Rio de Janeiro (RV) - Neste domingo, dia 27 de abril, celebramos a festa da
Divina Misericórdia, instituída pelo Papa João Paulo II, em 30 de abril de 2000, por
ocasião da canonização da Irmã Maria Faustina Kowaslka, religiosa polonesa, nascida
em 1905 e falecida em 1938.
Essa freira da Congregação de Nossa Senhora
da Misericórdia escreveu muitas anotações em cadernos que reunidos em um só volume
formam o conhecido Diário da Irmã Faustina ou o Diário: a Misericórdia Divina na minha
alma, publicado, no Brasil, pelos Padres Marianos, de Curitiba, PR, com 520 páginas,
incluindo o prefácio, a introdução, as notas finais, o índice e as fotos coloridas
referentes à vida da Santa.
Importa, pois, nesta data conhecermos,
ainda que de passagem, tão importante devoção que, embora provenha de uma revelação
particular, ou seja, daquele tipo de revelação que o fiel católico pode aderir com
sua fé humana (e não sobrenatural, como deve fazer com as verdades da revelação oficial
da Igreja encerrada com os Apóstolos, cf. Catecismo da Igreja Católica n. 67), traz
ricas lições aos homens e mulheres do nosso tempo tão marcado pelo descaso para com
o próximo ou pela descrença na justiça humana.
Aqui alguém poderia
perguntar: se temos essa admoestação a respeito das revelações particulares, por que
fundar-se em uma delas? – Responde-nos o estudioso Pe. Dr. Achylle A. Rubin, religioso
palotino, em sua obra Eterna é a sua misericórdia (Cascavel: Alicerce, 2003, p. 16-19).
Ele diz que o “Culto e devoção à divina misericórdia, estimulado por uma revelação
particular, feita a Santa Faustina, teve uma repercussão muito grande em todo o mundo
católico, o que deu apoio a que o Magistério da Igreja se pronunciasse a favor” (...).
Além disso, assevera Pe. Achylle, que muito mais importante é “dar-nos conta que essa
realidade está amplamente revelada ao correr de toda a Bíblia, e a teologia sempre
a inseriu em suas reflexões, de tal sorte que, além de constar como revelação pública,
ela foi proclamada novamente e feita objeto de devoção e culto, graças à insistência
de uma revelação particular”.
Sim, o Papa João Paulo II “publicou
sobre o assunto a encíclica Dives in misericórdia, rico em Misericórdia, exclusivamente
fundada nas Escrituras e nas conclusões universalmente reconhecidas da teologia. Verdade
é que não foram de pouca importância as influências exercidas sobre o Papa pelas revelações
de Santa Faustina, como também as que vieram da parte da devoção, amplamente divulgada
entre os fiéis de todo o mundo”.
“Isto posto – continua o Pe. Achylle
–, alguém pode ater-se, tanto para a devoção pessoal, como para a pregação, ao conselho
de São João da Cruz. Adverte-nos ele que as revelações particulares que correspondem
com as verdades já contidas na fé de toda a Igreja, nós as aceitemos, não por serem
reveladas a um particular, mas por pertencerem já à mesma fé de toda a Igreja” (São
João da Cruz, OO.CC., Ed. Vozes. Petrópolis, 1996, p. 309).
Também
Dom Estevão Bettencourt, OSB, experiente teólogo brasileiro do Mosteiro de São Bento
do Rio de Janeiro e grande batalhador em nossa Arquidiocese, anota que “a Igreja não
pode impor à crença dos fiéis nem o presumido fato de uma aparição nem o teor da respectiva
mensagem, de modo que se alguém não quer crer nas aparições de Lourdes, não está incidindo
em heresia. É o que o Papa Bento XIV (1740-1758) declarou explicitamente: ‘A aprovação
dada pela Igreja a uma revelação privada não é outra coisa senão a permissão outorgada,
após atento exame, para tornar conhecida essa revelação em vista da instrução e do
bem dos fiéis. A tais revelações, mesmo que aprovadas pela Igreja, pode-se deixar
de dar o assentimento..., desde que isto se faça por boas razões e sem a intenção
de menosprezo’ (De Servorum Dei Beatificatione II 32,11)” (Teologia Fundamental. Rio
de Janeiro: Letra Capital, 2013, p. 144-145).
Feita essa esclarecedora
catequese, passemos a alguns dos principais traços das revelações à Santa Faustina
Kowaslka, conforme consta do seu Diário. São eles: o quadro de Jesus Misericordioso,
sua Festa, o terço e a hora da Misericórdia bem como o seu culto a ser difundido.
O quadro com a pintura de Jesus misericordioso aparece nos escritos de Santa Faustina
do seguinte modo: “À noite, quando me encontrava na minha cela, vi Nosso Senhor vestido
de branco. Uma das mãos erguidas para a bênção, e a outra tocava-Lhe a túnica, sobre
o peito. Da túnica entreaberta sobre o peito saiam dois grandes raios, um vermelho
e o outro pálido. (...) Logo depois, Jesus me disse: Pinta uma imagem de acordo com
o modelo que estás vendo com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós” (Diário 47). Quero
que essa Imagem (...) seja benzida solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa,
e esse domingo deve ser a Festa da Misericórdia” (Diário 49).
E veio
a explicação: “o raio pálido significa a Água que justifica as almas; o raio vermelho
significa o Sangue que é a vida das almas. (...) Feliz aquele que viver à sua sombra”
(Diário 299). Disse ainda o Senhor, segundo Santa Faustina, que por meio desse sinal
concederia “muitas graças às almas; que toda alma tenha, por isso, acesso a ele” (Diário
570). Depois repete que dará “muitas graças às almas. Ela [a alma] deve lembrar as
exigências da Minha misericórdia, porque mesmo a fé mais forte de nada serve sem as
obras” (Diário 742).
Outro ponto lembrado pela Santa polonesa, em
vários trechos dos seus escritos, é a festa em honra da Divina Misericórdia a ser
celebrada no primeiro domingo depois da Páscoa com a bênção da estampa de Jesus misericordioso
pintada com pincel. Tal festa deseja mostrar a estrita união que existe entre o mistério
pascal da Redenção e o mistério da Misericórdia de Deus, conforme comentário de Ir.
Elzbieta Siepak no Diário: a misericórdia divina em minha vida. Curitiba: Congregação
dos Padres Marianos, 1995, p. 11.
Esta festa deve ser, pelas palavras
de Cristo à religiosa polonesa, “um refúgio e abrigo para todas as almas, especialmente
para os pecadores” (Diário 699), pois “as almas se perdem, apesar da Minha amarga
Paixão. Nesse dia, da Festa da Divina Misericórdia, as almas alcançarão o perdão de
suas faltas e dos castigos, pois “estão abertas as entranhas da Minha misericórdia.
Derramo todo um mar de graças sobre as almas que se aproximam da fonte da Minha misericórdia.
(...) Que nenhuma alma tenha medo de se aproximar de Mim, ainda que seus pecados sejam
como o escarlate” (Diário 699).
Ir. Elzbieta faz questão de comentar,
todavia, que essa promessa do Senhor não vem como um passe de mágica. “Para aproveitar
esse dom é preciso cumprir as condições da devoção à Misericórdia Divina: o amor para
com o próximo e encontrar-se em estado de graça santificante (após a confissão) dignamente
recebendo a Sagrada Comunhão” (Diário: a misericórdia divina em minha vida, p. 11).
O terço da Misericórdia Divina é mais uma devoção dessa espiritualidade anunciada
em setembro de 1935, como oração de reparação pelos pecados dos homens. Quem recita
esse terço aproxima a humanidade inteira do Senhor e é envolvido pela Divina Misericórdia,
especialmente na hora de sua morte (cf. Diário 754 e 920).
A hora
da Misericórdia é outra devoção anunciada em outubro de 1937, em Cracóvia: pede-se
para venerar a Hora da morte de Cristo na Cruz com as seguintes palavras: “Todas as
vezes que ouvires o bater do relógio, às três horas da tarde, deves mergulhar na Minha
misericórdia, adorando-A e glorificando-A. Implora a onipotência dela em favor do
mundo inteiro, especialmente dos pobres pecadores, porque nesse momento [a misericórdia]
foi largamente aberta para toda a alma” (Diário 1572).
Não basta, contudo,
amar a Deus sem amar ao próximo, como ensina São João (cf. 1Jo 4,40), daí Santa Faustina
recordar da inspiração: “Deves mostrar-te misericordiosa com os outros, sempre e em
qualquer lugar. Tu não podes te omitir, desculpar-te ou justificar-te” (Diário 742).
Sobre esse ponto muito importa o comentário da Irmã Elzbieta Siepak: “A divulgação
do culto da Misericórdia Divina não exige necessariamente muitas palavras, mas sempre
uma atitude cristã, de confiança em Deus, tornando-se cada vez mais misericordioso.
O exemplo deste apostolado foi-nos dado pela Irmã Faustina durante toda a sua vida”
(Diário: a misericórdia divina em minha vida, p. 12).
Em Roma, na
Via Santo Espírito, há uma Igreja, ao lado da Casa Generalícia da Companhia de Jesus,
em que se tem uma especial devoção a Divina Misericórdia por expresso desejo do Santo
João Paulo II. Ele, pessoalmente, presidiu a missa muitas vezes nesta Igreja. Quero
me unir ao novo Santo, poderoso intercessor junto de Deus, amigo da juventude, promotor
das vocações sacerdotais, homem da misericórdia e pregoeiro da paz, para agradecer
a sua escolha, apesar de minhas indignidades, para o serviço ao episcopado há 17 anos. Neste
belo Domingo da Misericórdia, dia da canonização de dois Papas, é oportuno que nos
lembremos da exortação do Senhor Jesus no Sermão da Montanha e a pratiquemos em nosso
dia a dia: “Bem-aventurados os misericordiosos porque encontrarão misericórdia” (Mt
5,7).
Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano de São
Sebastião do Rio de Janeiro, RJ