Fez no passado dia 14 deste mês de Abril um ano que Boko Haram raptou na Nigéria 276 meninas duma escola de Chibok, no Nordeste do país. O aniversário voltou a reavivar a campanha internacional “Bring Back Our Girls” que mobilizou não só a sociedade civil nigeriana, especialmente mulheres, como também figuras de relevo internacional: desde Michelle Obama, a jovem Nobel da Paz, Malayala, etc.
O neo-eleito Presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, já prometeu fazer de tudo para encontrar as meninas e restituí-las vivas aos seus familiares, mas disse não garantir a 100% que o possa fazer.
A questão das alunas raptadas em Chibok foi recordada no dia 8 de Março no evento “Voices of Faith” que pelo segundo ano consecutivo foi organizado, por algumas fundações femininas, no Vaticano.
Um dos convidados foi o P. jesuíta nigeriano, Emmanuel Orabatur, que na sequência desse rapto, mesmo sabendo o risco que corria de ser preso ou preseguido, tomou a iniciativa de escrever uma carta ao Presidente da Nigéria e Comandante em Chefe das Forças Armadas, Goodluck Jonathan, pedindo a sua imediata demissão pela sua grande incúria em relação ao seu dever constitucional de proteger as meninas da Escola de Chibok.
É que - justificou – “como jesuíta o seu papel e ministério compreendem a denuncia da injustiça e os males sociais que violam a mensagem de Jesus Cristo, que é uma mensagem de compaixão, atenção para com o outro e solidariedade para com os mais vulneráveis”.
O P. Orobator disse ter pensado inicialmente que a coisa teria sido muito diferente e imediatamente resolvida se uma das raptadas fosse filha do Presidente ou de alguma outra rica e importante personalidade política. Mas depois, reflectindo profundamente, deu-se conta de que o problema não era porque elas não eram filhas de potentes e ricos políticos. Era simplesmente por serem meninas, uma categoria de pessoas, em relação à qual, cultura e sociedade conspiram activamente no sentido de as considerar cidadãs de segunda classe, como filhas de um Deus menor – disse o P. Orobator, acrescentando que a menos que e enquanto não nos confrontarmos seriamente com essas crenças desviantes segundo as quais as meninas não contam nas prioridades de género, a impunidade de grupos como Boko Haram, Al Quaeda e Al-Shaban e o seu fanatismo continuarão.
O P. Orobator chegou assim a uma primeira conclusão de que o rapto das alunas da escola de Chibok é consequência de uma prévia violação dos direitos fundamentais das meninas, especialmente o direito à educação.
Afirmação que justificou referindo que os dados estatísticos sobre a educação na África sub-shariana mostram claramente que o acesso das meninas à educação é muito inferior ao dos rapazes.
Há muitos factores que segundo o P. Orobatur determinam isso: um deles é que em muitas sociedades da África sub-sahariana a menina é considerada com base no seu valor económico que está ligado à tez da sua pele, à sua altura e, quando é instruída, nalgumas partes da Nigéria, o seu valor é calculado com base no seu nível de educação.
Então, os preconceitos culturais, a indiferença social, os maus cálculos económicos, políticas inadequadas, o fanatismo religioso, tudo combinado, contribui para reduzir ainda mais as poucas chances que tem uma menina de estudar.
O P. Orobator faz ainda notar como o slogan “educar uma menina é educar uma nação” raramente se traduz em realidade porque, paradoxalmente, esta equação acaba por se revelar desfavorável às meninas.
Este jesuíta nigeriano residente no Quénia, recorda também o terrível massacre numa escola do Paquistão por obra dos talibãs em Dezembro de 2014 e cita palavras do Primeiro Ministro britânico, David Cameron, a este respeito: “é horrível que crianças sejam mortas, simplesmente por irem à escola”. E esses riscos são ainda maiores – disse o P. Orobator – quando se trata de meninas.
Ele chega assim a uma segunda conclusão: a violência baseada no género tem as suas raízes na psicologia sócio-cultural colectiva: qualquer sociedade que relega a mulher para segundo plano sobrecarregando-a de tarefas subalternas, cria condições propícias para violências baseadas no género e para o surgimento e desenvolvimento de ideologias moralmente depravadas.
Uma mulher instruída – prosseguiu o P. Orobatur – é vista como uma ameaça por tais ideologias. Uma mulher africana instruída, competente e independente, torna-se assim numa espécie perigosa.
Há que denunciar tudo isso através da escrita para se poder mudar as mentalidades.
“Precisamos de fortes e audazes vozes da fé, esperança e caridade; de mulheres que releiam e reinterpretem os textos sagrados do mundo das religiões, desafiando a patriarcal e misógina hermenêutica a que culturas e sociedades nos habituaram.”
Há que modelar de forma criativa e inovativa uma nova sociedade em que as mulheres não sejam submetidas às expectativas da classe masculina dominantes.
O P. Orobator afirmou não pretender ser o porta-voz das meninas raptadas em Chibok, disse todavia imaginar o seu sofrimento, e quem sabe, o arrependimento, pelo preço que estão a pagar, de terem sonhado ser um dia mulheres instruídas; disse imaginar os seus choros quotidianos, os seus lamentos, mantidas como estão no cativeiro por pessoas que combatem mortalmente as mulheres africanas instruídas.
E num crescendo de emoção e com lágrimas nos olhos o P. Orobater rematou:
“Se observarmos com atenção, há milhões de meninas de Chibok no nosso mundo impedidas de estudar pela conspiração da complacência cultural, pela discriminação com base no género e pela miopia política.
Há milhões de meninas de Chibok cuja sonho de instrução foi entroncado por mentalidades activistas que consideram as mulheres como bens comerciais à sua disposição ou como moeda útil a preservar para a engenhosa máquina da superioridade de género.
Há milhões de meninas de Chibok cujo destino desafia a nossa pretensão de uma globalização e progresso tecnológico sem rival no século XXI.
Há milhões de meninas de Chibok cujos dons singulares para a humanidade podem ser perdidos para sempre devido ao terrorismo que faz das escolas matadouros de civilização – de qualquer civilização.
Essas são meninas que temos de libertar; estas são as meninas, cuja libertação interpela as nossas consciencias.”
O P. Orobator fez notar ainda que embora a nossa época seja campeã em avanços tecnológicos, continuamos a ser largamente não educados na arte de honrar a dignidade da mulher, de fazer reverência ao seu espírito insubmisso e de engrandecer os seus inalienáveis direitos, em benefício da sociedade.
“A não ser que e enquanto não formos excelentes neste tipo de educação, considero que o nosso mundo permanecerá a meio caminho, incompleto e violado. Temos de trazer de volta as nossas meninas. Obrigado!”
(DA)
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