Rio de Janeiro (RV) - A “revolucionária” ideologia de gênero vem tentando se
implantar no Brasil por meio de grandes esforços do poder reinante ou dominante. Diante
desta situação, incumbe-nos, enquanto brasileiros e cristãos, saber o que é essa ideologia
muito comentada, mas pouco definida, quais são suas raízes, como ela se impõe, que
objetivos tem e qual deve ser a nossa posição frente a ela.
É ponto de partida
desse sistema ideológico o seguinte postulado: nós nascemos com um sexo biológico
definido (homem ou mulher), mas, além dele, existiria o sexo psicológico ou o gênero
que poderia ser construído livremente pela sociedade na qual o indivíduo está inserido.
Desse modo, em última análise, não existiria uma mulher ou um homem naturais. Ao contrário,
o ser humano nasceria sexualmente neutro, do ponto de vista psíquico, e seria constituído
socialmente homem ou mulher.
Nada de novo debaixo do sol. Simone de Beauvoir,
filósofa existencialista, já dizia exatamente isso. Não se nasce mulher, mas você
se torna mulher; não se nasce homem, mas você se torna homem. Em suma, nada dependeria
da natureza, mas, sim, de uma construção sociocultural capaz de levar a relações igualitárias
entre dois seres humanos, naturalmente, diferentes quanto à sexualidade.
Uma
Nota da Conferência Episcopal do Peru, emitida em abril de 1998, com o título La ideologia
de género: sus peligros y alcances aponta a raiz marxista e atéia desse sistema ideológico
e assegura que segundo a ideologia de gênero, não é a natureza, mas a sociedade quem
vai impondo ao homem ou à mulher certos comportamentos típicos. Desse modo, se a menina
prefere brincar de casinha ou aconchegar a boneca isso não se deveria ao seu instinto
natural à maternidade, mas tão-somente a uma convenção social dominadora. Se as mulheres
se casam com homens e não com outras mulheres, isso nada teria de natural, mas dever-se-ia
apenas a uma “tradição social” das classes dominantes.
Mais: se o homem brinca
de bola e sente necessidade de trabalhar fora de casa a fim de melhor sustentar a
família ao passo que as mulheres preferem, via de regra, passar mais tempo em casa
junto aos filhos (cf. Sueli C. Uliano. Por um novo feminismo. São Paulo: Quadrante,
1995, p. 51-53), não estariam, de modo algum, atendendo a seus anseios inatos, mas
apenas se acomodando ao desejo elitista de uma tradição opressora que deve ser rompida
a qualquer momento. Sim, pois segundo os defensores da ideologia de gênero essas construções
sociais opressivas só serviram até hoje para minimizar a mulher frente aos homens.
Seria necessário conscientizá-las de que a sua vida de casa, cozinha e criança não
tem mais sentido, essa conscientização levaria a mulher a entender o quanto é explorada
e enganada pelo modelo patriarcal de sociedade em que vivemos.
Uma vez liberta,
ela poderia optar por reconstruir-se do modo que bem entender. Faria a sua escolha
sexual com todas as consequências dela derivadas, ou seja, poderia também optar por
levar adiante uma gravidez ou praticar o aborto que, na doutrina de gênero, não seria
crime algum, mas, ao contrário um direito que caberia à mãe. Embora, para não chocar
a sociedade com o homicídio, prefira-se um termo manipulado por meio de engenharia
verbal como é, por exemplo, “interrupção voluntária da gravidez”.
Isso posto,
já devemos – com a Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do Homem
e da Mulher na Igreja e na Sociedade, da Congregação para a Doutrina da Fé, de 31
de maio de 2004 – aproveitar fazer, rapidamente, a refutação de duas correntes contemporâneas
que propalam pensamentos absurdos a respeito da mulher: a subordinacionista, que a
vê qual escrava, submissa ao homem em nível familiar e social, e a de gênero, desejosa
de apagar as diferenças naturais entre homem e mulher. Afinal, a Escritura apresenta
a mulher como ezer (auxiliar ou companheira) do homem por analogia com Deus que é
ezer do homem (cf. Gn 2,4-25; Êx 18,4; Sl 10,35). Há entre mulher e homem complementaridade,
apesar das diferenças fisiológicas e psicológicas (não meramente culturais). Iguais
quanto à sua dignidade – um não é mais que o outro – não se identificam em suas características
peculiares, pois Deus criou homem e mulher, não um andrógino polimorfo ou capaz de
ter várias formas.
Outro ponto a ser refutado é o que defende a liberdade
de construção sexual. Com efeito, assim como toda ideologia, a de gênero – considerada
pelo estudioso argentino Jorge Scala, em sua obra Ideologia de gênero: neototalitarismo
e morte da família (São Paulo: Katechesis, 2011), a mais radical já conhecida na história,
pois se aplicada destruiria o ser humano em sua integralidade e, por conseguinte,
a sociedade, cuja célula-mãe é a família – é também mentirosa. Ela oferece às pessoas
a ilusão de que serão plenamente livres em matéria sexual, contudo, uma vez que essas
pessoas tenham tomado a mentira por verdade, são aqueles que detêm o poder real que
escolherão, a seu beneplácito, o modo como o povo deverá – padronizadamente – exercer
a sua sexualidade sob o olhar forte do Estado que tutelaria para que cada um fizesse
o que bem entendesse. Dentro da cartilha estatal, é óbvio. Só não se toleraria, por
enquanto, as relações sexuais não consentidas, todas as demais seriam válidas e deveriam
ser toleradas pelo Governo e pela sociedade em geral como lícitas.
Ora, uma
ideologia tão antinatural e artificial dessas não consegue se impor do dia para a
noite, nem recebe tão fácil acolhida da população, mas, ao contrário, provoca resistências
entre as pessoas sensatas em geral. Daí os arautos da ideologia de gênero usarem,
de modo conjunto, importantes estratégias para dominarem o grande número de hesitantes.
Sim, é imprescindível contar com os meios de propaganda de grande alcance
tais como o rádio, o jornal, as revistas, a TV, a internet, pois são veículos de comunicação
unidirecionais, ou seja, não permitem que o receptor da informação dialogue com o
emissor (sabemos como são manipuladas as opiniões que se enviam para os sites) para,
no caso de gênero, por exemplo, contestá-lo das inverdades que diz. Apenas se aceita
muito passivamente aquilo que lhe é transmitido.
Outro meio formidável é o
sistema educacional formal ou a escola. Por meio dela – em um processo educacional
inverso ao que sempre se conheceu, no qual o papel primordial da educação ética e
religiosa cabe aos pais – se veiculariam os métodos impostos pelo Estado a ditarem
as normas de vida social aos alunos e estes deveriam, em casa, ensinar seus pais ou
responsáveis doutrinando-os a fim de que também aceitem as novas concepções totalitárias,
incluindo como carro-chefe a revolucionária ideologia de gênero, mãe de todas os outros
“libertinismos” sexuais. Tudo isso, porém, depende, para ser imposto, de uma ardilosa
máquina de propaganda que age especialmente, a partir de três etapas fundamentais:
primeiro, usar, desde logo, uma palavra comum, mas com sentido totalmente diferente.
Desse modo, falar-se-ia em sexo e gênero, alternadamente, como se fossem meros sinônimos
até que as pessoas, de maneira imperceptível, começassem a usá-las sem se questionar,
ao menos em alguns ambientes específicos como as escolas, redações de jornais, rádios,
igrejas etc.
Segundo, bombardear a opinião pública pelos meios de educação
formais (escola) e informais (rádios, TVs, jornais, revistas, internet) valendo-se
da palavra antiga com sentido novo ou transfigurado pela cirurgia ideológica nela
realizada. Aqui já se substituiria o vocábulo sexo por gênero e se lhe acrescentaria
os sentidos revolucionários de “sexo socialmente construído” em oposição ao sexo biologicamente
dado pela natureza, falar-se-ia em “tipos de casamentos” e não mais no matrimônio
monogâmico e estável com bases religiosas, etc.
Observa-se, então, que as
pessoas aceitariam o termo clássico (sexo) com um conteúdo novo (gênero). Estaria
imposta, por uma forte “heterossugestão”, um novo modelo de pensar: simples homens
e mulheres, sem qualquer pressuposto filosófico, sociológico ou antropológico, estaria
falando, de modo falacioso, que gênero é a “autoconstrução livre da própria sexualidade”.
A opinião pública estaria dominada para acatar todo tipo de “vida sexual” contrária
à natureza: poligamia, prostituição, orgias, pedofilia, pornografia, zoofilia (relação
sexual com animais), necrofilia (encenação de ato sexual com defuntos) etc.
Tudo
isso graças ao substrato de uma nova linguagem de características obscuras, próprias
para causar confusão na mente de quem com elas toma contato, evitando, assim, que
o ouvinte ou o leitor consiga rebater a mensagem implícita naqueles termos que parecendo
esdrúxulos têm uma finalidade muito específica na veiculação da ideologia de gênero.
Alguns deles são “sexismo”, sexualidade polimórfica, homofobia, “androcentrismo”,
tipos de família, “parentalidade”, heterossexualidade obrigatória, etc. e quem toma
contato, sem pressupostos, aceita às escuras tais termos e os repete trabalhando,
ingenuamente, para a ideologia de gênero e, por consequência, contra a vida, a família
e os alicerces da própria sociedade.
Pergunta-se, então, se diante de uma ideologia
“revolucionária" e perversa, como se revela ser a ideologia de gênero, cabe aos católicos
a coragem ou o medo? – Scala responde com uma citação de Jean Gitton, filósofo francês,
que diz o seguinte: “Em todos os séculos, diz-se que a Igreja vai cair, e ela se mantém.
É incrível. Em cada século diz-se que não é como os séculos precedentes, que desta
vez é definitiva e que a Igreja não se salvará. E sempre se salva. Veja, ainda no
século XX. O comunismo a enterraria. Todo mundo dizia isso. Eu também esperava o pior,
na Europa e em todos os lugares. O que aconteceu? A Igreja enterrou o comunismo. E
já veremos que a mesma coisa vai acontecer com o liberalismo que se acredita eterno.
Aos olhos humanos nenhuma pessoa sensata poria um centavo nas ações do ‘Catolicismo’.
Hoje em dia se diz: o consumismo e o sexo varrerão a Igreja. Bom, eu não acredito.
Uma vez mais, acontecerá algo, não sei o quê. Repito: é incrível. Toda esta história
é inverossímil” (Mi testamento filosófico apud Scala, p. 195).
Certo é que
não basta só confiar nessa força sobrenatural da Igreja, é preciso fazer a nossa parte
conhecendo e apresentando ao público a verdadeira face da ideologia de gênero escondida
atrás de uma fantasia carnavalesca. Olha-nos sorridente para conquistar-nos. Uma vez
conseguido seu intento, fecha sua carranca e ataca-nos impiedosamente para destruir
a vida, a família e os valores sociais alicerçados na lei natural moral que ensina
a fazer o bem e evitar o mal. Todavia, quem se julgar livre para defender os valores
naturais e cristãos pode ser duramente perseguido, moral e fisicamente, como já se
faz, ainda que um tanto veladamente, em não poucos países. A classificação de “retrógrado”
e outros nomes é muito comum na verbalização e condenação daqueles que conseguem refletir
sobre esses fatos.
Em tempos como os nossos, ter coragem para defender os
princípios cristãos libertadores – é para a liberdade que Cristo nos libertou, Gl
5,1 – é expor-se ao próprio martírio de sangue, mas as palavras do Senhor Jesus nos
encorajam: No mundo tereis tribulações, mas tende bom ânimo. Eu venci o mundo (cf.
Jo 15,18-27). Fazemos votos para que todas as forças vivas da nação se unam em
defesa da vida e da família e, consequentemente, da sociedade em geral a fim de que
possamos, diante de Deus, deixar ao nosso povo em geral, especialmente às nossas crianças,
adolescentes e jovens, a certeza de que não fomos omissos e lutamos, dentro da lei
e da ordem, para que uma ideologia que pretende ser “revolucionária” como a de gênero
não os prejudicasse. Nem hoje, nem amanhã.
Orani João, Cardeal Tempesta,
O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro