No Iraque, os "Schindler muçulmanos" que ajudam cristãos e yazidis
Bagdá (RV) – Num Iraque transtornado pela violência, existem muçulmanos que,
mesmo arriscando a vida, ajudam cristãos e yazidis a fugir da fúria jihadista do Estado
Islâmico. Para muitos, são conhecidos como os “Schindler muçulmanos”, numa referência
a Oscar Schindler, empresário alemão que durante a II Guerra Mundial salvou milhares
de judeus na Polônia, e cuja história acabou originando o filme “A Lista de Schindler”.
Quem conta a história destes solidários muçulmanos para a Rádio Vaticano é Lorenzo
Cremonesi, enviado do Jornal italiano ‘Corriere della Sera’ ao Iraque:
Cremonesi:
“O que aparece, sobretudo quando se fala com os cristãos, é que muitos – não digo
todos, mas muitos, e encontrei realmente tantos testemunhos muito parecidos – afirmam
que foram ajudados, de uma maneira ou outra, por amigos, colegas de trabalho, velhos
companheiros de escola, vizinhos de casa, muçulmanos – em geral, sunitas – que residem
nos povoados de origem dos cristãos. Não esqueçamos, de fato, que especialmente aqui
em Qaraqosh, em Mosul e na Planície do Nínive, trata-se de “povoados mistos”. E aqui,
no geral, as pessoas que permaneceram – existem sunitas que tendem a aderir ao Estado
Islâmico, extremistas sunitas – procuram ajudar. Às vezes, fornecendo informações
sobre a casa que ficou sem controle nos vilarejos abandonados, ou mesmo buscando passar
informações aos familiares que ficaram para trás, às mulheres, aos idosos... Não são
tantíssimos, porém eu posso dizer que encontrei ao menos uns 10 casos de pessoas que,
diante de mim, aqui nos campos, nas igrejas, nas escolas cristãs onde estão todos
os refugiados, chamaram diante de mim alguém, nos povoados agora controlados pelos
extremistas, para pedir ajuda”.
RV: Por que você falou em “Schindler”
muçulmanos?
Cremonesi: “Então: os defini como “Schindler” porque
é verdade que alguns o fazem por dinheiro, outros por interesse pessoal, mas alguns,
por verdadeira generosidade. Para eles existe um risco. De fato, se existe uma mulher,
uma jovem que os militantes do Estado Islâmico capturaram e que pretendem converter
para depois dá-la “como esposa” a um de seus homens, se existe alguém que mantém algum
contato, claramente cria um obstáculo e passa a correr realmente risco de vida, ele
e seus caros. Portanto, posso dizer que existe uma certa generosidade”.
RV:
Coisas do gênero acontecem também em relação aos yazidis?
Cremonesi:
“O caso dos yazidis é um caso realmente dramático. Eles são mortos, as mulheres
são todas metodicamente escravizadas... Em alguns casos, tive a impressão de que isto
tenha sido feito pelo lucro. Mas também Schindler, o famoso empresário alemão da “Lista
de Schindler”, começou a dar trabalho aos judeus, sob a ocupação nazista, porque eram
mais baratos. E depois se deu conta que desta maneira poderia salvar as suas vidas
e ele próprio arriscou a vida para colocá-los a salvo. Soube-se que certo número de
jovens yazidis foram compradas por alguns muçulmanos, empresários ou homens ricos
- pessoas que podiam se permitir fazer isto -, no chamado “mercado dos escravos”
de Mosul e depois foram devolvidas às suas famílias. A impressão é que lhes tenham
dado para serem pagas, portanto, houve algum ganho nisto. Mas, como digo: entre o
bem e o mal existe uma vasta área cinzenta, onde existem também os “Schindler””.
(JE)