Cidade do Vaticano (RV) - O Papa chorou em terras
albanesas, e a emoção de Francisco fez o giro do mundo. Mas por que o Papa chorou?
Bergoglio se comoveu e comoveu o mundo, quando ouviu o testemunho de um sacerdote
e de uma religiosa antes da celebração das Vésperas no último domingo na Catedral
de São Paulo, na capital albanesa. O testemunho do sacerdote e da religiosa fez os
presentes mergulharem no passado de um país que padeceu a violência da perseguição
religiosa: ambos contaram suas experiências pessoais, durante o antigo regime ditatorial
e de perseguições contra a Igreja e o clero no país.
Os dois sobreviventes
do martírio na Albânia testemunham na Catedral de Tirana a sua fé incondicional a
Cristo... e o Papa Francisco, chorou.
Bergoglio improvisando seu discurso
– disse que não pronunciaria o seu discurso preparado - ficou tão emocionado que não
deixou passar aquele momento em branco e com voz embargada, disse: “Hoje quando retornarmos
a casa pensemos sobre isso, hoje tocamos os mártires”. Francisco confidenciou que
tinha se preparado muito para esta visita ao país das águias, lendo a história de
perseguição na Albânia, mas para ele – foi outra confidência - foi uma surpresa, pois
não sabia que esse povo tinha sofrido tanto. “Uma nação de mártires”, acrescentou.
A
Igreja da Albânia depois de décadas de sofrimento, vinte anos atrás conheceu a luz
da liberdade, abandonou o longo inverno da perseguição, do silêncio de catacumba,
imposto por um regime que se dizia ateu. A liberdade de um país que teve sua fé machucada
pela opressão, tem hoje o rosto, o sorriso e a paz expressa pelos dois religiosos
que deram seu testemunho diante do Papa e do mundo. Dois religiosos que, até o fim,
contra a corrente, jamais abandonaram aquele amor que tudo consola, o amor a Jesus
Cristo. São os rostos envelhecidos e os corpos curvados de padre Ernest Simoni, 84
anos e da irmã Marije Kaleta, 85 anos.
O testemunho e a coragem desses dois
filhos da Igreja, junto com o modelo de convivência de um povo composto por várias
religiões, são as chaves que nos permitem abrir a porta e compreender o significado
da viagem do Papa Francisco a uma terra que foi banhada pelo sangue de fiéis inocentes.
Este país reerguendo-se das cinzas de um passado a ferro e fogo, constrói
hoje um modelo de fraternidade, não só para os Bálcãs, região onde se encontra, mas
para toda a Europa, que, mais do que nunca, necessita de sentido de pertença e de
voltar aos valores sobre os quais foi construída. Na sua mensagem no livro de Ouro
no Palácio Presidencial, Papa Francisco recordava o seu afeto a esse povo: com “respeito
e admiração pelo seu testemunho e fraternidade para levar o país em frente”.
Nesta
terra, não distante do Vaticano – pouco mais de uma hora de vôo – o Bispo de Roma
não usou meios termos para falar ao mundo sobre uma verdade que jamais pode ser discutida:
“Ninguém pense que pode usar Deus como escudo enquanto projeta e pratica atos de violência
e de vexação!”. Disse ainda que “a religião autêntica é fonte de paz e não de violência”
e repetiu: “matar em nome de Deus é um grande sacrilégio!”. Palavras fortes e duras
que marcam o sentido profundo de uma viagem a um país que conheceu a tristeza da tentativa
de banir Deus da sua vida. Foi uma viagem a um país pequeno, de certo modo insignificante
no que diz respeito à economia, à política, à ação militar; um país da periferia.
Mas depois do último domingo, o mundo passou a conhecer um país, um povo, onde a cooperação
étnica e religiosa é exemplo para todos.
A Albânia conheceu o horror da guerra
e das perseguições, mas hoje percorre o caminho da paz, da convivência e da colaboração.
O Pontífice deixou o país dos Bálcãs com um recipiente de cristal com terra deste
país que deu ao mundo Madre Teresa de Calcutá, um presente entregue pelo primeiro-ministro
em nome de todos os albaneses. Quase para recordar que o mundo da solidariedade moderna
nasceu neste país, com aquela que se dizia “o lápis nas mãos de Deus”: ela o símbolo
daquela abnegação que tanto Francisco prega.
O Papa chorou em terras albanesas,
porque pôde ouvir da voz de mártires, que contaram as indizíveis atrocidades que o
homem é capaz de fazer contra o homem... e falaram com a serenidade de alguém que
encontrou a paz e recebeu o consolado de Deus. Assim o testemunho que chega do povo
da Albânia e da sua história é precioso neste tempo em que o nome de Deus é usado
para justificar a violência e o desvio do autêntico sentido da religião. (Silvonei
José)