Padre Lombardi: Discurso final do Papa deu a chave de leitura do Sínodo
Cidade do Vaticano (RV) - Nunca no passado um Sínodo havia chamado tanto a
atenção como o da Família, realizado nos dias passados no Vaticano. Também foi intenso
o debate desencadeado entre as comunidades locais de fiéis sobre o tema que, evidentemente,
apaixona pois é visto como fundamental na vida de todos. O nosso colega Alessandro
Gisotti, do Programa Italiano, entrevistou o Diretor da Sala de Imprensa da Santa
Sé sobre os trabalhos do Sínodo, o modo como foi vivido pelo Papa Francisco e o aspecto
da comunicação nos trabalhos da assembléia sinodal:
Pe. Lombardi:
“Me pareceu realmente uma experiência muito particular e muito diferente daquela
dos Sínodos precedentes, porque – como foi dito e repetido e como o Papa Francisco
explicou - esta vez tratou-se de uma etapa de um caminho que não constituiu um Sínodo
fechado em si mesmo, um episódio concluído, mas um momento de um longo e aprofundado
discernimento da Igreja como comunidade a caminho. E isto foi vivido intensamente.
Entre outras coisas, o Papa escolheu justamente este itinerário complexo, porque aqui
se trata de enfrentar temas muitos difíceis, muito apaixonantes, ligados à vida, à
experiência da comunidade da Igreja em toda a sua dimensão: o Povo de Deus, os fiéis,
os leigos e também os pastores como responsáveis por este caminho. Portanto se tratava
de temas não especificamente doutrinais por assim dizer, mas doutrinais e pastorais
conjuntamente. E isto tornou este Sínodo particularmente envolvente e particularmente
seguido. Alguém fez inclusive um paralelo com o Concílio Vaticano II e este não é
um paralelo fora da realidade. Como João XXIII, com o Concílio, colocou em caminho
a Igreja universal, naturalmente, em horizontes muito mais amplos, que dizem respeito
à sua vida em todas as suas dimensões; o Papa Francisco colocou em caminho a Igreja
universal sobre um tema mais específico como o da família, que porém é extremamente
envolvente. E o fez conseguindo envolver, graças também a este método complexo e articulado,
a comunidade da Igreja em todos os seus níveis: começou com a consulta nas comunidades;
depois envolveu o Colégio Cardinalício no Consistório; após todos os Presidentes
das Conferências Episcopais com este Sínodo; depois se relança por parte das Conferências
Episcopais nas comunidades em todo o mundo; e depois se retorna em um Sínodo Ordinário
e portanto, com uma representação ampliada dos bispos e provavelmente também de observadores,
de ouvintes que representam o conjunto da comunidade da Igreja. Portanto, um envolvimento
da comunidade em caminho, em busca de temas que há muito tempo não conhecemos – não
que tenham sido improvisados, foi bem outra coisa – mas que realmente pediam uma reflexão
mais sistemática, mais aprofundada e comunitárias sobre sua natureza pastoral e doutrinal”.
RV:
Este é o primeiro Sínodo de Francisco como Papa, obviamente como Cardeal havia participado
de outros sínodos e também com papeis importantes. Como o senhor viu o Santo Padre
neste Sínodo? O senhor teve, de algum modo, a possibilidade de trocar algumas palavras
com ele sobre os andamentos dos trabalhos?
Pe. Lombardi: “O
Papa, neste Sínodo, seguiu uma linha muito precisa, que havia previsto, e que foi
a de se pronunciar com a homilia de abertura, na Missa de abertura, e na primeira
Congregação, e depois escutar. Quis escutar por todo o tempo, sem interferir pessoalmente,
justamente para deixar o espaço da liberdade de expressão que ele muito, muito encorajou
com o seu breve e forte pronunciamento na primeira Congregação Geral, convidando realmente
todos a falar com total clareza, com total liberdade, sem ter a mínima preocupação
daquilo que ele mesmo poderia pensar ou sentir. Quis garantir uma plena liberdade
e isto foi muito, muito apreciado e se refletiu efetivamente sobre a dinâmica do Sínodo.
Depois, ficou em silêncio até o discurso final de sábado à noite, em que tirou um
pouco a linha da experiência espiritual do Sínodo como evento eclesial e espiritual.
O fez com uma autoridade extraordinária. Acredito que efetivamente sem este discurso
final do Papa de sábado à noite, e a homilia após na Beatificação de Paulo VI, mas
sobretudo no discurso final de sábado à noite, o Sínodo teria ficado um pouco incompleto
e não lido na chave da fé, que é aquela que verdadeiramente o inspirou e motivou na
mente de Papa. Portanto, o Papa interveio no início e no fim: durante não interferiu.
Porém, todos aqueles que tiveram que tratar com ele, sempre o encontraram extremamente
sereno, mesmo nos momentos em que podia parecer que houvesse tensão ou discussão dentro
do Sínodo. Isto nunca o perturbou. Ele sempre se manteve extremamente confiante na
guia do Espírito – digamos assim – e portanto, na capacidade da comunidade da Igreja
e do Sínodo em particular, de participar de uma busca espiritual, de uma busca do
bem da Igreja, que no final, teria encontrado a sua orientação numa perspectiva correta
e não em uma perspectiva simplesmente humana ou de tensões internas, mas seria reconduzido
ao seu sentido, à sua natureza espiritual verdadeira pela ajuda do Senhor e ele, o
Papa como guia, repropôs com autoridade a sua responsabilidade justamente pela condução,
segundo a vontade de Deus, do caminho da Igreja. Este tema do discernimento espiritual,
que tocou com profundidade no último discurso, permanece extremamente importante também
para a continuação do processo do Sínodo. Esta é a verdadeira chave de leitura de
todo o processo do Sínodo, e o Papa, que é um homem de fé, o vive nesta perspectiva
e nesta chave. Por isto podemos ter a confiança de que o Sínodo alcançará, em todo
o seu caminho, a uma meta positiva para a Igreja”.
RV: Qual
é o seu parecer sobre a forma como foi acompanhado de fora o Sínodo, que despertou
grande interesse mundial?
Pe. Lombardi: “O problema,
do meu ponto de vista, é sempre aquele da profundidade com que se compreende o que
esteja acontecendo e qual é o caminho da Igreja. O que geralmente falta é uma insuficiente
compreensão a nível de fé, o que para a Igreja é essencial. O discurso final do Papa
ajudou e deveria ajudar a todos a entrar neste nível de profundidade. Não se trata
de avaliar o Sínodo do ponto de vista dos alinhamentos, do ponto de vista também do
governo da Igreja por parte do Papa como um problema de caráter estratégico humano,
mas se trata de entender que o Papa desejou que a Igreja se colocasse em caminho e
a Igreja efetivamente colocou-se em um caminho de busca da vontade de Deus, à luz
do Evangelho e à luz da fé, para encontrar respostas às questões mais vivas da família
e em um certo sentido também da antropologia, da condição do homem e da mulher no
mundo de hoje. Se colocou em caminho com uma liberdade e com uma capacidade de escuta
recíproca muito, muito grande e também com uma grande confiança, sem temor. O peregrino
que caminha buscando a vontade de Deus, num certo sentido, não sabe onde chegará –
como Abraão que caminha guiado pelo Senhor – mas sabe que o Senhor o acompanha e portanto
está confiante; sabe que irá na direção justa se continua a seguir confiantemente
as indicações do Senhor com uma busca espiritual conduzida comunitariamente, mas sob
a luz do Evangelho. Isto é aquilo que geralmente em uma visão externa vem a faltar,
enquanto é extremamente importante que nós o tenhamos muito presente e que este seja
justamente o espírito com o qual, agora, o caminho continue, com o qual o caminho
sinodal continua entre um Sínodo e o outro, entre o Extraordinário e o Ordinário.
Eu observaria também que agora, graças ao fato de que todos os Presidentes das Conferências
Episcopais participaram deste Sínodo Extraordinário e que estiveram, portanto, também
envolvidos pessoalmente nesta experiência tão intensa, é muito provável que o relançar
da reflexão seja profundo, seja eficaz, seja realmente articulado em todas as conferências
episcopais guiadas por pessoas que foram tocadas pessoalmente por esta experiência,
e que portanto, se chegue, com uma experiência comunitária muito mais ampla e profunda,
ao próximo Sínodo Ordinário do ano vindouro, como o Papa deseja”. (JE)