2014-04-27 18:26:06

A Festa da Divina Misericórdia


Rio de Janeiro (RV) - Neste domingo, dia 27 de abril, celebramos a festa da Divina Misericórdia, instituída pelo Papa João Paulo II, em 30 de abril de 2000, por ocasião da canonização da Irmã Maria Faustina Kowaslka, religiosa polonesa, nascida em 1905 e falecida em 1938.

Essa freira da Congregação de Nossa Senhora da Misericórdia escreveu muitas anotações em cadernos que reunidos em um só volume formam o conhecido Diário da Irmã Faustina ou o Diário: a Misericórdia Divina na minha alma, publicado, no Brasil, pelos Padres Marianos, de Curitiba, PR, com 520 páginas, incluindo o prefácio, a introdução, as notas finais, o índice e as fotos coloridas referentes à vida da Santa.

Importa, pois, nesta data conhecermos, ainda que de passagem, tão importante devoção que, embora provenha de uma revelação particular, ou seja, daquele tipo de revelação que o fiel católico pode aderir com sua fé humana (e não sobrenatural, como deve fazer com as verdades da revelação oficial da Igreja encerrada com os Apóstolos, cf. Catecismo da Igreja Católica n. 67), traz ricas lições aos homens e mulheres do nosso tempo tão marcado pelo descaso para com o próximo ou pela descrença na justiça humana.

Aqui alguém poderia perguntar: se temos essa admoestação a respeito das revelações particulares, por que fundar-se em uma delas? – Responde-nos o estudioso Pe. Dr. Achylle A. Rubin, religioso palotino, em sua obra Eterna é a sua misericórdia (Cascavel: Alicerce, 2003, p. 16-19).

Ele diz que o “Culto e devoção à divina misericórdia, estimulado por uma revelação particular, feita a Santa Faustina, teve uma repercussão muito grande em todo o mundo católico, o que deu apoio a que o Magistério da Igreja se pronunciasse a favor” (...). Além disso, assevera Pe. Achylle, que muito mais importante é “dar-nos conta que essa realidade está amplamente revelada ao correr de toda a Bíblia, e a teologia sempre a inseriu em suas reflexões, de tal sorte que, além de constar como revelação pública, ela foi proclamada novamente e feita objeto de devoção e culto, graças à insistência de uma revelação particular”.

Sim, o Papa João Paulo II “publicou sobre o assunto a encíclica Dives in misericórdia, rico em Misericórdia, exclusivamente fundada nas Escrituras e nas conclusões universalmente reconhecidas da teologia. Verdade é que não foram de pouca importância as influências exercidas sobre o Papa pelas revelações de Santa Faustina, como também as que vieram da parte da devoção, amplamente divulgada entre os fiéis de todo o mundo”.

“Isto posto – continua o Pe. Achylle –, alguém pode ater-se, tanto para a devoção pessoal, como para a pregação, ao conselho de São João da Cruz. Adverte-nos ele que as revelações particulares que correspondem com as verdades já contidas na fé de toda a Igreja, nós as aceitemos, não por serem reveladas a um particular, mas por pertencerem já à mesma fé de toda a Igreja” (São João da Cruz, OO.CC., Ed. Vozes. Petrópolis, 1996, p. 309).

Também Dom Estevão Bettencourt, OSB, experiente teólogo brasileiro do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro e grande batalhador em nossa Arquidiocese, anota que “a Igreja não pode impor à crença dos fiéis nem o presumido fato de uma aparição nem o teor da respectiva mensagem, de modo que se alguém não quer crer nas aparições de Lourdes, não está incidindo em heresia. É o que o Papa Bento XIV (1740-1758) declarou explicitamente: ‘A aprovação dada pela Igreja a uma revelação privada não é outra coisa senão a permissão outorgada, após atento exame, para tornar conhecida essa revelação em vista da instrução e do bem dos fiéis. A tais revelações, mesmo que aprovadas pela Igreja, pode-se deixar de dar o assentimento..., desde que isto se faça por boas razões e sem a intenção de menosprezo’ (De Servorum Dei Beatificatione II 32,11)” (Teologia Fundamental. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013, p. 144-145).

Feita essa esclarecedora catequese, passemos a alguns dos principais traços das revelações à Santa Faustina Kowaslka, conforme consta do seu Diário. São eles: o quadro de Jesus Misericordioso, sua Festa, o terço e a hora da Misericórdia bem como o seu culto a ser difundido.

O quadro com a pintura de Jesus misericordioso aparece nos escritos de Santa Faustina do seguinte modo: “À noite, quando me encontrava na minha cela, vi Nosso Senhor vestido de branco. Uma das mãos erguidas para a bênção, e a outra tocava-Lhe a túnica, sobre o peito. Da túnica entreaberta sobre o peito saiam dois grandes raios, um vermelho e o outro pálido. (...) Logo depois, Jesus me disse: Pinta uma imagem de acordo com o modelo que estás vendo com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós” (Diário 47). Quero que essa Imagem (...) seja benzida solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa, e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia” (Diário 49).

E veio a explicação: “o raio pálido significa a Água que justifica as almas; o raio vermelho significa o Sangue que é a vida das almas. (...) Feliz aquele que viver à sua sombra” (Diário 299). Disse ainda o Senhor, segundo Santa Faustina, que por meio desse sinal concederia “muitas graças às almas; que toda alma tenha, por isso, acesso a ele” (Diário 570). Depois repete que dará “muitas graças às almas. Ela [a alma] deve lembrar as exigências da Minha misericórdia, porque mesmo a fé mais forte de nada serve sem as obras” (Diário 742).

Outro ponto lembrado pela Santa polonesa, em vários trechos dos seus escritos, é a festa em honra da Divina Misericórdia a ser celebrada no primeiro domingo depois da Páscoa com a bênção da estampa de Jesus misericordioso pintada com pincel. Tal festa deseja mostrar a estrita união que existe entre o mistério pascal da Redenção e o mistério da Misericórdia de Deus, conforme comentário de Ir. Elzbieta Siepak no Diário: a misericórdia divina em minha vida. Curitiba: Congregação dos Padres Marianos, 1995, p. 11.

Esta festa deve ser, pelas palavras de Cristo à religiosa polonesa, “um refúgio e abrigo para todas as almas, especialmente para os pecadores” (Diário 699), pois “as almas se perdem, apesar da Minha amarga Paixão. Nesse dia, da Festa da Divina Misericórdia, as almas alcançarão o perdão de suas faltas e dos castigos, pois “estão abertas as entranhas da Minha misericórdia. Derramo todo um mar de graças sobre as almas que se aproximam da fonte da Minha misericórdia. (...) Que nenhuma alma tenha medo de se aproximar de Mim, ainda que seus pecados sejam como o escarlate” (Diário 699).

Ir. Elzbieta faz questão de comentar, todavia, que essa promessa do Senhor não vem como um passe de mágica. “Para aproveitar esse dom é preciso cumprir as condições da devoção à Misericórdia Divina: o amor para com o próximo e encontrar-se em estado de graça santificante (após a confissão) dignamente recebendo a Sagrada Comunhão” (Diário: a misericórdia divina em minha vida, p. 11).

O terço da Misericórdia Divina é mais uma devoção dessa espiritualidade anunciada em setembro de 1935, como oração de reparação pelos pecados dos homens. Quem recita esse terço aproxima a humanidade inteira do Senhor e é envolvido pela Divina Misericórdia, especialmente na hora de sua morte (cf. Diário 754 e 920).

A hora da Misericórdia é outra devoção anunciada em outubro de 1937, em Cracóvia: pede-se para venerar a Hora da morte de Cristo na Cruz com as seguintes palavras: “Todas as vezes que ouvires o bater do relógio, às três horas da tarde, deves mergulhar na Minha misericórdia, adorando-A e glorificando-A. Implora a onipotência dela em favor do mundo inteiro, especialmente dos pobres pecadores, porque nesse momento [a misericórdia] foi largamente aberta para toda a alma” (Diário 1572).

Não basta, contudo, amar a Deus sem amar ao próximo, como ensina São João (cf. 1Jo 4,40), daí Santa Faustina recordar da inspiração: “Deves mostrar-te misericordiosa com os outros, sempre e em qualquer lugar. Tu não podes te omitir, desculpar-te ou justificar-te” (Diário 742). Sobre esse ponto muito importa o comentário da Irmã Elzbieta Siepak: “A divulgação do culto da Misericórdia Divina não exige necessariamente muitas palavras, mas sempre uma atitude cristã, de confiança em Deus, tornando-se cada vez mais misericordioso. O exemplo deste apostolado foi-nos dado pela Irmã Faustina durante toda a sua vida” (Diário: a misericórdia divina em minha vida, p. 12).

Em Roma, na Via Santo Espírito, há uma Igreja, ao lado da Casa Generalícia da Companhia de Jesus, em que se tem uma especial devoção a Divina Misericórdia por expresso desejo do Santo João Paulo II. Ele, pessoalmente, presidiu a missa muitas vezes nesta Igreja. Quero me unir ao novo Santo, poderoso intercessor junto de Deus, amigo da juventude, promotor das vocações sacerdotais, homem da misericórdia e pregoeiro da paz, para agradecer a sua escolha, apesar de minhas indignidades, para o serviço ao episcopado há 17 anos.
Neste belo Domingo da Misericórdia, dia da canonização de dois Papas, é oportuno que nos lembremos da exortação do Senhor Jesus no Sermão da Montanha e a pratiquemos em nosso dia a dia: “Bem-aventurados os misericordiosos porque encontrarão misericórdia” (Mt 5,7).

Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ







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