Redes de relações e amizades no Concílio


Cidade do Vaticano (RV) – No nosso Espaço Memórica Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a tratar das redes de relações e articulações, e também das amizades surgidas durante o evento conciliar.

Durante o Concílio Vaticano II, ocorreram alguns embates fundamentais de natureza teológica, bíblica, litúrgica, sócio-cultural e institucional. Confrontaram-se duas teologias básicas. De um lado, a teologia dogmática, que defendia as verdades abstratas, universais e imutáveis e de outro a teologia hermenêutica que pretendia interpretar a revelação de Deus para o mundo de hoje. O confronto deu-se especialmente na discussão sobre as “fontes da revelação” e, de modo especial, sobre a Escritura. Mas se por um lado se debateram idéias, por outro também se estabeleceram sólidas amizades.

Cada bispo que participava do Concílio, pertencia a um emaranhado de relações complexas onde as múltiplas pertenças institucionais, como congregação religiosa, nacionalidade, língua, entre outras,  disputavam espaço e tempo com novas pertenças por opção ou por eleição ou atribuição em alguma comissão conciliar.

Participação brasileira

Na tese “Padres conciliares brasileiros no Vaticano II”, o Padre José Oscar Beozzo ilustra este quadro, citando o caso de Dom Pedro Paulo Koop, eleito Bispo de Lins em 1964. No dia seguinte à sua sagração episcopal em Bauru, onde fora Vigário da Igreja Santa Therezinha, veio para Roma para participar da terceira sessão do Concílio. Por ser holandês, ligou-se imediatamente à Conferência Episcopal Holandesa e aos teólogos do país. Entrou também no grupo dos bispos holandeses de diferentes ordens e congregações, missionários na África, Ásia e América do Sul, estabelecendo também estreitas relações com o DOC (Documentação holandesa no Concílio). Como membro da Congregação dos Missionários do Sagrado Coração, com numerosos bispos missionários na Indonésia e em outras regiões do mundo, acabou integrando-se também a este. Estabeleceu ainda estreita e duradoura amizade com dois bispos, que ocupavam assentos à sua esquerda e direita na aula conciliar, fato não raro durante o Concílio.

Dom Helder Câmara deixou um depoimento sobre seu vizinho na Sala Conciliar:

     “Ontem na Basílica, houve três fatos dignos de registro:

     Meu vizinho, nas três sessões conciliares vem sendo sempre Mons. Victor Basin, francês, Arcebispo de Rangoon (Birmânia). Mudo de lugar. Passo da esquerda para a direita, da direita para a esquerda e o vizinho é sempre o mesmo.

     Os dois, graças a Deus, jamais faltamos a uma só das 170 assembléias do Concílio. Os dois sempre votamos juntos: porque pensamos e reagimos sintonizadamente. Ajudamo-nos. Somos companheiros do Ecumênico e irmãos de esperanças e sustos. Ontem, pela primeira vez, a Sessão começou e Basin não veio. Apareceu-me no fim da Assembléia, comovidíssimo. Tinha acabado de cumprir um dever difícil: o homem novo, me disse, dança e canta dentro de mim; o homem velho estrebucha...

     Voltava da S. Congregação da Propagação da Fé. Convicto de que é hora de por à frente de Rangoom, um birmaniano, fora apresentar sua renúncia e pedir a nomeação de um nativo. ‘És feliz, filho de Augusto: a carne e o sangue são incapazes deste gesto. Agiu em ti e contigo o meu Pai que está no céu’. É muito fácil exigir, dos outros, gestos cujo heroísmo nems empre sabemos medir...

     Enquanto estava vazia a cadeira de Mons. Basin, vi sentar-se nela um jovem e belo oriental, vestido de veludo roxo, que anunciava um membro da Igreja Ortodoxa. Era o Arquimandrita Oriental André Scrima, representante pessoal do Patriarca Athenagoras no Concílio. Ele estivera em Domus Mariae, agradando enormemente”.

(Fonte: Padres conciliares brasileiros no Vaticano II: Participação e Prosopografia. 1959 - 1965. Pe. José Oscar Beozzo)

 

 








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