Editorial: Um presente cheio de futuro


Cidade do Vaticano (RV) - Nesta Semana Santa uma imagem girou o mundo. Uma criança síria levanta os braços diante de um fotógrafo, pensando que ele fosse um soldado, um agressor; o gesto era de entrega, estava capitulando. A foto foi tirada em um campo de refugiados na Síria a 10 Km da fronteira com a Turquia, por um fotógrafo turco. O olhar da criança era um olhar assustado, olhos parados e fixos, circundados pela expressão de ternura que só uma criança pode fazer. Expressão de simplicidade, originalidade, de indefesa.

O olhar da criança, misturado com o gesto espontâneo de levantar os pequeninos braços em direção aos céus demonstra o quanto se tornou instintivo para os habitantes da Síria, e principalmente para as crianças, o ato de levantar os braços, quase dizendo, eu não tenho armas, eu sou somente uma criança, eu quero viver. O olhar desta criança é o olhar do terror da guerra, de quem vive a guerra, sem fazer guerra.

“Eu estava usando uma teleobjetiva e a criança pensou que fosse uma arma”, disse o autor da foto. “Eu só percebi que a menina estava aterrorizada depois que eu tirei a foto, porque ela mordeu os lábios e se rendeu. Normalmente, completa o fotógrafo, as crianças fogem, escondem o rosto ou sorriem quando veem uma câmera, ela não, estava aterrorizada”.

A imagem desta criança é o emblema da imagem e situações de milhões de crianças ao redor do mundo, de crianças muitas vezes largadas ao seu destino. Muitas são apátridas, ou seja, que não têm um lugar fixo onde viver e muito menos direitos: direito a ser bem alimentada, bem cuidada, direito à educação, a uma família. Muitas foram separadas do seio familiar por causa da guerra e perseguições, sendo obrigadas a se tornarem adultas ainda com pouca idade. As denúncias sobre esta situação chovem de todas das partes e de todo tipo de Instituições: da Igreja Católica, do Papa à ONU.

Nos dias passados o representante da Santa Sé junto a ONU em Genebra colocou em evidência, falando diante do Conselho para os direitos do homem que o drama vivido na Síria levou mais de 10 milhões de pessoas a fugirem de suas casas, ou seja, quase a metade da população do país. Uma população privada de seus direitos mais elementares. O arcebispo denunciou que as crianças, os menores, “são recrutados para combater, às vezes sendo inclusive utilizados como escudos humanos nos ataques militares”. O chamado grupo do Estado Islâmico agravou a situação mediante o uso de crianças como terroristas suicidas, matando aqueles que pertencem a diferentes comunidades religiosas e étnicas, vendendo-os como escravos nos mercados, assassinando-os em massa e cometendo outras atrocidades.

As crianças representam cerca da metade da população de refugiados nos acampamentos do Oriente Médio e são o grupo demográfico mais vulnerável.

A atenção de Dom Tomasi sobre as crianças, vítimas da guerra, sacode mais uma vez a consciência dos potentes, dos líderes mundiais que podem intervir numa situação como essa: não é mais uma denúncia encima de denúncias precedentes; de dor encima de sofrimentos, mas sim uma luz que possa iluminar e fazer com que os olhares indiferentes daqueles que viram o rosto para quem sofre, percebam o sofrimento de tantas pessoas. É preciso olhar para o futuro deste povo, dessas pessoas, dessas crianças, que se tornam cada vez mais fantasmas em um mundo cada vez mais midiático. Quantas vidas perdidas; quantas esperanças perdidas ao longo do caminho; mas também, quantas esperanças ainda vivas.

A Comunidade Internacional parece ter calculado mal o alcance da crise síria, disse Dom Tomasi. “Muitos acreditavam que o fluxo de refugiados sírios era temporário e que esses refugiados deixariam os países de asilo dentro de poucos meses. Agora, depois de quatro anos de conflito, parece provável que estes refugiados continuem e que a população local terá que aprender a viver com eles ao seu lado”.

“A pedra do sofrimento foi removida deixando espaço à esperança”: uma evocativa imagem escolhida pelo Papa Francisco para descrever “o grande mistério da Páscoa” que celebramos, uma chave de leitura também para vivermos os dramas das guerras que afligem o nosso mundo hoje; dramas que tocam as nossas crianças, como a criança da fotografia. A Páscoa é um convite a termos esperança pois a nossa vida “não acaba diante da pedra de um sepulcro”; vai além com a esperança em Cristo que ressuscitou precisamente daquele sepulcro”.

Uma exortação a não celebrarmos a Páscoa com “a tristeza de quem se acomodou com os dramas e tristezas deste mundo”, mas com a “esperança de quem se abre para um presente cheio de futuro”, como são as nossas crianças. Feliz Páscoa a todos. (Silvonei José)

 








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