2014-07-07 10:47:43

"A vida contemplativa me torna fecunda na missão" - Irmã Lucie Nzenzili Mboma


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Já aqui ouvimos, há dias, a primeira parte da entrevista com a irmã Lucie Nzenzili Mboma que nos falou da forma como entendeu o convite do Papa Francisco às religiosas a serem “fecundas” e não “solteironas”. Natural da RDC e membro da Congregação Internacional, Missionárias Franciscanas de Maria, a irmã Lucie interveio na conferência promovida pelo SCEAM em Roma sobre a Igreja em África para homenagear os dois Papas canonizados recentemente: João XXII e João Paulo II. Altura em que ela recordou que – tal como diz o Papa Francisco – as religiosas devem ser vistas na Igreja como um recurso e não como material de socorro.

Nesta segunda parte da entrevista, fala com Dulce Araujo, na rubrica "África.Vozes Femininas" do que mais a marcou nos seus 50 anos de vida religiosa, comemorados o ano passado, e do papel das esposas dos “Mukambi” (leigos encarregados de vida paroquial na República Democrática do Congo) ao lado dos maridos nessa tarefa.

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Irmã, Lucie, 50 anos de vida religiosa. Com certeza que terá passado por muitos momentos, muitas experiências, muitas realidades, mas quer realçar aqui o que mais a tocou nestes anos todos?

“Bom, o que me marcou foi o carisma da Congregação, a vida contemplativa me torna fecunda na missão porque, como dizemos, a contemplação de Cristo me envia, quando estou lá na missão, é o Senhor que me envia, é a comunidade que me envia e o facto de estar com os meus irmãos e as minhas irmãs faz-me descobrir a presença de Cristo e esses irmãos e irmãs me enviam à adoração. Então, esse vai vem é uma força para a minha vida. Amo muito o último parágrafo do salmo 22 que diz “graça e felicidade me acompanham todos os dias da minha vida porque o Senhor está lá para me acompanhar” e o facto de eu ter entrado numa Congregação onde temos o Santíssimo Sacramento todos os dias é uma força para viver a minha vida missionária. Já estive em várias partes do mundo, mesmo na China, etc., mas em qualquer lado sinto-me sempre em casa porque temos sempre a Eucaristia. Isto faz-me sentir também em conexão com as minhas irmãs de qualquer nacionalidade. Com 50 anos de vida religiosa, é também das minhas irmãs que recebo forças, e o facto de dizer que devemos aceitar as nossas diversidades – isto não são palavras – porque quando se aceita a diversidade e na nossa comunidade somos à volta de 23 nacionalidades e é uma alegria viver juntas porque partilhamos o mesmo espírito, o mesmo carisma, vamos ao essencial, não nos detemos nas pequenas coisas, as pequenas coisas estão lá, acontecem todos os dias, eu, tenho o meu carácter, gosto muito de brincar e as coisas terminam assim (riso) e é uma riqueza, a vida comunitária é um apoio e quando chego a casa, as irmãs perguntam como foi o dia?, estás cansada?, vai-te repousar… tudo isso cria um espírito de família. A nossa mãe fundadora insistia muito no espírito de família”.

Irmã Lucie, é Directora Executiva do SEDOS, Centro de Documentação sobre a Missionação, e como nos disse uma das vossas principais actividades é organizar um seminário anual sobre a missionação. E na sua intervenção no colóquio em Roma, dizia que a África precisa duma Igreja adulta para ter uma missão adulta. Do mais recente seminário que fizeram em Maio passado, veio alguma resposta a este quesito?


“O missionário ou o missionária de hoje, venha de onde vier, África, América Latina ou doutro lugar, deve ser antes de mais contemplativo/a. Aliás, o documento eclesial “Evangeli Gaudium” está cheio disto: o missionário/a deve ser capaz de criar sempre esse espaço interior para o encontro pessoal com Cristo. E é esse encontro que faz com que sejamos dispostos a ir em missão – e o missionário deve fazer sair o Cristo que está dentro dele ou dela para ir ao encontro do outro: e o missionário de hoje se é contemplativo é capaz de entrar no processo de conversão de mentalidade, de forma a ser uma pessoa aberta que acolhe o outro na sua alteridade. A conversão deve ajudar-nos a aceitar, a acolher a diversidade, porque a Igreja será rica se formos capazes de aceitar a nossa diversidade; vejo isto na minha própria Congregação. Por vezes até nos emocionamos durante os capítulos gerais, onde as pessoas vêm de diversas partes do mundo com toda a sua diversidade mas se concentram no essencial e creio que como diz o Papa – o missionário de hoje deve ser bem preparado para poder entrar no contexto – o mundo muda continuamente e hoje o missionário deve ser capaz de aceitar o outro e de colaborar com ele: porque hoje ninguém pode pensar em fazer tudo sozinho; é preciso sempre trabalhar em colaboração com os outros.
Ser missionário foi sempre algo muito exigente, é-o ainda mais e temos mais necessidade de contemplativas, de pessoas que estão em relação com Deus e que têm a formação necessária para estar à medida de entrar nos diferentes contextos. É um desafio! E quando os missionários vêm da África que não se venha para a Europa pensando que se podem encontrar os meios… aqui também os países estão em crise; não é, portanto, porque se vem para aqui que nos tornamos ricos de noite para dia. É preciso trabalhar. E creio que para nós também, enquanto missionários devemos ter uma preparação que nos permite integrar-nos nos diferentes contextos de hoje. Ir para um outro país como missionários é muito exigentes em termos de integração na cultura do outro. A pessoa tem de estar enriquecida da própria cultura para poder deixar de lado o que lhe impede entrar na cultura do outro e podermos trabalhar juntos. Isto é um desafio para a Igreja em África hoje: tornarmo-nos uma Igreja capaz de enviar missionários/as capazes de fazer um bom trabalho. Vivi esta situação nos Estados Unidos. Quando estava lá em 2007, éramos mil religiosas africanas activas em vários sectores. E as religiosas africanas são muito requeridas pelos bispos dos Estados Unidos; religiosas de países como Quénia, Uganda, Tanzânia, Nigéria estão bastante presentes nos Estados Unidos. Diz-se que o futuro da Igreja missionária está no hemisfério sul: África, Ásia, América Latina. Por isso, temos de estar bem formadas para a missão. E se somos contemplativas, somos capazes de dar o passo, de conversão e de poder viver em comunhão. O Concilio Vaticano II pediu à Igreja para desenvolver esta espiritualidade de comunhão. E nós em África temos de fazer isso, para podermos entrar em relação com os outros.”

Irmã, falou-nos do papel dos leigos na gestão de paróquias na República Democrática do Congo, o seu país, onde o Cardeal Malula introduzira muitas novidades neste sentido. E havia aquilo a que vocês chamam “Mukambi”, isto é o pastor leigo da Paróquia, leigos formados para esse fim. E as esposas dos Mukambi, são também formadas, têm algum papel na paróquia?


“Quando os Mukambi recebiam a sua formação, as suas esposas recebiam também formação a fim de poderem apoiar os seus maridos e desempenhar elas próprias diversas tarefas na paróquia. Sabe, a mulher é intuitiva e sente quando há situações um pouco difíceis. Como disse, vivi sete anos numa paróquia em Kinshasa, geria por um Mukambi, a esposa dele chama-se Jeane. Mamã Jeane é uma pessoa que aprecio muito ainda hoje – era uma pessoa realmente intuitiva e sentia quando havia um pequeno problema aqui ou acolá e se havia uma necessidade qualquer, ela sabia apresentar isso muito bem na paróquia, por forma a se encontrar uma solução. Além disso, estávamos nós também, religiosas. Tínhamos o ministério de visitar pobres e os trazíamos à quando e os trazíamos à paróquia para tentar resolver os problemas, era a Mamã Jeane com Mamã Jeane que enfrentávamos o assunto. Foi com ela que aprendi a entrar na vida da paróquia e sobretudo a ocupar-me de pessoas necessitadas ao lado da minha responsabilidade principal que era a pastoral das crianças, tarefa esta de que gostava muito. Aos domingos tínhamos um tempo para nós e as crianças gostavam muito disso. Então quando me viam na rua me chamavam “Sr. Padre” e eu dizia-lhes: “não sou padre, sou irmã”. Aquelas crianças cresceram, há algumas que já são casadas, mas era muito lindo, porque a partir disso a nossa paróquia deu a sua contribuição para a elaboração duma pastoral para as crianças aos domingos, o que continua a ser desenvolvido e melhorado, mas lançamos os fundamentos. E Mamã Jeane participava também no Conselho Paroquial. Não falava muito, mas estava sempre atenta a ouvir, porque como se costuma dizer em África, o homem está á frente, faz de chefe, mas atrás dele há o verdadeiro chefe: a mulher (riso). Então Mamã Jeane estava lá e ouvia para saber que conselho dar ao marido.” RealAudioMP3

Foto: Irma Lucie em Nairobi, no Quenia, num seminário organizado pelos Organização Internacional dos Missiológos Católicos de que é vice-presidente.











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