Cidade
do Vaticano (RV) – O termo ‘santidade’ habitualmente nos faz pensar em condições
que dificilmente possuímos, que raramente almejamos e que provavelmente nunca viveremos.
Achamos que só aqueles mais certinhos – quietinhos, calados ou que se vestem de modo
santo – ou moralistas, castos, isolados do mundo, merecem. Mas a santidade, na realidade,
começa em nosso coração.
Por isso, não existem receitas nem manuais com os
quais caminhar com mais segurança na estrada da perfeição cristã. Todos: bispos, presbíteros,
diáconos, religiosos, famílias, leigos e aqueles que vivem oprimidos na pobreza, na
fraqueza, na doença, e os perseguidos por amor à justiça são chamados a serem santos.
Hoje o Papa, por meio de um decreto, acaba de declarar José de Anchieta, missionário
jesuíta cuja devoção é ampla e duradoura, o mais novo Santo da Igreja. Reconheceu
a santidade de uma vida cristã ‘normal’, oferecendo ao mundo a possibilidade de analisar
e compreender a ‘santidade dos normais’. É o que pensa o Pe. Rafael Vieira, redentorista,
encarregado das comunicações de sua Congregação, citando palavras de Dom Hélder Câmara:
“Ninguém é tão santo que não possa cair e ninguém tão pecador que não se possa tornar
grande santo amanhã....”
“Eu digo que é uma coisa nova porque no Brasil
temos também muitos santos que não são canonizadas: pessoas reconhecidamente cheias
de virtudes, que já morreram; que o povo aprecia, tem muita gente até que reza, pede
a intercessão de pessoas que não foram, vamos dizer, oficialmente reconhecidas pelo
Vaticano. No Brasil há muitos destes santos, que poderíamos chamar de santos populares.
Estas pessoas seguramente não conseguiriam passar por um processo canônico de canonização.
O Santo Anchieta, com a proclamação por decreto, sua santidade foi reconhecida de
um modo novo. Então penso que hoje, no nosso ambiente jornalístico, muita gente está
percebendo a novidade de um santo que nós poderíamos chamar de popular, um santo que
há quase 500 anos é conhecido".
"Gostaria de acrescentar uma cosa bacana
(bem pessoal): nós temos, às vezes, a mania de associar a santidade a feitos extraordinários,
como por exemplo, um milagre de um doente terminal que foi curado, e tal. Não temos
muito o costume de reconhecer a santidade numa vida ‘normal’, numa vida cristã ‘normal’
- entre aspas, já que uma vida cristã não pode ser colocada na categoria de normal
porque é extraordinária, linda, plena - ainda mais de um personagem tão distante de
nós e dentro das ambiguidades daquele tempo! O Papa Francisco não levou isso para
o impedimento da canonização. E com isso, valorizou a vida ‘normal’ de um missionário
dentro de um contexto histórico político, religioso, ambíguo, que foi o início da
colonização do Brasil, na descoberta. O Anchieta é dos primeiros. Naquele ambiente
que hoje, 500 anos depois, podemos considerar ambíguo sob determinados aspectos, tem
gente santa. Eu acho que esta também faz da novidade uma oportunidade para a comunicação
no Brasil aprofundar: a santidade dos normais, a santidade de quem não fez coisas
que faíscam, de onde ‘sai fogo’, mas da vida normal de um missionário corajoso. Temos
características de sobra do Anchieta que o colocam entre aqueles que são corajosos”.
O
caminho proposto para se chegar à santidade é a caridade, definida no Catecismo da
Igreja Católica como “a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas,
por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus”. Neste aspecto,
Anchieta também foi um inovador, indo até o coração dos índios.
“Ele enfrentou
o maior desafio do momento, que era o contato com o autóctone, com o povo do lugar.
Entre os portugueses que chegaram e tomaram conta daquele paraíso verde, ele foi ao
ser humano que estava ali: o indígena é o ser humano presente no Brasil que se dizia
‘descoberto’. Mas ali, havia o enfrentamento do maior desafio de evangelização, ir
ao diferente. Na vida de São José de Anchieta, encontramos elementos de santidade:
ele enfrentou desafios enormes, foi ao coração do ser humano que estava presente naquela
terra desconhecida e levou valores. Fala-se de poemas que teria escrito; foi lá descobrir
a presença de Deus no coração do ser humano, que era o indígena daquele tempo. Então,
acho que a canonização de José de Anchieta é uma novidade extraordinária para qualquer
pessoa que tem interesse em aprofundar eventos históricos. O Papa Francisco nos colocou
no coração de um grande evento histórico”. (CM)