Vaticano.

Um dos convidados foi o P. jesuíta nigeriano, Emmanuel Orabatur, que na sequência desse rapto, mesmo sabendo o risco que corria de ser preso ou preseguido, tomou a iniciativa de escrever uma carta ao Presidente da Nigéria e Comandante em Chefe das Forças Armadas, Goodluck Jonathan, pedindo a sua imediata demissão pela sua grande incúria em relação ao seu dever constitucional de proteger as meninas da Escola de Chibok.

É que - justificou – “como jesuíta o seu papel e ministério compreendem a denuncia da injustiça e os males sociais que violam a mensagem de Jesus Cristo, que é uma mensagem de compaixão, atenção para com o outro e solidariedade para com os mais vulneráveis”.

O P. Orobator disse ter pensado inicialmente que a coisa teria sido muito diferente e imediatamente resolvida se uma das raptadas fosse filha do Presidente ou de alguma outra rica e importante personalidade política. Mas depois, reflectindo profundamente, deu-se conta de que o problema não era porque elas não eram filhas de potentes e ricos políticos. Era simplesmente por serem meninas, uma categoria de pessoas, em relação à qual, cultura e sociedade conspiram activamente no sentido de as considerar cidadãs de segunda classe, como filhas de um Deus menor – disse o P. Orobator, acrescentando que a menos que e enquanto não nos confrontarmos seriamente com essas crenças desviantes segundo as quais as meninas não contam nas prioridades de género, a impunidade de grupos como Boko Haram, Al Quaeda e Al-Shaban e o seu fanatismo continuarão.

O P. Orobator chegou assim a uma primeira conclusão de que o rapto das alunas da escola de Chibok é consequência de uma prévia violação dos direitos fundamentais das meninas, especialmente o direito à educação.

Afirmação que justificou referindo que os dados estatísticos sobre a educação na África sub-shariana mostram claramente que o acesso das meninas à educação é muito inferior ao dos rapazes.

Há muitos factores que segundo o P. Orobatur determinam isso: um deles é que em muitas sociedades da África sub-sahariana a menina é considerada com base no seu valor económico que está ligado à tez da sua pele, à sua altura e, quando é instruída, nalgumas partes da Nigéria, o seu valor é calculado com base no seu nível de educação.

Então, os preconceitos culturais, a indiferença social, os maus cálculos económicos, políticas inadequadas, o fanatismo religioso, tudo combinado, contribui para reduzir ainda mais as poucas chances que tem uma menina de estudar.

O P. Orobator faz ainda notar como o slogan “educar uma menina é educar uma nação” raramente se traduz em realidade porque, paradoxalmente, esta equação acaba por se revelar desfavorável às meninas.

Este jesuíta nigeriano residente no Quénia, recorda também o terrível massacre numa escola do Paquistão por obra dos talibãs em Dezembro de 2014 e cita palavras do Primeiro Ministro britânico,  David Cameron,  a este respeito: “é horrível que crianças sejam mortas, simplesmente por irem à escola”. E esses riscos são ainda maiores – disse o P. Orobator – quando se trata de meninas.

Ele chega assim a uma segunda conclusão: a violência baseada no género tem as suas raízes na psicologia sócio-cultural colectiva: qualquer sociedade que relega a mulher para segundo plano sobrecarregando-a de tarefas subalternas, cria condições propícias para violências baseadas no género e para o surgimento e desenvolvimento de ideologias moralmente depravadas.

Uma mulher instruída – prosseguiu o P. Orobatur – é vista como uma ameaça por tais ideologias. Uma mulher africana instruída, competente e independente, torna-se assim numa espécie perigosa.

Há que denunciar tudo isso através da escrita para se poder mudar as mentalidades.

“Precisamos de fortes e audazes vozes da fé, esperança e caridade; de mulheres que releiam e reinterpretem os textos sagrados do mundo das religiões, desafiando a patriarcal e misógina hermenêutica a que culturas e sociedades nos habituaram.”

Há que modelar de forma criativa e inovativa uma nova sociedade em que as mulheres não sejam submetidas às expectativas da classe masculina dominantes.

O P. Orobator afirmou não pretender ser o porta-voz das meninas raptadas em Chibok, disse todavia imaginar o seu sofrimento, e quem sabe, o arrependimento, pelo preço que estão a pagar, de terem sonhado ser um dia mulheres instruídas; disse imaginar os seus choros quotidianos, os seus lamentos, mantidas como estão no cativeiro por pessoas que combatem mortalmente as mulheres africanas instruídas.

E num crescendo de emoção e com lágrimas nos olhos o P. Orobater rematou:

“Se observarmos com atenção, há milhões de meninas de Chibok no nosso mundo impedidas de estudar pela conspiração da complacência cultural, pela discriminação com base no género e pela miopia política.

Há milhões de meninas de Chibok cuja sonho de instrução foi entroncado por mentalidades activistas que consideram as mulheres como bens comerciais à sua disposição ou como moeda útil a preservar para a engenhosa máquina da superioridade de género.

Há milhões de meninas de Chibok cujo destino desafia a nossa pretensão de uma globalização e progresso tecnológico sem rival no século XXI.

Há milhões de meninas de Chibok cujos dons singulares para a humanidade podem ser perdidos para sempre devido ao terrorismo que faz das escolas matadouros de civilização – de qualquer civilização.

Essas são meninas que temos de libertar; estas são as meninas, cuja libertação interpela as nossas consciencias.”

O P. Orobator fez notar ainda que embora a nossa época seja campeã em avanços tecnológicos, continuamos a ser largamente não educados na arte de honrar a dignidade da mulher, de fazer reverência ao seu espírito insubmisso e de engrandecer os seus inalienáveis direitos, em benefício da sociedade.

“A não ser que e enquanto não formos excelentes neste tipo de educação, considero que o nosso mundo permanecerá a meio caminho, incompleto e violado. Temos de trazer de volta as nossas meninas. Obrigado!” 

(DA)








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