Belo Horizonte (RV) - Estamos vivendo a catástrofe de um surto de incivilidades,
avalanche de barbáries que está assolando nossa sociedade. Constata-se a perda irracional
dos limites e, sobretudo, de referências, sem as quais tudo é possível, inclusive
escolhas que estão na contramão da cidadania. Aos rosários de lamentações inevitáveis
diante desse cenário desolador, é preciso acrescentar uma efetiva atitude reativa.
Somente assim não se permitirá que este tempo de conquistas admiráveis da inteligência
humana se sucumba diante das irracionalidades que geram violências, corrupção, eleições
“sujas”, insanidade nas relações interpessoais e uma série de outros desafios que
expõem o avanço da desumanização.
Os números e estatísticas são indispensáveis
como instrumento de conscientização e sensibilização. Mas, o determinante nessa necessária
postura reativa é a identificação das raízes e causas produtoras desses preocupantes
cenários. O que se está vivendo é um grande drama social, com perdas de rumo na busca
da verdade, no gosto pelo bem e pela justiça. Certamente, aí está um gargalo produtor
de situações caóticas. Cada um estabelece e busca impor o seu próprio critério. Os
resultados têm sido terríveis, como mostram os episódios em que se busca fazer “justiça
com as próprias mãos”. Infelizmente, vivemos um tempo de linchamentos, desentendimentos
com desfechos violentos, que muitas vezes resultam em perdas irreversíveis.
A
ordem, enquanto justiça e garantia de respeito irrestrito à dignidade humana, tem
um percurso e balizamentos éticos próprios. A perda dessa referência é grave e torna-se
um grande desafio chegar às raízes dos males contemporâneos. Fixar o olhar nas bases
que instauram a desordem é o passo determinante para promover grandes mudanças. E
alcançá-las não se faz sem o que é próprio da fé, como experiência e como caminho
para a fonte perene dos valores essenciais. Ela é um patrimônio insubstituível da
pessoa, da família e sociedade, capaz de corrigir rumos e recompor o tecido da cultura.
É hora de percorrer o caminho da fé. O colapso que se abate sobre nós é uma
séria crise de valores em razão da superficialidade que emoldura o viver humano contemporâneo.
Só dá conta de alcançar o equilíbrio e seriedade quem se alimenta diariamente de sólidas
referências. A dinâmica da cultura contemporânea tem empurrado a sociedade para o
esquecimento de um princípio básico inegociável. Trata-se da justa compreensão de
que o essencial está na interioridade, vem das raízes, e não se resume nas coisas
colocadas ao nosso redor. Ao ignorar esse princípio, a humanidade alimenta a tempestade
que tem gerado naufrágios no percurso da vida. Todos precisam compreender que o essencial
está na interioridade. Caso contrário, perde-se o rumo, não se consegue a força necessária
para superar adversidades, perde-se o balizamento da ética, escorregando na direção
de todo tipo de imoralidade. A cultura contemporânea está ficando cega para esse princípio,
que se cultiva com a fé.
Compartilho a experiência vivida por nós, bispos
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reunidos na Assembleia Geral
que será concluída hoje. Neste último dia, viveremos um tempo dedicado ao investimento
na fundamental experiência da fé. A conclusão da Assembleia será com um retiro, marcado
pelas orações, balizando uma carregada pauta de trabalhos, debates, reflexões sobre
temas relacionados à evangelização e à construção da sociedade justa e fraterna. Meditaremos
à luz de grandes personagens bíblicos como Abraão, Maria - Mãe de Jesus, Pedro e Paulo.
Deste modo, amadureceremos a compreensão de que é peregrinando na fé que se consegue
manter a vida no rumo certo.
A partir dessa peregrinação, nós, bispos do
Brasil, encontramos força e fôlego para produzir, nesses dias de Assembleia, um importante
documento que indica o caminho para fortalecer as paróquias e comunidades de fé, presença
solidária e comprometida na vida do povo em diferentes realidades, grande capilaridade
da Igreja Católica. Também aprovamos rico e corajoso documento sobre a Igreja e a
questão agrária brasileira. Não menos importante foi a abertura da reflexão sobre
a cidadania de cada cristão na Igreja e sua atuação testemunhal na construção da sociedade.
Nesta direção, desenvolvemos nosso Projeto Brasil, cujo coração é a continuação da
luta pela reforma política. Em resposta à crescente violência, foi aprovada, por unanimidade,
a vivência do Ano da Paz, do dia 30 de novembro de 2014 até o Natal de 2015, quando
serão promovidas ações para mudar este triste cenário de desumanidades.
O
grande volume de assuntos tratados, encaminhamentos e compromissos assumidos nos confirmam,
às vésperas da Copa do Mundo, que é hora de avaliações e escolhas de rumos novos,
uma prolongada Copa de Civilidades. Se não jogarmos esta Copa, não venceremos. É hora
de chutar a bola que desfigura a civilidade. Caso contrário, perderemos o jogo pela
vida. Os cenários que horrorizam nossa sociedade só serão vencidos se conseguirmos,
com a graça da fé alimentando nossa cidadania e o respeito à dignidade humana, jogar
uma Copa de Civilidades.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano
de Belo Horizonte