Pe. Enzo Bianchi: a "Lectio divina" nos presenteia o olhar de Deus


Cidade do Vaticano (RV) - “Deixar-se surpreender por Deus.” Este é o tema norteador do quarto dia de Exercícios espirituais que o Papa Francisco está vivendo na Casa “Divino Mestre” de Ariccia – próximo de Roma – junto a seus colaboradores da Cúria Romana. O método adotado pelo pregador dos Exercícios, Pe. Bruno Secondin, é o da “Lectio divina”. Para compreender melhor o que significa esta prática, a Rádio Vaticano tratou da questão com um especialista, o prior da Comunidade monástica de Bose, Pe. Enzo Bianchi, um dos primeiros a relançar a “Lectio” nos anos 70:

Pe. Enzo Bianchi:- “Em primeiro lugar, a ‘Lectio divina’ è um método de rezar a Palavra contida nas Sagradas Escrituras. É um método que remonta aos Padres da Igreja, mas que teve seu ápice na Idade Média com os monges cistercienses e certosinos, a ‘Página Sagrada’. Foi então que Guido o Certosino na “Scala claustralium’ definiu o método. É muito simples. É um método em que se preveem quatro momentos. Em primeiro lugar, a leitura do texto da Escritura e uma compreensão do texto a partir do modo como ele pode ser lido, como diz. Um segundo momento é dado pela meditação: trata-se de buscar no texto, eventualmente, de ajudar-nos com comentários, ou mesmo buscando trechos paralelos dentro da Escritura. O terceiro elemento é a oração: deixar-se inspirar pelo trecho lido para poder rezar. Se no trecho encontramos Jesus que perdoa a adúltera, é uma oração de pedido de misericórdia pelos pecados. Se Jesus nos dá o pão de seu corpo, é uma oração a fim de que possamos participar da mesa eucarística. Em suma, é justamente neste caso que a Escritura determina as intenções da nossa oração. E o último momento, que pode parecer o mais difícil – se chama contemplação –, é nada mais que buscar, após esta leitura, esta meditação e esta oração, ver a realidade do mundo com os olhos de Deus. A contemplação é o olhar de Deus: é o sentimento de Cristo sobre as coisas e é certamente o fruto dos primeiros três momentos da ‘Lectio divina’.”

RV: Os últimos papas, em particular, sempre convidaram, não somente sacerdotes, mas também leigos, a viverem esta experiência. O que faz criar um hábito da prática da ‘Lectio divina’?

Pe. Enzo Bianchi:- “Quando propus a ‘Lectio divina’ no início dos anos 70 parecia uma proposta fora do comum. A ‘Lectio divina’ já não era mais conhecida e foi então que iniciei aquele método. Mas logo em seguida João Paulo II, no final dos anos 90, depois Bento XVI e, mas tarde ainda, o Papa Francisco recomendaram a todos que a adotassem, porque é a maneira com a qual a Palavra de Deus se torna nosso alimento. É a maneira com a qual o Evangelho nos plasma, nos transforma, nos converte. Creio que se cada um, mesmo a pessoa mais simples, aquela que trabalha no mundo, a faz por dez, quinze minutos, por um tempo mínimo, vê que a sua vida muda dia após dia porque é plasmada pela Palavra. Somente se há essa escuta assídua, alimentamos a fé, tornamo-nos cristãos maduros, cristãos com a estatura de Cristo, como diz Paulo, tendo em nós, sobretudo, seus mesmos sentimentos.”

RV: Pensando na indiferença que hoje impera em muitos jovens em relação às coisas do Espírito, podemos quase dizer que a ‘Lectio divina’ é, para eles, uma proposta que não lhes diz praticamente nada. Qual a sua experiência a esse propósito?

Pe. Enzo Bianchi:- “Posso falar da minha experiência, e não se trata de uma experiência recente: os jovens que vêm até nós, à Comunidade de Bose, são numerosos durante o ano inteiro. Não lhes oferecemos outra coisa senão a ‘Lectio divina’. É claro, é preciso que a ‘Lectio divina’ seja, sobretudo, o Evangelho que se faz eloquente, que toque a vida diária dos jovens. Daí, uma escuta da ‘Lectio divina’ para os jovens é mais fácil hoje - temos que admitir, infelizmente – do que uma Missa, um Sacramento. Não deveria ser assim. Porém, hoje é assim, porque uma meditação é um sentimento que toca também os não-cristãos. Não nos esqueçamos que muitos, não a encontrando no cristianismo, na Igreja, porque não lhes é oferecido, muitas vezes se voltam para o Oriente, acabando em coisas que são estranhas à nossa cultura e que não dão, certamente, os frutos da Palavra de Deus que é o Evangelho.” (RL)








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