Arcebispo Tomasi: desarmar autoproclamado Estado islâmico e impedir genocídio com
ajuda dos muçulmanos
Cidade do Vaticano (RV) - A Igreja não pode ficar em silêncio diante da violência
e das perseguições desencadeadas no Oriente Médio contra as populações inermes, assim
como a comunidade internacional não deve "ficar neutral entre os agredidos e o agressor".
Essas
foram palavras do Cardeal Secretário de Estado, Pietro Parolin, na missa celebrada
na manhã de sábado passado, na Capela Paulina, junto aos núncios apostólicos nos países
médio-orientais, após o encontro no Vaticano com os superiores da Cúria Romana.
A
Rádio Vaticano ouviu o observador permanente da Santa Sé no escritório da ONU em Genebra,
na Suíça, Dom Silvano Maria Tomasi, que traça um balanço do encontro:
Dom
Silvano Maria Tomasi:- "O encontro em si é um sinal de solidariedade da Igreja
com as comunidades cristãs e com todas as vítimas da violência em andamento no Oriente
Médio. O Papa Francisco, que abriu os trabalhos, quis ressaltar com a sua presença
a continuidade com seus gestos precedentes: a visita à Terra Santa, o encontro com
os presidentes da Palestina e de Israel, aquele contínuo chamado em suas mensagens
à necessidade da paz em todo o Oriente Médio, especialmente na Síria e no Iraque.
De fato, o encontro foi ocasião para uma análise mais aprofundada da situação, a busca
de propostas éticas, operacionais, mas no contexto de uma visão mais completa que
parte do valor da pessoa humana prescindido de qualquer orientação e convicção."
RV:
Qual é o caminho preferencial para fazer ouvir a voz da Igreja em favor do direito
à vida e à liberdade religiosa?
Dom Silvano Maria Tomasi:- "Em primeiro
lugar, o objetivo, claramente, é frear a violência de modo que no Oriente Médio se
chegue a uma situação que permita o desenvolvimento, o crescimento econômico e humano.
Também esses países podem dar uma contribuição construtiva para a comunidade internacional.
A desestabilização em curso de países inteiros, a "produção", diria quase, de milhões
de refugiados e de deslocados, apresentam novas interrogações à comunidade internacional
e à consciência de todos. Em primeiro lugar, torna-se urgente enfrentar o chamado
Estado islâmico, que é, de certo modo, a causa imediata de delitos enormes horríveis,
da venda de mulheres ao mercado, à decapitação de pessoas, à violação sistemática
dos direitos humanos mais fundamentais e de crimes contra a humanidade. A situação
é tal que suscita a exigência, não somente a grupos particulares como as comunidades
cristãs, mas a toda a sociedade, que se busque uma resposta. O caminho para encontrar
soluções é muito complexo, porque as modalidades de uma possível intervenção se embatem
na complexidade da situação política: existem mercenários, conflitos regionais de
competição pelo domínio da região, interesses globais de grandes potências internacionais
que têm interesses imediatos no Oriente Médio."
RV: Existem iniciativas
concretas que possam sensibilizar governos e opinião pública, garantir paz e segurança,
colocando quem agride em condições de não mais agredir?
Dom Silvano Maria
Tomasi:- "Em primeiro lugar, diria que o primeiro passo é coordenar-se por uma
eficiência real para levar ajudas humanitárias a estas comunidades que foram erradicadas
de suas casas, de suas propriedades. O inverno se aproxima, por isso não podem ficar
sob tendas ou lonas de plástico: para sobreviver precisam de proteção de casas e de
manter vivo o princípio fundamental de direito ao retorno. Retorno não somente a suas
casas, a suas propriedades, mas também a viver com uma certa segurança em seus vilarejos
e nas cidades das quais foram expulsos. Por isso, o segundo passo concreto é o de
entender como prevenir a possibilidade de um genocídio destas pessoas e o de tornar
realística a possibilidade de retorno. Mas, para fazer isso, é preciso eliminar ou
desmantelar o controle deste grupo fundamentalista e terrorista. E aí se coloca o
problema do uso da força. O Santo Padre diz que devemos caminhar na direção de desarmar
o injusto agressor. Para fazer isso não é necessária uma guerra, mas se podem utilizar,
particularmente, sanções, tirar o apoio político a esses grupos fundamentalistas,
não comercializar e comprar o petróleo que gera dinheiro graça ao qual podem comprar
armas e, sobretudo, bloquear o tráfico e o envio de armas a essas pessoas. Evidentemente,
o uso da força deve ser tal de modo a poder obter um resultado positivo e não fazer
um dano maior do que o que se quer corrigir. Aí temos que proceder todos com muita
prudência e muita atenção, de modo a não dar a impressão que seja uma guerra em defesa
de interesses particulares. Por isso, penso que seja importante que participem na
ação os países de maioria muçulmana da região, mostrando que essa é uma ocasião importante
para esclarecer do ponto de vista da tradição islâmica que a violência não é justificada
pela religião, mas que se trata de abusos, de ações fundamentalistas pela busca sobretudo
de poder.
RV: Muitos jovens muçulmanos espalhados pelo mundo estão expressando,
através das redes sociais, seu verdadeiro dissenso ao que está acontecendo no Oriente
Médio. Como o senhor interpreta essa tomada de posição?
Dom Silvano Maria
Tomasi:- "Parece-me que chegamos a um momento crucial para o próprio Islã. A crise
pode ser uma ocasião para mostrar sua verdadeira face que não é uma face de violência,
mas de vontade de ser um recurso para as populações que creem nesta religião." (RL)