Belo Horizonte (RV) - O futebol do Brasil é o único que se fez representar
em todas as Copas do Mundo e, nesta história, pela primeira vez, o povo brasileiro
tem a oportunidade para dar um tratamento diferente ao megaevento esportivo, justamente
quando é realizado aqui. Em outras ocasiões, comentava-se o risco de manipulação governamental
em proveito próprio e de interesses partidários. Mas, neste Mundial de 2014, cresce
a esperança de que a sociedade avançará em suas análises políticas e avaliações de
impactos sociais. Nesse exercício, devem ser incluídas as reflexões sobre gastos bilionários
em detrimento de necessidades básicas urgentes na infraestrutura. Também é importante
saber separar a euforia do torcedor das avaliações sobre os políticos e a política
partidária. Afinal, a conquista do hexa não será, obviamente, a garantia de que o
povo brasileiro se tornará campeão.
A competitividade esportiva, além do divertimento
e do entusiasmo da festa, por sua força educativa própria, é metáfora rica com indicações
para o comportamento cidadão que almeja uma condição campeã. Há, pois, sinalização
concreta de amadurecimento popular nessa etapa nova dos desdobramentos políticos e
sociais no Brasil. A Copa do Mundo tem data fixada para acabar e, evidentemente, a
vitória brasileira será motivo de alegria para o povo. Contudo, não garante os mais
significativos avanços na busca das vitórias necessárias e urgentes, quando se considera
os enormes desafios a serem vencidos para mudar cenários desoladores que mancham a
pátria amada.
Terminada a Copa, o povo brasileiro tem ainda um longo caminho
a percorrer em busca de sua indispensável condição campeã no tratamento dos pobres,
na superação da exclusão social vergonhosa, na grande concentração das riquezas e
do dinheiro nas mãos de uma minoria, entre outros desafios. Encontrar um novo modo
de se fazer política no Brasil, de maneira mais civilizada, lúcida, propositiva, sem
demagogias, em diálogo com a população, também é meta a ser alcançada. E esse caminho
não será percorrido sem que a sociedade brasileira paute suas ações a partir de inequívoca
reciprocidade, baseada em princípios e valores que reconhecem o bem moral como condição
indispensável para a estruturação da vida social e política.
Percebe-se que
a batalha é grande. A corrupção endêmica que tempera funcionamentos institucionais,
governamentais, condutas individuais, precisa de um tratamento extremamente incidente.
As eleições de 2014 precisam ser marcadas pelo exercício cidadão de buscar corrigir
os rumos do país. Na contramão desse caminho, a oportunidade de mudanças mais profundas
será entregue de “mão beijada” aos produtores de uma política inócua. É fundamental
uma reeducação a partir do gosto pela verdade, capaz de promover uma grande mudança
cultural. Deste modo, será possível até mesmo o enfrentamento da postura irônica de
considerar serem politicamente corretas as falsas posturas, que objetivam captar a
simpatia do cidadão para se alcançar certos objetivos e, em seguida, após conquistá-los,
ignorar completamente os anseios do povo.
Gostar da verdade ainda é um enorme
desafio na configuração da sociedade. Trata-se de imprescindível condição para se
formar um tecido cultural mais consistente e, consequentemente, uma capacidade para
lidar de modo mais nobre com a liberdade e com a justiça. Só a plena verdade sobre
o homem, vivida no tratamento da vida cotidiana, permite a superação de uma visão
distorcida do que é justo, abrindo o horizonte daqueles que estão nas cortes, instâncias
governamentais, nos diversos campos profissionais, nas relações familiares e interpessoais,
para a solidariedade e o amor.
Os elogios à receptividade brasileira aos visitantes
estrangeiros é o sinal de que as praças esportivas, embora chamadas de “arenas”, as
ruas e todos os lugares devem ser espaços de acolhida, ambientes para o intercâmbio
civilizado e construtivo. Permanecerá o desafio de, terminado o Mundial, conservar
no coração do povo brasileiro essa abertura para o encontro, impulsionando um caminho
novo de solidariedades e revisões profundas das desigualdades. Enquanto não se conseguir
eliminar a exclusão social, vergonhosa entre nós, não se vencerá a violência crescente.
O sistema social em que vivemos é injusto na sua raiz. É indispensável continuar a
luta contra a idolatria do dinheiro e outros males para que a cultura da vida com
seus valores e tradições seja salva. Com ou sem o hexa, conta é que seja o povo brasileiro
campeão.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo
Horizonte