Editorial: Pobres, mestres de vida


Cidade do Vaticano (RV) – Passaram-se alguns dias da visita do Papa Francisco ao continente asiático, mais precisamente ao Sri Lanka e às Filipinas. Duas viagens, dois países, encontros diferentes. Na primeira parte da viagem a aproximação a uma realidade de mais de 30 anos de conflitos internos, de uma guerra civil que causou a morte de mais de 100 mil pessoas. Agora a semente lançada da reconciliação deve dar os seus frutos: cingaleses e tâmil devem buscar o caminho do perdão para que a reconciliação seja de fato real e duradoura. E o primeiro Santo do Sri Lanka, São José Vaz, canonizado por Francisco em Colombo, é o modelo de comportamento para um povo que deseja somente paz e um futuro, depois de ver tantos de seus filhos caírem por terra. Uma fé genuína que sobreviveu aos horrores de uma guerra entre irmãos.

Depois o mar de pessoas que invadiu as ruas de Manila, nas Filipinas, demonstrando que essa nação católica, que apesar das calamidades naturais que ceifaram a vida de milhares de pessoas inermes, construiu sua fé sobre a rocha e que nenhum tsunami poderá jamais abalá-la.

Para mim que tive a oportunidade de acompanhar Francisco ao Sri Lanka junto com os jornalistas da Rádio Vaticano a viagem não se arquivou com o retorno a casa, mas abriu uma grande porta sobre um mundo, para nós, pouco conhecido, ou conhecido de modo superficial apenas pelos jornais que sempre descrevem as tristezas que investem esta parte do planeta. Conhecemos um mundo que não é só um mundo exótico feito de elefantes que saúdam a passagem do Papa, desejando-lhe boa sorte, e de tufões que estão distantes de nós, mas também é a realidade de um planeta em que vivemos ao qual pertencemos e que nos chama a atenção.

Creio que esta viagem, como o próprio Papa Francisco disse, muito mais dos que as palavras, vão ficar os gestos, com o da menina que vivia na rua e que calou o mundo e fez o Papa se emocionar com a sua pergunta, fazendo com que Francisco deixasse de lado o discurso que tinha preparado: “por que as crianças sofrem”?

Francisco, com embargo na voz, o que já tinha acontecido no Sri Lanka rezando no Santuário mariano de Madhu, lugar símbolo do sofrimento, mas também da reconciliação de um povo, conversando com os jovens, confessou sem temor, que era a única pergunta à qual ele não tinha resposta.

 

Por que as crianças sofrem? Por que a miséria existe? Por que uma mãe, um pai, devem chorar a perda de um filho em meio à indigência? Por que as guerras ainda sobrevivem aos homens? Por que Deus continua sendo rejeitado por uma sociedade opulenta e egoísta? Por que o nome de Deus ainda é usado para justificar a morte e a violência. São tantas outras perguntas que talvez tenhamos uma resposta e que poderiam ainda serem feitas em contextos diferentes. Mas a pergunta, por que as  crianças sofrem? Não.

Francisco não teve e não tem receio de enfrentar questões que atormentam o mundo. O Santo Padre não estava na periferia do mundo, - como muitos jornais sentenciaram o destino da sua viagem, ainda que seja distante de Roma geograficamente -, pois a periferia pode estar dentro de nossas casas, onde as urgências são iguais, os dramas se assemelham e as dores tem a mesma intensidade. O Papa estava diante de uma realidade com a qual se deparou, deixando-se interpelar por ela, e colocando de lado os textos escritos, foi ao âmago do momento vivido. Esta “realidade que é sempre superior à ideia – afirmou – é a realidade que vocês apresentaram, que vocês vivem, e é superior a todas as respostas que eu tinha preparado”!.

Espontânea a nossa pergunta: de tudo o que vimos e ouvimos então, o que aprendemos, o que sobrou?

Vimos o sofrimento no rosto de pessoas que sobreviveram à guerra e ao drama do tufão Yolanda: “Diante da dor daquelas pessoas – disse o Papa aos jornalistas – eu me senti abatido, a voz quase não saía”. Certas realidades da vida podem ser vistas somente com os olhos limpos das lágrimas, cunhou Francisco. “Aprendemos a chorar? A sofrer com quem sofre? Vimos multidões de pobres: aprendemos com eles? “Dos pobres se recebe”, se vai até os pobres para receber. É quase uma inversão de modo evangélico, de décadas de assistencialismo, evitando certas interpretações sociológicas.

Nestes dias aprendemos que os pobres nos evangelizam e nos demonstraram isso com gestos e palavras fortes: tocaram-nos com suas maneiras simples e humildes de serem Igreja, povo de Deus. Tocaram-nos muito mais do que os quilos de tinta de jornais e espaços na internet que chamaram a atenção para as expressões como a “do punho” a quem insulta a mãe ou “dar um chute onde não bate o sol”, referindo-se à reação aos corruptos, ou ainda sobre “o limite da liberdade de expressão” esquecendo que toda liberdade tem um limite no bem comum.

Vimos nestes dias com o Papa Francisco a realidade de povos que com a sua simplicidade e fé são fontes de inspiração, que contribuem para que o nosso mundo seja um mundo melhor e que o homem seja também ele melhor.

Francisco foi confirmar a fé e estar próximo dos que sofrem e nos mostrou um modelo de Igreja atenta aos pobres, que cuida dos sofredores, que é pobre e está próxima dos pobres. Um modelo para toda a Igreja porque não olha para os pobres de modo paternalista ou assistencialista, mas como mestres de vida. Sim porque os pobres ensinam que o homem vale por aquilo que é, não por aquilo que tem, além disso, ensinam a confiança em Deus e na sua Providência. (Silvonei José)








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