Belo Horizonte (RV) - A celebração do Dia 1º de Maio, pela consideração reverente
ao trabalhador, é oportunidade para reavivar a compreensão do trabalho como necessidade
e dom de Deus. A concepção cristã do trabalho tem suas raízes numa articulada e clarividente
compreensão antropológica e teológica. Deus, criador onipotente, Pai de todos, cria
o homem e a mulher à sua imagem e semelhança e lhes confia o cultivo da terra. O Pai
sublinha a primazia da humanidade em relação às outras criaturas, que devem merecer
cuidados e respeitos. Cultivar a terra, como ponto especial na narrativa da missão
do homem e da mulher no conjunto da obra da criação, significa não abandoná-la. E
exercer domínio sobre ela significa comprometimento com o seu cuidado e com sua guarda,
como um pastor deve cuidar de seu rebanho. Esse horizonte inspirador é determinante
nos rumos escolhidos para a dinâmica da economia com seus desdobramentos incisivos
sobre a questão social e política.
Nesse sentido, no atual momento político
e econômico, os construtores da sociedade pluralista devem superar a lógica perversa
do lucro. Precisam buscar uma efetiva sustentabilidade, necessária para se alcançar
o equilíbrio social. Imprescindível é deixar-se iluminar por um horizonte com princípios
antropológicos inequívocos. Isto é um enorme desafio para quem se orienta por parâmetros
de funcionamentos mecanicistas e, consequentemente, não consegue compreender o que
se pode chamar de subjetividade do trabalho. O conjunto de recursos, atividades,
instrumentos e técnicas que permite a cada pessoa o exercício adequado de suas tarefas
não pode sobrepor-se ou minar a dimensão subjetiva do trabalho humano. O respeito
a esta perspectiva é a consideração insubstituível de cada ser humano e de sua vocação
pessoal. Assim, alcança-se a compreensão de que todo trabalho é imagem e extensão
da ação criadora de Deus, de que o homem e a mulher, em suas muitas tarefas, participam
da obra da criação.
A Doutrina Social da Igreja enfatiza, por isso mesmo, que
o trabalho não somente procede da pessoa, mas também é ordenado a ela e a tem por
finalidade. Assim sendo, todo ofício, mesmo aquele mais humilde, é caminho para que
cada pessoa tenha preservada a sua dignidade. Consequentemente, o trabalho se torna
uma necessidade e ao mesmo tempo um dever de todos. Trabalhar refere-se ao respeito
moral ao próximo e, por desdobramento, é reverência à própria família e à sociedade.
Abominável, pois, é o enquadramento do trabalhador na condição de escravo. Trata-se
de um verdadeiro atentado contra a dignidade, ferida na cultura solidária e civilizada,
com consequências nefastas também para escravocratas.
A sacralidade do trabalho
implica compreendê-lo, na escala de valoração e prioridade, como superior a todo e
qualquer fator de produção, inclusive o capital. No horizonte largo e diversificado
sobre a sua abordagem como importante chave social, é prioritário considerá-lo como
direito. A necessidade do trabalho não se refere apenas ao sustento familiar e pessoal,
prioridade incontestável, mas, particularmente, ao bem que promove a cada pessoa.
Trata-se de direito fundamental. Por isso, a Igreja considera o desemprego uma perversa
calamidade social. E sublinha que uma sociedade orientada para o bem comum tem sua
capacidade avaliada, também, com base nas perspectivas de trabalho que ela pode oferecer.
Com
a oferta do trabalho, caminha a exigência de se promover a capacitação, já que a manutenção
do emprego depende cada vez mais da competência profissional. O Estado, então, é chamado
à responsabilidade, por seu dever de promover políticas ativas de trabalho, particularmente
pela regulação do funcionamento econômico, convocando as corporações a cumprirem seu
papel social. As empresas tem o dever de garantir a oferta adequada de emprego. O
tratamento desse desafio não pode prescindir de uma correta visão antropológica e
cristã, pelo respeito à sacralidade do trabalho.
Dom Walmor Oliveira de
Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte