2014-03-31 15:52:05

"A crise jurídica ou injustiça legal": apresentado V Relatório sobre a Doutrina Social da Igreja no mundo pelo Observatório Van Thuân


Trieste (RV) - Foi apresentado na última sexta-feira (28) em Trieste, Itália, o V Relatório sobre a Doutrina Social da Igreja no mundo, do Observatório Cardeal Van Thuân. Intitulado "A crise jurídica ou injustiça ilegal", o documento analisou acontecimentos nos cinco continentes e apontou três 'perigosas tendências' que acabam minando a base da lei, substituindo-a por normativas. Participaram do evento, entre outros, o Observador Permanente da Santa Sé junto à ONU em Genebra, Arcebispo Silvano Maria Tomasi.

A primeira tendência identificada refere-se às Cortes Internacionais de Justiça que intervém fortemente nos assuntos internos dos países, obrigando-os a adotar leis sobre fecundação artificial ou sobre matrimônios entre pessoaas do mesmo sexo, como ocorreu em 28 de novembro de 2012, quando a Corte Interamericana para os Direitos Humanos condenou a Costa Rica por não ter uma legislação que permitisse a fecundação artificial.

A segunda tendência evidenciada é a dos juízes ordinários que, com suas sentenças, passam por cima das leis e, de fato, passam a substituir o legislador. Para ilustrar, o relatório citou o ocorrido na Itália em relação à Lei 40 sobre fecundação assistida.

A terceira tendência apontada pelo Relatório, "é a luta pelas Constituições", onde muitas leis sobre a vida e a família impostas por pressão internacional são anti-constitucionais. Alguns países como a Croácia e a Eslováquia blindaram sua constituição à tutela da vida e da família. O documento denuncia que esta pressão "é um ato de guerra que mina o sentido de pertença das nações, dado que as Cartas Constitucionais deveriam ser um ponto de referência partilhado e não um terreno de luta". Isto acaba provocando a crise jurídica, ou mesmo a "injustiça legal", fazendo com que se ampliem as situações que exigem "objeção de consciência", que não dizem mais respeito somente a um ou outro problema, mas se configuram como "objeção de consciência para com as próprias instituições".

O Presidente do Observatório e Bispo de Trieste, Arcebispo Giampaolo Crepaldi, foi entrevistado sobre o documento:

P: De que trata o Relatório divulgado este ano?

R: "Como a cada ano, o Relatório faz uma ampla revisão dos acontecimentos e tendências sobre o uso da Doutrina Social da Igreja no mundo, nos cinco continentes. Assim, se ocupa de muitos fatos, das 'primaveras árabes' à crise econômica grega, do braço de ferro entre Igreja e governo nas Filipinas e entre os Bispos católicos e a administração Obama, dos conflitos sociais na Argentina àqueles no Peru. Todavia, o Relatório procura captar sinteticamente também a tendência do ano, a dinâmica que caracterizou o ano em questão".

P: E qual seria?

R: "Nós intitulamos este V Relatório: "A crise jurídica ou injustiça legal". É esta, em nossa opinião, a tendência mais preocupante. Documentamos muitos aspectos da crise da lei em muitos países - corrupção, crise do estado de direito, anomia difundida, violência tribal -, mas documentamos sobretudo o conflito entre Cortes Constitucionais de Justiça, juízes ordinários, Cartas Constitucionais. E também em relação a temas de fundamental importância, como a vida, a família e a identidade humana. O Relatório do ano passado com o título "A colonização da natureza humana", era focado na pressão sobre os países emergentes para que adotassem uma legislação inspirada na ideologia d gênero".

P: Neste ano, então, vocês seguem pelo mesmo caminho?

R: "Ampliamos a sua perspectiva. A crise jurídica tem também um aspecto legislativo: por exemplo, o Relatório documenta a extensão das legislações sobre aborto, eutanásia, fecundação artificial. Porém, dá também um passo à frente. Examina a ingerência das Cortes Internacionais de Justiça nos países, o conflito destas pressões internacionais com as Constituições de cada país, a ação dos juízes ordinários que substituem cada vez mais os parlamentos e, de fato, legislam. A crise das leis é muito mais ampla do que o simples aspecto legislativo".

P: O Relatório diz respeito ao ano de 2012. Poderias fazer um exemplo do que acabaste de dizer?

R: "Exemplos o leitor poderá encontrar muitos. Me agrada recordar o acontecimento do pequeno país da Costa Rica, condenado pela Corte Interamericana para os Direitos Humanos porque não tinha ainda uma legislação que permitisse a fecundação artificial. No Relatório o proclamamos como 'País do Ano na defesa da vida', dada sua resistência diante dos ataques da 'metafísica das sentenças', porque aquela Corte pretendia definir o que era uma pessoa, procriação, vida, com uma 'arrogância jurídica' sem precedentes".

P: O Relatório apresenta também a atividade diplomática da Santa Sé. Qual a novidade?

R: "É interessante como sejam justamente o Núncio e a Secretaria de Estado a levar em frente nas reuniões internacionais, uma verdadeira e própria "pedagogia jurídica" focada no estado de direito justamente entendido. Dom Mambertì, num pronunciamento na ONU do qual fala o Relatório, afirmou que o direito se atenua na lei e, inevitavelmente a lei, por sua vez, se atenua nas regras. Temos assim somente uma "sociedade de regras" e não mais um estado de direito onde a lei governa. Numa sociedade de regras, as regras são sem fundamento. Esta é a crise jurídica que dá lugar à injustiça legal".

P: O senhor, em particular, é autor do capítulo sobre o magistério do Santo Padre. O que poderias nos dizer sobre isto?

R: "Parte integrante do Relatório é o magistério social do Papa e o ensinamento do ano, ou seja, o seu discurso considerado mais importante. Em relação à crise jurídica, assinalamos como discurso do ano o que disse Bento XVI aos bispos dos Estados Unidos em 19 d janeiro de 2012: um ensinamento de grande valor e atualidade sobre a lei natural. Os ensinamentos do Papa que colocamos em evidência, dizem respeito, sobretudo, às razões da presença pública da fé católica, que se fundam na ordem da criação e na organicidade do saber".

P: Nos vossos Relatórios sobre Doutrina Social da Igreja no mundo, frequentemente falam quer sobre questões sociais e econômicas, quer sobre questões de bioética. Por que?

R: "É verdade, é a principal característica do nosso Relatório. A bioética, ou melhor, a biopolítica, é já a principal questão social, a Igreja entendeu isto pelo menos desde a ‘Evangelium vitae’ de João Paulo II e os fatos sucessivos e atuais demonstraram amplamente isto. A ‘Caritas in veritate’ diz claramente que os dois aspectos não podem ser separados. Eis, então, que no Relatório se encontra o estudo de Gianluca Guerzoni sobre a crise jurídica, mas se fala também dos conflitos territoriais na Ásia oriental e do rearmamento de muitos países asiáticos. Tem um capítulo com o título: "O delírio tecnocrático. Os desafios bioéticos mais relevantes de 2012", e um outro chamado "Acontecimentos no campo econômico ao longo de 2012"".

P: A crise jurídica, diz respeito a ambos.... ?

R: "Certamente, pois também a crise econômica, ou financeira ou de emprego é consequencia da incerteza jurídica. Tenta-se introduzir novas normas, mas em um quadro de pobreza nos fundamentos da lei, e como consequencia, estas normas não são aplicadas e respeitadas. Devo dizer, porém, que a crise jurídica no âmbito da vida e da família precede aquela no campo econômico ou financeiro. Se não se respeita neste ponto a ordem das coisas é difícil respeitá-lo em outro. A lei cria ordem, se cria desordem não é mais lei".

P: Isto ocorre quando as ideologias se apossam da lei?

R: "Assim diz o Relatório. Infelizmente, as Cortes Internacionais de Justiça, os juízes ordinários ou os legisladores são frequentemente vítimas de ideologias correntes e de grupos de pressão".

(GT-JE)









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