"A crise jurídica ou injustiça legal": apresentado V Relatório sobre a Doutrina Social
da Igreja no mundo pelo Observatório Van Thuân
Trieste (RV) - Foi apresentado na última sexta-feira (28) em Trieste, Itália,
o V Relatório sobre a Doutrina Social da Igreja no mundo, do Observatório Cardeal
Van Thuân. Intitulado "A crise jurídica ou injustiça ilegal", o documento analisou
acontecimentos nos cinco continentes e apontou três 'perigosas tendências' que acabam
minando a base da lei, substituindo-a por normativas. Participaram do evento, entre
outros, o Observador Permanente da Santa Sé junto à ONU em Genebra, Arcebispo Silvano
Maria Tomasi.
A primeira tendência identificada refere-se às Cortes Internacionais
de Justiça que intervém fortemente nos assuntos internos dos países, obrigando-os
a adotar leis sobre fecundação artificial ou sobre matrimônios entre pessoaas do mesmo
sexo, como ocorreu em 28 de novembro de 2012, quando a Corte Interamericana para os
Direitos Humanos condenou a Costa Rica por não ter uma legislação que permitisse a
fecundação artificial.
A segunda tendência evidenciada é a dos juízes ordinários
que, com suas sentenças, passam por cima das leis e, de fato, passam a substituir
o legislador. Para ilustrar, o relatório citou o ocorrido na Itália em relação à Lei
40 sobre fecundação assistida.
A terceira tendência apontada pelo Relatório,
"é a luta pelas Constituições", onde muitas leis sobre a vida e a família impostas
por pressão internacional são anti-constitucionais. Alguns países como a Croácia e
a Eslováquia blindaram sua constituição à tutela da vida e da família. O documento
denuncia que esta pressão "é um ato de guerra que mina o sentido de pertença das nações,
dado que as Cartas Constitucionais deveriam ser um ponto de referência partilhado
e não um terreno de luta". Isto acaba provocando a crise jurídica, ou mesmo a "injustiça
legal", fazendo com que se ampliem as situações que exigem "objeção de consciência",
que não dizem mais respeito somente a um ou outro problema, mas se configuram como
"objeção de consciência para com as próprias instituições".
O Presidente do
Observatório e Bispo de Trieste, Arcebispo Giampaolo Crepaldi, foi entrevistado sobre
o documento:
P: De que trata o Relatório divulgado este ano?
R:"Como a cada ano, o Relatório faz uma ampla revisão dos acontecimentos e tendências
sobre o uso da Doutrina Social da Igreja no mundo, nos cinco continentes. Assim, se
ocupa de muitos fatos, das 'primaveras árabes' à crise econômica grega, do braço de
ferro entre Igreja e governo nas Filipinas e entre os Bispos católicos e a administração
Obama, dos conflitos sociais na Argentina àqueles no Peru. Todavia, o Relatório procura
captar sinteticamente também a tendência do ano, a dinâmica que caracterizou o ano
em questão".
P: E qual seria?
R: "Nós intitulamos
este V Relatório: "A crise jurídica ou injustiça legal". É esta, em nossa opinião,
a tendência mais preocupante. Documentamos muitos aspectos da crise da lei em muitos
países - corrupção, crise do estado de direito, anomia difundida, violência tribal
-, mas documentamos sobretudo o conflito entre Cortes Constitucionais de Justiça,
juízes ordinários, Cartas Constitucionais. E também em relação a temas de fundamental
importância, como a vida, a família e a identidade humana. O Relatório do ano passado
com o título "A colonização da natureza humana", era focado na pressão sobre os países
emergentes para que adotassem uma legislação inspirada na ideologia d gênero".
P:
Neste ano, então, vocês seguem pelo mesmo caminho?
R: "Ampliamos
a sua perspectiva. A crise jurídica tem também um aspecto legislativo: por exemplo,
o Relatório documenta a extensão das legislações sobre aborto, eutanásia, fecundação
artificial. Porém, dá também um passo à frente. Examina a ingerência das Cortes Internacionais
de Justiça nos países, o conflito destas pressões internacionais com as Constituições
de cada país, a ação dos juízes ordinários que substituem cada vez mais os parlamentos
e, de fato, legislam. A crise das leis é muito mais ampla do que o simples aspecto
legislativo".
P: O Relatório diz respeito ao ano de 2012. Poderias
fazer um exemplo do que acabaste de dizer?
R: "Exemplos o leitor
poderá encontrar muitos. Me agrada recordar o acontecimento do pequeno país da Costa
Rica, condenado pela Corte Interamericana para os Direitos Humanos porque não tinha
ainda uma legislação que permitisse a fecundação artificial. No Relatório o proclamamos
como 'País do Ano na defesa da vida', dada sua resistência diante dos ataques da 'metafísica
das sentenças', porque aquela Corte pretendia definir o que era uma pessoa, procriação,
vida, com uma 'arrogância jurídica' sem precedentes".
P: O Relatório
apresenta também a atividade diplomática da Santa Sé. Qual a novidade?
R:
"É interessante como sejam justamente o Núncio e a Secretaria de Estado a levar
em frente nas reuniões internacionais, uma verdadeira e própria "pedagogia jurídica"
focada no estado de direito justamente entendido. Dom Mambertì, num pronunciamento
na ONU do qual fala o Relatório, afirmou que o direito se atenua na lei e, inevitavelmente
a lei, por sua vez, se atenua nas regras. Temos assim somente uma "sociedade de regras"
e não mais um estado de direito onde a lei governa. Numa sociedade de regras, as regras
são sem fundamento. Esta é a crise jurídica que dá lugar à injustiça legal".
P:
O senhor, em particular, é autor do capítulo sobre o magistério do Santo Padre. O
que poderias nos dizer sobre isto?
R: "Parte integrante do Relatório
é o magistério social do Papa e o ensinamento do ano, ou seja, o seu discurso considerado
mais importante. Em relação à crise jurídica, assinalamos como discurso do ano o que
disse Bento XVI aos bispos dos Estados Unidos em 19 d janeiro de 2012: um ensinamento
de grande valor e atualidade sobre a lei natural. Os ensinamentos do Papa que colocamos
em evidência, dizem respeito, sobretudo, às razões da presença pública da fé católica,
que se fundam na ordem da criação e na organicidade do saber".
P:
Nos vossos Relatórios sobre Doutrina Social da Igreja no mundo, frequentemente falam
quer sobre questões sociais e econômicas, quer sobre questões de bioética. Por que?
R:
"É verdade, é a principal característica do nosso Relatório. A bioética, ou melhor,
a biopolítica, é já a principal questão social, a Igreja entendeu isto pelo menos
desde a ‘Evangelium vitae’ de João Paulo II e os fatos sucessivos e atuais demonstraram
amplamente isto. A ‘Caritas in veritate’ diz claramente que os dois aspectos não podem
ser separados. Eis, então, que no Relatório se encontra o estudo de Gianluca Guerzoni
sobre a crise jurídica, mas se fala também dos conflitos territoriais na Ásia oriental
e do rearmamento de muitos países asiáticos. Tem um capítulo com o título: "O delírio
tecnocrático. Os desafios bioéticos mais relevantes de 2012", e um outro chamado "Acontecimentos
no campo econômico ao longo de 2012"".
P: A crise jurídica, diz
respeito a ambos.... ?
R: "Certamente, pois também a crise econômica,
ou financeira ou de emprego é consequencia da incerteza jurídica. Tenta-se introduzir
novas normas, mas em um quadro de pobreza nos fundamentos da lei, e como consequencia,
estas normas não são aplicadas e respeitadas. Devo dizer, porém, que a crise jurídica
no âmbito da vida e da família precede aquela no campo econômico ou financeiro. Se
não se respeita neste ponto a ordem das coisas é difícil respeitá-lo em outro. A lei
cria ordem, se cria desordem não é mais lei".
P: Isto ocorre quando
as ideologias se apossam da lei?
R: "Assim diz o Relatório. Infelizmente,
as Cortes Internacionais de Justiça, os juízes ordinários ou os legisladores são frequentemente
vítimas de ideologias correntes e de grupos de pressão".