Rio de Janeiro (RV) - O mês de agosto é um dos meses temáticos: rezamos pelas
vocações. Na primeira semana rezamos e refletimos pela vocação para o ministério ordenado:
diáconos, padres e bispos. E logo no início do mês, dia 4, comemoramos o Dia do Padre,
porque é o dia de São João Maria Vianney, o conhecido Cura d’Ars ou, hoje diríamos,
“o pároco de Ars”. Sim, escolhido pela Igreja como modelo dos sacerdotes, não podemos,
à luz do Cura d’Ars, deixar de refletir a respeito do Padre como um homem escolhido
por Deus para servi-Lo na pessoa do próximo, especialmente dos mais necessitados,
material ou espiritualmente. Nestes tempos de tantas situações complexas e tantos
ataques à Igreja, à fé, a Cristo, celebrar o Dia do Padre é uma ocasião de estarmos
unidos em oração a esses homens de Deus que dedicam suas vidas ao Reino, para servir
aos irmãos e irmãs. Algumas vezes temos exemplos infelizes, no entanto, a maioria
dos irmãos sacerdotes tem uma vida dedicada e sacrificada, servindo com alegria o
povo de Deus. Sou testemunha de tantos belos sinais que carrego em meu coração e que
me fazem louvar a Deus por esses presbíteros cuja alegria é servir o povo de Deus.
São sinais da Igreja-servidora, segundo o modelo de Cristo, que não só serve, mas
que também ensina a servir (cf. Jo 13,12-16). Muitos que doaram suas vidas, hoje
são reconhecidos pela Igreja como exemplo, e foram alcançados pela fama de santidade
pelo poder-serviço em favor dos irmãos e, por essa razão, encontraram a alegria das
bem-aventuranças, iniciando já aqui a visão da presença de Deus em suas vidas e seu
ministério. Afinal, aquele que tiver deixado tudo por Cristo terá recompensa já aqui,
mas, sobretudo, na eternidade (cf. Mc 10,30). A missão do pároco, do padre na missão
de pai daquele povo a ele confiado pela Igreja na pessoa do Bispo normalmente é desenvolvida
pelo padre diocesano e alguns carismas da vida religiosa. Daí a questão: nos nossos
dias, ainda é possível ser, especialmente em uma metrópole, bom pároco, tendo como
modelo adaptado para hoje São João Maria Vianney? Há um ano estávamos alegres pela
primeira visita internacional do Papa Francisco. Ele tem falado de coração aberto
aos sacerdotes. Um dos belos discursos foi aos párocos de Roma, no dia 16 de junho
passado. Ao partilhar algumas reflexões abaixo, além de agradecer a Deus por essa
bela vocação presbiteral, o pedido é que o povo de Deus reze e peça para que possamos
exercer bem a nossa missão de pastorear, formar, santificar, servir ao povo que Deus
nos confiou. Sim, mesmo em grandes metrópoles podemos ter o espírito de “Ars”.
É possível ser padre nestes tempos adversos, responde-nos o Papa Francisco ao escrever
que, apesar de estarmos em um mundo acelerado, é preciso encontrar o tempo necessário
para Deus e para o próximo, com a ajuda da Igreja, por meio dos sacerdotes nas paróquias.
Sim, são muitos os pais e mães que correm de um lado para o outro a trabalho, enfrentam
o trânsito intenso da grande cidade, os horários apertados, a violência urbana, a
falta de oportunidade de encontro com os filhos etc., de modo que a vida parece desumana.
Mesmo assim não se desanimam da busca dos valores da fé. Aqui entra a função dos
párocos como mestres dessa fé, segundo relata o Papa: “Quando confesso os recém-casados
que me falam sobre os filhos, dirijo-lhes sempre uma pergunta: ‘E tu, tens tempo para
brincar com os teus filhos?’ E muitas vezes ouço o pai responder: ‘Mas, padre, quando
vou trabalhar de manhã, eles ainda dormem, e quando volto à noite, já estão na cama,
dormem’. Isto não é vida! É uma cruz difícil. Não é humano”. E continua: “Quando
eu era Arcebispo na outra Diocese, tinha a oportunidade de falar mais frequentemente
do que hoje com os adolescentes e os jovens, e dei-me conta de que sofriam de orfandade.
As nossas crianças e os nossos jovens sofrem de orfandade!” (...) “Os jovens são órfãos
de um caminho seguro para percorrer, de um mestre em quem confiar, de ideais que aqueçam
o coração, de esperanças que sustentem o cansaço do viver cotidiano. São órfãos, mas
conservam vivo no seu coração o desejo de tudo isto”. Infelizmente, esses rapazes
e moças têm também uma orfandade de memória, pois estão privados da convivência familiar:
os pais, como vimos, saem cedo e voltam à noite, os filhos também precisam estudar
e trabalhar; às vezes, os avós estão em casas de repouso e não conversam com seus
netos, pois não podem visitá-los sempre e nem serem visitados, dada a correria do
dia a dia dos mais jovens. Eis a orfandade denunciada pelo Sumo Pontífice. São
esses jovens “órfãos de gratuidade: aquilo que eu dizia antes, aquela gratuidade do
pai e da mãe que sabem perder tempo para brincar com os filhos. Temos necessidade
de sentido de gratuidade: nas famílias, nas paróquias, na comunidade inteira. E quando
pensamos que o Senhor se nos revelou na gratuidade, ou seja, como Graça, isto é ainda
mais importante. Aquela necessidade de gratuidade humana, que é como abrir o coração
à graça de Deus. Tudo é grátis. Ele vem e concede-nos a sua graça. Mas se nós não
tivermos o sentido da gratuidade na família, na escola, na paróquia ser-nos-á muito
difícil compreender no que consiste a graça de Deus, aquela graça que não se vende
nem se compra, que é um presente, um dom de Deus; é o próprio Deus! E por isso são
órfãos de gratuidade”. Ora, a Igreja é chamada a ser mãe desses órfãos e mestra
no ensino da gratuidade, a ofertar sem esperar nada em troca. Afinal, Deus ama quem
oferta com alegria, nos ensina o grande Apóstolo São Paulo (cf. 2Cor 9,7). “Nós, diz
o Papa, somos um povo que quer fazer crescer os seus filhos com esta certeza de que
têm um pai, uma família, uma mãe”. É nesta família, a Igreja, que esses jovens podem
perceber o sentido da vida, reconquistar a esperança, a alegria de verdadeiros discípulos
de Jesus Cristo que é, por excelência, o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14,6). Pede,
portanto, o Santo Padre que a Igreja se torne uma mãe de verdade e “não uma ONG bem
organizada, com numerosos planos pastorais... Sem dúvida, precisamos também deles...
Contudo, eles não são essenciais, mas uma ajuda”. Ajuda a Igreja a ser mãe, cuja missão
é evangelizar. Para isso é preciso, mesmo dentro da paróquia ou da Diocese, ser missionários,
entender que o bem é difusivo de si e que, assim como as Santas Mulheres que encontraram
o Senhor vivo e ressuscitado e saíram a anunciá-Lo, nós também devemos converter-nos
pastoralmente em verdadeiros anunciadores do Senhor nas 24 horas do nosso dia, pelo
exemplo e pela palavra. Certamente, quando soubermos mostrar com singeleza, mas
com convicção, a face materna da Igreja atrairemos muitos homens e mulheres para Cristo,
não com o preenchimento de uma ficha de inscrição em uma sociedade qualquer, mas,
sim, no chamado à filiação divina. Daí acrescentar o Santo Padre que “a Igreja – já
nos disse Bento XVI – não cresce por proselitismo, mas por atração, por atração maternal,
pela sua oferta de maternidade; cresce por sua oferta de ternura, para a maternidade,
para o testemunho que gera cada vez mais filhos”. Para gerar filhos e filhas do
Pai Celeste, é preciso, no entanto, ser uma Igreja jovem, mas uma jovem-mãe a quem
devemos amar como filhos e é, por isso, que com Ela vivemos e sentimos sem querer
contestá-la ou entristecê-la com nossos atos ambíguos, do tipo: defendo a Igreja,
mas...; amo a Igreja desde que...; quero ser bom sacerdote, no entanto... etc. Certo
é que não falamos das nossas misérias humanas presentes até no grupo dos Apóstolos,
mas, sim, da nossa opção consciente de dizermos não a Deus, não a Cristo, não ao Espírito
Santo e... não à Igreja que fala, hoje, por meio de seus legítimos Pastores. Que
as nossas paróquias, com seus párocos, vigários e auxiliares vivam, portanto, tudo
isso na íntima união com a Diocese, do presbitério com o Bispo, do Bispo com o Sucessor
de Pedro, o Papa, a fim de sermos a Igreja do poder-serviço que o Senhor quer, ou
seja, a Igreja Católica, Apostólica, Romana, cuja missão é anunciar sem temor o Evangelho
na sua integralidade na defesa da vida, desde a sua concepção até o seu natural ocaso,
e da família, tão vilipendiada em nossos tempos. Não podemos ler tudo isso sem
que o nosso coração não se aqueça, sem que a nossa vocação não flua ainda mais em
nossa vida e sem que todo o povo sinta carinho por essa bela missão! Possam, pois,
essas lições falar alto no coração de cada sacerdote neste seu dia e sempre. Que a
caridade de São João Maria Vianney, que se santificou pela missão do confessionário,
nos ensine a ouvir as confissões e todas as dificuldades de nossos fiéis e sejam os
verdadeiros levitas para servir a Deus no próximo! Peço ao povo de Deus que continue
rezando pelos seus padres. Abençoo todos os sacerdotes! Agradeço o seu ministério!
Contem com as minhas orações. E rezem também pelo seu Arcebispo, Amém!
Orani
João, Cardeal Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio
de Janeiro, RJ