Belo Horizonte (RV) - A sociedade contemporânea, mesmo diante dos muitos recursos
existentes e oportunidades disponíveis, particularmente pelos avanços tecnológicos,
continua marcada por grandes desencontros. É verdade que se testemunha, com frequência,
a partir dos atuais instrumentos, experiências bem-sucedidas de encontros, desdobrando-se
em cooperação, concretização de projetos sociais, políticos e humanitários. No entanto,
causa perplexidade, outros tantos exemplos de descompassos da sociedade moderna, que
a colocam na contramão de grandes oportunidades. Há de se perguntar, permanentemente,
a razão desses desencontros, para impulsionar a busca por soluções diante de cenários
desanimadores.
Esse quadro desolador é facilmente verificado quando são submetidos
a avaliações a atuação de governos, a grave realidade do descrédito aos políticos
e o êxodo prejudicial das esferas de participação cidadã responsável. Uma triste realidade
que enjaula a cidadania numa esfera de privatização individualista, instaurando um
“pé de guerra” entre grupos, povo e governos, dirigentes e operários. É estabelecido,
assim, um caos que desassossega homens e mulheres de boa vontade. De fato, quando
se analisa o desânimo dos cidadãos na avaliação de governos, ou quando emitem juízos
a respeito do esperado legado da Copa, compreende-se que falam mais forte os desencontros
e os descompassos. Assim não pode ser e permanecer.
Urge uma reação cidadã,
com incidências transformadoras em vários níveis, sem mesmo poder eximir desse processo
de mudança a vida pessoal e familiar. Na contramão desse caminho, será fortalecida
uma cultura de tecido duvidoso e prejudicial para o sentido autêntico de liberdade
e autonomia. Crescerá a violência e o desrespeito à dignidade. A civilização estará
ainda mais distante do indispensável sentido de altruísmo, de patriotismo e de pertença
cidadã à nação. A “pátria de chuteiras”, pensando o Brasil apaixonado pelo futebol,
às vésperas do início da Copa do Mundo, está decidida a pisar forte sobre tudo o que
está comprometendo essa possibilidade, tão esperada, de um legado maior, global e
capaz de colocar o Brasil, de fato, numa nova etapa política e social.
Sofre-se
pela falta de lideranças com estatura, em diferentes níveis. Encontra-se, com mais
facilidade, quem engrossa a voz dos coros de lamentação ou das ações vandálicas. Há
uma carência de pessoas que se dedicam a uma atuação mais criativa, corajosamente
inovadora e cidadã, especialmente no âmbito governamental, primeiro responsável pelo
bem comum. Os descompassos produzidos por tantos desencontros, explicados por erros
de estratégia na atuação, por equívocos nas escolhas das prioridades sociais, por
falta de competência humanística e ajustada visão antropológica de muitos profissionais
da política; por falta de sensibilidade humanitária e visão mesquinha do dinheiro,
resultam na incapacidade para gerar redes de solidariedade.
Torna-se urgente
investir, permanentemente, na cultura do encontro, indicação prioritária no ensinamento
e no testemunho do Papa Francisco. A propósito da celebração anual do Dia Mundial
das Comunicações Sociais, o Papa trata o tema central da comunicação a serviço de
uma autêntica cultura do encontro. Não há outro caminho em busca da superação das
divisões muito acentuadas na humanidade, responsáveis por abominações que pesam sobre
as sociedades, sacrificando mais os pobres, inocentes e indefesos. O diagnóstico do
cenário mundial comprova o quanto o mundo sofre com os conflitos advindos de exclusão,
marginalização e pobreza, como também pelas razões econômicas, políticas, ideológicas
e até religiosas.
É hora, pois, de uma ação transformadora, aproveitando os
meios de comunicação, os megaeventos mundiais como a Copa do Mundo, e tantos outros
de maior ou menor alcance e relevância, para recuperar o sentido perdido do outro,
particularmente dos pobres, excluídos e vítimas dessas dinâmicas perversas alimentadas
pela corrupção, pelas opções governamentais equivocadas, pela burocracia repugnante
que retarda urgências, pela mesquinhez do individualismo exacerbado, sempre seguindo
o princípio do “salve-se quem puder”. A comunicação produzida pela mídia no decorrer
da Copa do Mundo não pode ser apenas estimuladora da euforia. É prioritário alimentar
a sensibilidade social e política, em ano eleitoral, para fomentar discussões e posicionamentos
em torno das questões mais urgentes que estão afligindo a vida do povo brasileiro.
Essa
oportunidade não pode ser perdida, nem mal usada, sob pena de serem retardadas as
respostas urgentes, de se impulsionar a violência nascida de revoltas desajuizadas,
de se conviver com o inadequado desempenho de políticos. A sociedade brasileira está
sinalizando que o esperado legado da Copa, razão de descontentamento geral, não pode
ficar diluído nos estádios bilionários construídos. Um evento da magnitude de uma
Copa do Mundo não pode ser apenas mais um carnaval que passou. Por princípios cidadãos
e irrefutável força da fé, pelos debates e gestos concretos, agora é hora de recomposição
do tecido social e político, no caminho da cooperação e proximidade, transformando
o país a partir da cultura do encontro.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte