Rio de Janeiro - (RV) - Neste final de semana celebramos a festa da Exaltação
da Santa Cruz e no dia seguinte a memória de Nossa Senhora das Dores. São momentos
de aprofundar o sentido de nossa presença junto à Cruz de Jesus e também o seu sentido
para nossas vidas hoje. A liturgia vai nos ajudar a ver na Cruz, onde Cristo deu
sua vida por nós no alto do Calvário, um sinal que nos convida a crer, a aceita-lo
como Senhor de nossas vidas e assim sermos curados dos venenos das víboras do mal
que estão ao nosso redor. É o sinal de nossa salvação, transformando, assim, o antigo
sinal de condenação e maldição. Todos os Atos da vida de Cristo são redentores,
mas a redenção do gênero humano culmina na Cruz, para a qual o Senhor orienta toda
a sua vida: Tenho que receber um batismo, e como me sinto ansioso até que se cumpra,
dirá aos seus discípulos a caminho de Jerusalém. Revela-lhes as ânsias irreprimíveis
de dar a sua vida por nós, e dá-nos exemplo do seu amor à vontade do Pai morrendo
na Cruz. E é na Cruz que a alma alcança a plenitude da identificação com Cristo. Este
é o sentido mais profundo que têm os atos de mortificação e penitência. Para sermos
discípulos do Senhor, temos de seguir o seu conselho: “se alguém quiser vir após mim,
renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). Não é possível seguir
o Senhor sem a cruz. As palavras de Jesus Cristo têm plena vigência em todos os tempos,
uma vez que foram dirigidas a todos os homens, pois quem não carrega a sua cruz e
me segue – diz-nos Ele a cada um – não pode ser discípulo (Lc 14,27). Carregar
a cruz – aceitar a dor e as contrariedades que Deus permite em nossa vida, cumprir
os deveres próprios, assumir voluntariamente a mortificação cristã – é condição indispensável
para seguir o Mestre. “Que seria de um Evangelho, de um cristianismo sem Cruz,
sem dor, sem o sacrifício da dor? perguntava-se Paulo VI. Seria um Evangelho, um cristianismo
sem Redenção, sem Salvação, da qual – devemos reconhecê-lo com plena sinceridade –
temos necessidade absoluta. Seria um cristianismo desvirtuado, que não serviria para
alcançar o Céu, pois o ‘mundo não pode salvar-se senão por meio da Cruz de Cristo’”.
“O Senhor salvou-nos por meio da Cruz; com a sua morte, devolveu-nos a esperança,
o direito à Vida” (Paulo VI, Alocução, 24-III-1967). Unidos ao Senhor, a mortificação
voluntária e as mortificações passivas adquirem o seu sentido mais profundo. Não são
atos dirigidos primariamente à nossa perfeição, ou uma maneira de suportarmos com
paciência as contrariedades dessa vida, mas participação no mistério divino da Redenção. Aos
olhos de alguns, a mortificação pode não passar de loucura ou insensatez, de um resíduo
de outras épocas que não combinam com os avanços e o nível cultural do nosso tempo;
como também pode ser pedra de escândalo para aqueles que vivem esquecidos de Deus.
Mas nenhuma dessas atitudes deve surpreender-nos: São Paulo escrevia que a Cruz é
escândalo para os judeus, loucura para os gentios. E mesmo os cristãos, na medida
em que perdem o sentido sobrenatural de suas vidas, não conseguem entender que só
podemos seguir o Senhor através de uma vida de sacrifício, junto da Cruz. Os próprios
Apóstolos, que seguem o Senhor quando é aclamado pelas multidões, ainda que O amassem
profundamente e estivessem dispostos a dar a vida por Ele, não O seguem até o Calvário,
pois ainda eram fracos por não terem recebido o Espírito Santo. Há uma diferença muito
grande entre seguir o Senhor quando isso não exige muito, e identificar-se plenamente
com Ele através das tribulações, pequenas e grandes, de uma vida sacrificada. O
Cristão que vive fugindo sistematicamente do sacrifício, que se revolta com a dor,
afasta-se também da santidade e da felicidade que se encontra muito perto da Cruz,
muito perto de Cristo Redentor. O Senhor pede a cada cristão que O siga de perto
e, para isso, é necessário acompanha-Lo até o Calvário. Jamais deveríamos esquecer
estas palavras: Quem não toma a sua cruz e me segue não é digno de mim. Muito tempo
antes de padecer na Cruz, Jesus já tinha dito aos seus seguidores que teriam de carregá-la. Para
nos decidirmos a viver com generosidade a mortificação, convém que compreendamos bem
as razões que lhe dão sentido: se muito nos custam as mortificações, é porque ainda
não descobrimos ou não entendemos a fundo o seu sentido. Os motivos que impelem
o cristão a ter uma vida mortificada são vários. O primeiro é esse que considerávamos
anteriormente: o desejo de nos identificarmos com o Senhor e de segui-Lo nas suas
ânsias de redimir por meio da Cruz, oferecendo-se a Si mesmo em sacrifício ao Pai.
A nossa mortificação tem, assim, os mesmos fins da Paixão de Cristo e da Santa Missa,
e traduz-se numa união cada vez mais plena com a vontade de Deus. Celebremos a
Festa da Santa Cruz com a alegria da salvação e a caminhada na busca da conversão
de nossas vidas para sermos testemunhas daquele que morreu na Cruz e hoje está vivo
e ressuscitado. Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano
de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ