Rio de Janeiro (RV) - “A família é um elemento essencial para todo e qualquer
progresso humano e social sustentável”! Este é o intuito do Papa Francisco ao divulgar
o texto preparatório – o chamado “Instrumento de trabalho” – do Sínodo Extraordinário
de outubro próximo, que terá como tema “Os desafios pastorais da família, no contexto
da evangelização”. O documento contém e sintetiza as respostas ao questionário
sobre os temas do matrimônio e da família, contido no documento preparatório ao Sínodo,
publicado em novembro de 2013. A primeira parte – “Comunicar o Evangelho da família
hoje” – reitera antes de tudo o “dado bíblico” da família, baseada no matrimônio entre
homem e mulher, criados à imagem e semelhança de Deus e colaboradores do Senhor no
acolhimento e transmissão da vida. Uma reflexão específica é dedicada à dificuldade
de compreender o significado e o valor da “lei natural”, colocada na base da dimensão
esponsal entre o homem e a mulher. Para muitos, “natural” é sinônimo de “espontâneo”,
o que comporta que os direitos humanos são entendidos como a autodeterminação do sujeito
individual que tende à realização dos próprios desejos. Outro grande desafio indicado
pelo texto é a privatização da família, que já não é entendida como um elemento ativo
da sociedade e a sua célula fundamental. Por esta razão, é necessário que os núcleos
familiares sejam tutelados pelo Estado e recuperem o seu papel de sujeitos sociais
nos diferentes contextos: trabalho, educação, saúde, defesa da vida. A segunda
parte do Instrumento de Trabalho – “A pastoral da família diante dos novos desafios”
– chega ao coração dos desafios pastorais de hoje. São muitas as situações críticas
que a família deve enfrentar atualmente: fragilidade da figura paterna, fragmentação
devida a divórcios e separações, violências e abusos contra as mulheres e crianças
(“um dado realmente muito preocupante que interroga toda a sociedade e a pastoral
familiar da Igreja”), tráfico de menores, drogas, alcoolismo, dependência do jogo
e, também, a dependência das redes sociais, que impede o diálogo em família e rouba
o tempo livre para as relações interpessoais. O Documento Sinodal destaca também
o impacto do trabalho sobre a vida familiar: horários extenuantes, insegurança no
emprego, flexibilidade que envolve longos trajetos, ausência do repouso dominical
dificultam a possibilidade de estar juntos, em família. O Documento enfrenta, depois,
as situações pastorais difíceis, e sublinha que a coabitação e as uniões de fato são
muitas vezes devidas a uma deficiência de formação sobre o matrimônio, a percepção
do amor apenas como “um fato privado”, o medo do empenho conjugal, entendido como
perda da liberdade individual. O Documento dedica também uma grande parte às “situações
de irregularidade canônica”, porque as respostas recebidas estão, sobretudo, focalizadas
nos divorciados e casados novamente. Em geral, põe-se em destaque o número consistente
daqueles que vivem com “negligência” de tal condição e não pedem, portanto, para se
aproximarem da Eucaristia e da Reconciliação. Em certos casos, algumas Conferências
Episcopais pedem novos instrumentos para abrir a possibilidade de exercer “misericórdia,
clemência e indulgência” para com as novas uniões. O “Instrumentum” mostra que, para
as situações difíceis, a Igreja não deve assumir uma atitude de juiz que condena,
mas a de uma mãe que sempre acolhe os seus filhos, sublinhando que “não aceder aos
sacramentos não significa ser excluído da vida cristã e da relação com Deus”. A
propósito das uniões entre pessoas do mesmo sexo, põe-se em evidência que todas as
Conferências Episcopais dizem não à introdução de uma legislação que permite tal união,
“redefinindo” o matrimônio entre homem e mulher. Pede-se, contudo, uma atitude respeitosa
e de não-julgamento em relação a estas pessoas, enquanto se destaca a falta de programas
pastorais a este respeito, uma vez que se trata de fenômenos recentes. A terceira
parte do Documento – “A abertura à vida e à responsabilidade educativa” – faz notar,
antes de mais nada, que é pouco conhecida na sua dimensão positiva à doutrina da Igreja
sobre a abertura à vida da parte dos esposos, pelo que é considerada como uma ingerência
na vida do casal e uma limitação à autonomia da consciência. Daqui a confusão que
se cria entre os contraceptivos e os métodos naturais de regulação da fertilidade.
Relativamente à profilaxia contra a Aids, é necessário que a Igreja explique melhor
a sua posição, também para contrastar algumas “reduções caricaturais” dos meios de
comunicação e para evitar reduzir o problema a uma mera questão “técnica”, quando
na realidade se trata de “dramas que marcam profundamente a vida de inumeráveis pessoas”. O
“Instrumento de Trabalho” para a preparação e o debate da Assembleia Sinodal de outubro
próximo se conclui com a Oração à Sagrada Família, escrita pelo Papa e por ele mesmo
recitada por ocasião do Angelus de 29 de dezembro do ano passado, festa da Santa Família
de Nazaré. Que todos os fiéis e homens e mulheres de boa vontade possam ter presente
a importância de meditarmos sobre a sacralidade da vida matrimonial e da sua fundamental
importância como célula viva da Igreja e da sociedade. Sagrada Família, protegei
nossas famílias! Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano
de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ