Cardeal Ravasi: na vida do cristão presente e eternidade se encontram
Cidade do Vaticano (RV) - Promovida pelo Pontifício Conselho para a Cultura,
foi aberta na noite desta sexta-feira em Bolonha, norte da Itália, a iniciativa "Pátio
dos Gentios", edição esta dedicada ao tema do tempo. O evento foi inaugurado com um
diálogo entre o presidente do dicastério vaticano, Cardeal Gianfranco Ravasi, e o
famoso cantor e compositor italiano, Gino Paoli. Mas o que é o tempo segundo a concepção
cristã? Foi o que a Rádio Vaticano perguntou ao presidente do referido dicastério
dedicado à cultura. Eis o que disse:
Cardeal Gianfranco Ravasi:- "A
concepção cristã, diferentemente de certas outras concepções religiosas – pensemos
nas concepções indianas que não conhecem a categoria tempo e conhecem somente a categoria
da eternidade –, concebe uma espécie de entrelaçamento entre o tempo e a eternidade.
Deus não está relegado nos céus de sua transcendência somente: entra na história.
É por isso que a eternidade já está em pequena medida dentro do presente; é por isso
que a vida de graça, como se costuma dizer com a linguagem católica, é na prática
começar já a viver a vida da plenitude. Efetivamente, se declara: o Verbo se fez carne.
O Verbo estava em Deus, que era Deus, se fez carne, isto é, história, humanidade,
fragilidade. Mas as duas coisas estão juntas. Deus não é remoto e abstrato, o fiel
para chegar até Deus não deve decolar da realidade rumo aos céus míticos e de certas
místicas; deve, ao invés, viver dentro do presente – eis o empenho moral, o empenho
existencial – porque aí Deus se revela. A fidelidade ao hoje se torna fundamental.
Por isso no Evangelho segundo São João se dá muito relevo à hora, a hora de Jesus
é o momento em que o tempo e o eterno se entrelaçam. Para nós, de certo modo, é assim:
cada momento nosso tem em si uma aparição talvez de Deus, que não devemos deixar morrer,
apagar. A grande doença, sobretudo de nossa sociedade, a sociedade atual, é a indiferença,
a superficialidade."
RV: O tempo da oração pode ser considerado um tempo
vivido na eternidade?
Cardeal Gianfranco Ravasi:- "Isso é muito verdadeiro:
é o tempo da Liturgia. De fato, se olharmos bem, o sacerdote, quando celebra a Eucaristia
e chega ao momento da chamada Consagração, fala no presente e fala em primeira pessoa,
porque justamente se trata de um evento que se dá uma vez para sempre e que, porém,
continua, porque é eterno. Portanto, pode irradiar o tempo inteiro."
RV:
Este domingo o Papa encontrará os anciãos. Como o senhor vê esse encontro?
Cardeal
Gianfranco Ravasi:- "A velhice é comumente considerada, do ponto de vista da Bíblia,
sobretudo como o tempo da sabedoria. Infelizmente, porém, muitas vezes se dá que ou
de um lado são somente um peso para a sociedade, ou, de outro, eles mesmos querem
viver jovialmente, de modo quase ingênuo, porque provavelmente não têm mais um tesouro
a comunicar e a sociedade atual, que é muito frenética, não lhes dá muito crédito."
RV:
Pensando no Papa Francisco, muitos entre os que não professam nenhum credo apreciam
aquilo que definem um "Pontífice de ruptura com o passado". O senhor poderia nos ajudar
a entender, à luz da reflexão sobre o tempo, em que sentido a Igreja deve adaptar-se
ao tempo histórico em que vive, embora permanecendo filha da tradição?
Cardeal
Gianfranco Ravasi:- "A Igreja caminha sempre dentro da sua aventura histórica
numa crista: de um lado tem princípios que são permanentes e esses princípios naturalmente
permanecem, devem permanecer, são muito menos do que alguns pensam, porque a tentação
de reconduzir tudo a princípio é mais simples, é esquemática; de outro lado, porém,
não podemos nos esquecer que os princípios são para os homens, ou seja, para as pessoas,
para a vicissitude humana e, como tais, por isso, levam também, encarnando-se, o peso
da contingência, ou seja, o peso da cotidianidade e da história. Por esse motivo é
preciso que a Igreja ininterruptamente veja que eles fenecem, por vezes perdem força,
mas necessariamente devem ser lâmpada, luz que ilumina o caminho da história: portanto,
com mudanças, variações, com uma atenção para as questões, as interrogações que a
humanidade faz ininterruptamente ao longo dos séculos." (RL)