Belo Horizonte (RV) - O poder que configura e articula o estado democrático
de direito é do povo e para o povo, conforme reza o Artigo 1º, parágrafo único da
Constituição do Brasil. Lembrar-se disso ajuda a compreender que o poder do povo não
se esgota, obviamente, no exercício cidadão do direito de votar. Aos representantes
eleitos não é permitido usurpar o sentido e as propriedades do poder a ser exercido,
que é confiado pelo povo. Além da honra de exercer o poder, os eleitos, quase sempre,
são remunerados pelo povo por meio de impostos, que são sempre muito pesados. Portanto,
qualquer tipo de usurpação merece protesto e imediata correção. Nesse sentido, a movimentação
ideológica partidária não pode ser um trampolim para que pessoas e grupos usufruam
dos benefícios do poder e, ao considerarem somente essa ambição, sejam responsáveis
por uma administração inadequada, burocrática, pouco lúcida na escolha de prioridades.
As eleições deste ano estão ganhando moldura nova, com expectativa de
novas dinâmicas e posturas populares, favorecidas com a celebração da Copa do Mundo,
sem dúvida um megaevento. O povo, no exercício de seu poder, silenciou a classe política.
Inviabilizou uma possibilidade, que era bem real, do uso do Mundial e de seus estádios
cheios como palco de comícios. Um sinal de esperança e também demonstração da soberania
popular. Torna-se evidente que os desejos de certos grupos não vão contracenar com
os anseios do povo, que articula, magistralmente, as euforias e tensões próprias da
paixão pelo futebol com demonstrações de amor à pátria e belo sentido de solidariedade
universal.
Essas cenas reacendem a essência do poder que emana do povo.
Pelo viés do esporte, em um contexto político e social novo, onde a população exerce
sua liberdade de escolha, seu direito de expressão e participação, renova-se a certeza
de que a política não pode continuar a ser tratada e vivenciada com as mediocridades
que a têm caracterizado. A superação desse quadro supõe os passos corajosos e cidadãos
de uma adequada reforma política, para corrigir dinâmicas culturais viciadas e comprometidas.
Trata-se de um passo decisivo para transformar o contexto atual de muitos atrasos,
que fazem a sociedade brasileira perder oportunidades para o crescimento, não avançar
na infraestrutura e na superação dessa vergonhosa e crescente brecha entre ricos e
pobres. Falta educação de qualidade, assistência sanitária adequada, moradia digna,
transporte público e tantas outras necessidades. Essas e outras carências constituem
uma clara acusação a governos e outros segmentos da sociedade pelo próprio crescimento
da criminalidade.
Uma realidade visível, por exemplo, em dados do Ministério
da Saúde (Mapa da Violência 2014), que mostram nossos recordes em homicídios. A cada
dia, em média, morrem 154 pessoas assassinadas no Brasil. Diante deste triste quadro,
é possível afirmar que estamos numa verdadeira guerra civil, camuflada por várias
situações. Há, indiscutivelmente, perda geral do mais relevante sentido humanístico,
o que coloca em risco os dias que virão. Engana-se quem pensa estar distante dessa
guerra camuflada. Ela não poupa ninguém e se aproxima de todos. A esperança é que
o povo, mais consciente de seu poder a partir das lições que deu durante a Copa do
Mundo, trate de modo mais qualificado a sua realidade social e política. Desse modo,
é possível construir um futuro diferente.
Diante de posturas novas de
quem é soberano na posse do poder, segmentos específicos serão obrigados a adotar
novas condutas. Particularmente, os políticos que submetem seus nomes ao sufrágio
do voto, precisarão criar coragem, como ato de inteligência, para, permanentemente,
estarem em diálogo, sobretudo com os pobres, a base popular. O Papa Francisco indica
aos pastores que é preciso “ter cheiro de ovelhas”, estando sempre no meio delas.
Uma rica lição, que deve ser aprendida também pela classe política. Governar sem ouvir
diariamente a voz que vem das ruas e das periferias compromete a confiança recebida
do verdadeiro dono do poder, o povo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte