Cidade do Vaticano (RV) - Foi publicada na manhã desta terça-feira, 23, a Mensagem
“Igreja sem fronteiras, mãe de todos”, escrita pelo Papa Francisco para o Dia Mundial
do Migrante e do Refugiado, que a Igreja celebra domingo, 18 de janeiro de 205. A
seguir, a íntegra do texto:
Queridos irmãos e irmãs!
Jesus é «o evangelizador
por excelência e o Evangelho em pessoa» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 209). A sua
solicitude, especialmente pelos mais vulneráveis e marginalizados, a todos convida
a cuidar das pessoas mais frágeis e reconhecer o seu rosto de sofrimento sobretudo
nas vítimas das novas formas de pobreza e escravidão. Diz o Senhor: «Tive fome e destes-Me
de comer, tive sede e destes-Me de beber, era peregrino e recolhestes-Me, estava nu
e destes-Me que vestir, adoeci e visitastes-Me, estive na prisão e fostes ter comigo»
(Mt25, 35-36). Por isso, a Igreja, peregrina sobre a terra e mãe de todos, tem por
missão amar Jesus Cristo, adorá-Lo e amá-Lo, particularmente nos mais pobres e abandonados;
e entre eles contam-se, sem dúvida, os migrantes e os refugiados, que procuram deixar
para trás duras condições de vida e perigos de toda a espécie. Assim, neste ano, o
Dia Mundial do Migrante e do Refugiado tem por tema: Igreja sem fronteiras, mãe de
todos.
Com efeito, a Igreja estende os seus braços para acolher todos os povos,
sem distinção nem fronteiras, e para anunciar a todos que «Deus é amor» (1 Jo4, 8.16).
Depois da sua morte e ressurreição, Jesus confiou aos discípulos a missão de ser suas
testemunhas e proclamar o Evangelho da alegria e da misericórdia. Eles, no dia de
Pentecostes, saíram do Cenáculo cheios de coragem e entusiasmo; sobre dúvidas e incertezas,
prevaleceu a força do Espírito Santo, fazendo com que cada um compreendesse o anúncio
dos Apóstolos na própria língua; assim, desde o início, a Igreja é mãe de coração
aberto ao mundo inteiro, sem fronteiras. Aquele mandato abrange já dois milênios de
história, mas, desde os primeiros séculos, o anúncio missionário pôs em evidência
a maternidade universal da Igreja, posteriormente desenvolvida nos escritos dos Padres
e retomada pelo Concílio Vaticano II. Os Padres conciliares falaram de Ecclesia materpara
explicar a sua natureza; na verdade, a Igreja gera filhos e filhas, sendo «incorporados»
nela que «os abraça com amor e solicitude» (Const. dogm. sobre a Igreja Lúmen gentium,
14).
A Igreja sem fronteiras, mãe de todos, propaga no mundo a cultura do acolhimento
e da solidariedade, segundo a qual ninguém deve ser considerado inútil, intruso ou
descartável. A comunidade cristã, se viver efetivamente a sua maternidade, nutre,
guia e aponta o caminho, acompanha com paciência, solidariza-se com a oração e as
obras de misericórdia.
Nos nossos dias, tudo isto assume um significado particular.
Com efeito, numa época de tão vastas migrações, um grande número de pessoas deixa
os locais de origem para empreender a arriscada viagem da esperança com uma bagagem
cheia de desejos e medos, à procura de condições de vida mais humanas. Não raro, porém,
estes movimentos migratórios suscitam desconfiança e hostilidade, inclusive nas comunidades
eclesiais, mesmo antes de se conhecer as histórias de vida, de perseguição ou de miséria
das pessoas envolvidas. Neste caso, as suspeitas e preconceitos estão em contraste
com o mandamento bíblico de acolher, com respeito e solidariedade, o estrangeiro necessitado.
Por
um lado, no sacrário da consciência, adverte-se o apelo a tocar a miséria humana e
pôr em prática o mandamento do amor que Jesus nos deixou, quando Se identificou com
o estrangeiro, com quem sofre, com todas as vítimas inocentes da violência e exploração.
Mas, por outro, devido à fraqueza da nossa natureza, «sentimos a tentação de ser cristãos,
mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor» (Exort. ap. Evangelii gaudium,
270).
A coragem da fé, da esperança e da caridade permite reduzir as distâncias
que nos separam dos dramas humanos. Jesus Cristo está sempre à espera de ser reconhecido
nos migrantes e refugiados, nos deslocados e exilados e, assim mesmo, chama-nos a
partilhar os recursos e por vezes a renunciar a qualquer coisa do nosso bem-estar
adquirido. Assim no-lo recordava o Papa Paulo VI, ao dizer que «os mais favorecidos
devem renunciar a alguns dos seus direitos, para poderem colocar, com mais liberalidade,
os seus bens ao serviço dos outros» [Carta ap. Octogesima adveniens(14 de Maio de
1971), 23].
Aliás, o caráter multicultural das sociedades de hoje encoraja
a Igreja a assumir novos compromissos de solidariedade, comunhão e evangelização.
Na realidade, os movimentos migratórios solicitam que se aprofundem e reforcem os
valores necessários para assegurar a convivência harmoniosa entre pessoas e culturas.
Para isso, não é suficiente a mera tolerância, que abre caminho ao respeito das diversidades
e inicia percursos de partilha entre pessoas de diferentes origens e culturas. Aqui
se insere a vocação da Igreja a superar as fronteiras e favorecer «a passagem de uma
atitude de defesa e de medo, de desinteresse ou de marginalização (...) para uma atitude
que tem por base a “cultura de encontro”, a única capaz de construir um mundo mais
justo e fraterno» (Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado -2014).
Mas
os movimentos migratórios assumiram tais proporções que só uma colaboração sistemática
e concreta, envolvendo os Estados e as Organizações Internacionais, poderá ser capaz
de os regular e gerir de forma eficaz. Na verdade, as migrações interpelam a todos,
não só por causa da magnitude do fenômeno, mas também «pelas problemáticas sociais,
econômicas, políticas, culturais e religiosas que levantam, pelos desafios dramáticos
que colocam à comunidade nacional e internacional» [BENTO XVI, Carta enc. Caritas
in veritate(29 de Junho de 2009), 62].
Na agenda internacional, constam frequentes
debates sobre a oportunidade, os métodos e os regulamentos para lidar com o fenômeno
das migrações. Existem organismos e instituições a nível internacional, nacional e
local, que põem o seu trabalho e as suas energias ao serviço de quantos procuram,
com a emigração, uma vida melhor. Apesar dos seus esforços generosos e louváveis,
é necessária uma ação mais incisiva e eficaz, que lance mão de uma rede universal
de colaboração, baseada na tutela da dignidade e centralidade de toda a pessoa humana.
Assim será mais incisiva a luta contra o tráfico vergonhoso e criminal de seres humanos,
contra a violação dos direitos fundamentais, contra todas as formas de violência,
opressão e redução à escravidão. Entretanto trabalhar em conjunto exige reciprocidade
e sinergia, com disponibilidade e confiança, sabendo que «nenhum país pode enfrentar
sozinho as dificuldades associadas a este fenômeno, que, sendo tão amplo, já afeta
todos os continentes com o seu duplo movimento de imigração e emigração» (Mensagem
para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado - 2014).
À globalização do fenômeno
migratório é preciso responder com a globalização da caridade e da cooperação, a fim
de se humanizar as condições dos migrantes. Ao mesmo tempo, é preciso intensificar
os esforços para criar as condições aptas a garantirem uma progressiva diminuição
das razões que impelem populações inteiras a deixar a sua terra natal devido a guerras
e carestias, sucedendo muitas vezes que uma é causa da outra.
À solidariedade
para com os migrantes e os refugiados há que unir a coragem e a criatividade necessárias
para desenvolver, a nível mundial, uma ordem econômico-financeira mais justa e equitativa,
juntamente com um maior empenho a favor da paz, condição indispensável de todo o verdadeiro
progresso.
Queridos migrantes e refugiados! Vós ocupais um lugar especial no
coração da Igreja e sois uma ajuda para alargar as dimensões do seu coração a fim
de manifestar a sua maternidade para com a família humana inteira. Não percais a vossa
confiança e a vossa esperança! Pensemos na Sagrada Família exilada no Egito: como
no coração materno da Virgem Maria e no coração solícito de São José se manteve a
confiança de que Deus nunca nos abandona, também em vós não falte a mesma confiança
no Senhor. Confio-vos à sua proteção e de coração concedo a todos a Bênção Apostólica.