Dom Gilio Felicio: "Fraternidade sim, racismo não!"
Bagé (RV) - Não faz muito tempo, numa roda de amigos, alguém disse: “O racismo
já era. A sociedade já superou esse pecado. Vejam! Aqui estamos desfrutando a riqueza
da amizade com a diversidade dos tons de nossa epiderme e de nossa etnia”. Lamentavelmente,
a afirmação entusiástica do amigo se defronta, em nossos dias, com um racismo vivo
e violento. Presente não apenas em estádios de futebol, mas também em tantos outros
espaços sociais, culturais e até religiosos.
À revelia dos princípios de igualdade,
reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e nos propósitos
e compromissos da III Conferência Mundial Contra o Racismo (promovida pela ONU, em
Durban na África do Sul, em 2001), a discriminação racial, a xenofobia e intolerância
correlatas, o racismo continua ferindo, e em muitos lugares desprezando, traficando
e matando seres humanos, “imagem e semelhança de Deus”. As pessoas de bem, os religiosos,
as lideranças responsáveis pelo bem comum, não podem ficar de braços cruzados ou de
olhos vedados. O racismo, crime “lesa-humanidade”, está vivo. Negros e negras são
os mais atingidos por essa violência.
A maneira perversa do racismo brasileiro
torna invisível uma inaudível população de cerca de 80 milhões de brasileiros. É um
fenômeno no mundo contemporâneo. Os interesses do povo afro-brasileiro são escamoteados
e a impressão superficial que se tem da sociedade brasileira é a de que, em matéria
de convívio interétnico, o Brasil é exemplo para o mundo.
O Documento de Aparecida,
elaborado em maio de 2007, na V Conferência Episcopal Latino-americana e Caribenha,
continua atual quando afirma: “A história dos afro-americanos tem sido atravessada
por uma exclusão social, econômica, política e, sobretudo, racial, onde a identidade
étnica é fator de subordinação social. Muitos são discriminados na inserção do trabalho,
na qualidade e conteúdo da formação escolar, nas relações cotidianas e, além disso,
existe um processo de ocultamento sistemático de seus valores, história, cultura e
expressões religiosas. Permanece, em alguns casos, uma mentalidade e um certo olhar
de menor respeito em relação aos afro-americanos. Desse modo, descolonizar as mentes,
o conhecimento, recuperar a memória histórica, fortalecer os espaços e relacionamentos
interculturais, são condições para a afirmação da plena cidadania destes povos”.
A
Igreja Católica − que, como lembrou o Bem-aventurado Papa João Paulo II, pede perdão
a Deus, por algumas ações equivocadas ou algumas omissões em sua missão pastoral junto
à população negra − “denuncia a prática da discriminação e do racismo em suas diferentes
expressões, pois ofende no mais profundo a dignidade humana criada à imagem e semelhança
de Deus”. (cf. Documento de Aparecida, 533).
Nos dias de hoje, a família das
nações precisa de um concertado programa de ação para abordar a questão do racismo
e desativá-lo para sempre. Pois, ele é o motor principal da cultura de morte, presente
em nossa sociedade. “Rezemos uns pelos outros para que haja uma grande fraternidade”
(Papa Francisco).