Osório (RV) - A manifestação espontânea de Pedro no momento da Transfiguração
de Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra
para Moisés e outra para Elias” manifesta a sede de salvação e de paz que todo ser
humano carrega dentro de si. Paz e salvação que só podem ser encontradas no encontro
com Jesus crucificado e ressuscitado.
Como isso pode acontecer?
A vida
de Jesus Cristo nos revela a beleza do amor infinito de Deus por cada ser humano.
Deus Pai nos envia o seu Filho Unigênito ao mundo para que a humanidade seja salva
por Ele.
A reação de Pedro revela a alegria e a consolação espiritual que o
encontro com Cristo produz no coração das pessoas que dele se aproximam. Esse apóstolo
que por natureza parece tender para o interesse pessoal, para o olhar prático, que
se pergunta sempre: “o que vou ganhar com isso?”, aqui mostra um total desprendimento
e gratuidade. Tamanha é a paz sentida na presença do Transfigurado que não pensa mais
em si, mas nos outros: “vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés, outra
para Elias”.
Estamos no segundo domingo da Quaresma. Lentamente avançamos para
a solene celebração da Vigília Pascal. À luz do Evangelho da Transfiguração, Deus
nos convida a um tempo especial de conversão, de mudança de vida, de renovação.
Ao
nosso redor muitas coisas mexem conosco e desafiam nossa fé. As tantas pessoas que
se afastaram das comunidades; os milhões de crianças abandonadas; tantos jovens entregues
às drogas e à violência; o tráfico humano que explora mulheres e crianças inocentes
com o trabalho escravo, exploração sexual e até mesmo com comércio de órgãos; a fome
que assola milhões pelo mundo afora... .
Por outro lado, vemos esbanjamento
com o supérfluo, com o luxo, os monumentos imponentes de bilhões de reais para os
espetáculos do futebol e outros assessórios. O egoísmo e o individualismo imperando
no mundo, a concentração de poder e renda na mão de uns poucos privilegiados.
Os
sobrantes e excluídos da mesa da vida são milhões e milhões. Isso não é bom, não é
o mundo querido por Deus. Mas, sabemos que um outro mundo é possível se trilharmos
o caminho do Evangelho.
Na narrativa da Transfiguração, Jesus sobe com três
discípulos para o monte, num lugar solitário. São os mesmos discípulos que irão testemunhar
sua agonia no Getsemani. Naquele tempo, quando os mestres tinham coisas importantes
para comunicar aos seus discípulos, retiravam-se para lugares reservados e afastados,
fora do movimento do cotidiano.
Jesus agiu assim e ainda acrescentou no final
da narrativa: “que não contassem a ninguém o que tinham visto, enquanto o filho do
homem não tivesse ressuscitado dos mortos”. A montanha é lugar simbólico da experiência
de comunhão e intimidade com Deus.
Jesus deixa a planície, lugar da rotina,
da lógica do mercado, dos conflitos de interesses, para subir a montanha com os três
discípulos e introduzi-los na lógica do Reino. Quer que eles entrem mais profundamente
nos insondáveis desígnios do Pai, especialmente no que tange a missão do Messias.
As
tendas tinham um significado especial para os judeus, tanto que ainda hoje, embora
morando em casas modernas, na semana das tendas eles montam em casa uma pequena tenda,
semelhante aos nossos presépios. A festa das tendas era celebrada no fim das colheitas.
Ela tinha um significado voltado para o futuro: o dia da chegada do Messias.
Pedro,
ao falar de fazer três tendas, refere-se a este futuro e a esta festa. Aposta na chegada
do Reino de Deus: época do descanso e da festa perene, prometida e anunciada pelos
profetas. Escapa a Pedro um dado fundamental: ele pensava que era possível entrar
na festa do Reino de Deus sem passar pela doação da vida, pela cruz, tanto que já
queria ficar por lá. Mas, como observa Marcos: “ele não sabia o que estava dizendo”.
O
povo vai descobrindo aos poucos que Jesus é o Messias, mas não um Messias milagreiro,
rico, poderoso, meio mágico, que muda as coisas num piscar de olhos. Muito pelo contrário
a salvação de Jesus passa pelo caminho d a cruz, da morte. Contudo, a morte não tem
a última palavra. Quando assumida no amor produz ressurreição e vida nova.
No
prefácio da liturgia deste dia rezamos: “Tendo predito aos discípulos a própria morte,
Jesus lhes mostra na montanha sagrada, todo o seu esplendor. E com o testemunho da
Lei e dos Profetas, simbolizados em Moisés e Elias, nos ensina que, pela paixão e
cruz, chegará a glória da ressurreição.”
A Quaresma é um tempo penitencial,
o que não significa ter que procurar o sofrimento pelo sofrimento, mas a purificação,
a aproximação e a santificação. Que tal tirar um tempo para ir ao monte do encontro
com Deus! Mas o que isto significa?
Para alguém pode ser passar a frequentar
a Igreja, participando da celebração eucarística. Para outros buscar o monte da confissão
que já nem sabe mais como fazer porque está esquecida há anos. Para outros, voltar
para a casa da família que abandonou sem dar explicações. Para alguém poderia ser
deixar o caminho do álcool, da droga aceitando a ajuda de uma casa de recuperação.
Para outro, dar ou pedir perdão, reconciliando-se com aquela pessoa que há anos espera
que lhe estenda a mão.
Muitos e variados podem ser os “Tabores” que nos esperam
para o encontro e poder exclamar de coração aberto com Pedro: “É bom estarmos aqui!”
ou “Porque esperamos tanto tempo!” ou “não pensava que fosse tão bom!”
Prestemos
atenção, porque Deus nos está chamando ao monte, só precisamos descobrir o nosso e
achar o endereço. Pode estar muito perto da gente. Às vezes nem precisa sair de casa.
Pode estar dentro da gente mesmo.